Trabalho e justiça social: crise e caminhos de reconstrução

Ilustração: Diego Rivera/Detroit Institute of Arts

Diante do colapso evidente de suas próprias estruturas, o modelo capitalista vigente aposta não na revisão crítica a reformulação do sistema, mas na confirmação e reiteração do seu método de acumulação e de concentração de riqueza por meio do esgotamento dos recursos naturais, precarização do trabalho, ampliação da exclusão social e aprofundamento da desigualdade. 

Ao contrário do discurso construído pelo liberalismo atual e repercutido à exaustão pela mídia, a expansão do capitalismo e o recrudescimento de regimes autoritários não são fenômenos antagônicos e nem excludentes, mas lógicas de poder que se integram e combinam para garantir mais lucros e mais submissão, por meio de leis regressivas ou, se necessário, pela ação coercitiva direta do aparato repressivo do Estado.   

Aplicadas em diferentes formatos, no Brasil e em muitos países do mundo, as recentes reformas laborais que se anunciaram como estratégias modernizadoras das relações de trabalho foram na verdade realizadas afrontando os princípios e direitos fundamentais consagrados nas Constituições dos Estados Democráticos ao longo do Século XX e, via de regra, caminharam no sentido da supressão de direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores, redundando em ainda maior precarização e empobrecimento do trabalho.

O “direito” que as reformas oferecem à classe trabalhadora é o de trabalhar mais horas, em situação mais precária, com proteção reduzida ou inexistente, ganhando menos. O motorista de aplicativo que fica mais horas dentro do carro do que em casa com a família; a trabalhadora doméstica que, durante a pandemia, foi sumariamente descartada ou precisou se submeter a passar a semana toda dentro da casa do patrão; o entregador de fast food que dorme na praça, usando o isopor como travesseiro nos intervalos de uma jornada sem fim. Todos são testemunhos, impossíveis de ignorar, de leis que não protegem e de uma tecnologia que não liberta, senão abre margem para novas modalidades de exploração. 

Nessa partilha desigual, o quinhão que cabe ao empregado é o da exaustão, escassez e alienação. Como buscar a realização como pessoa e a plenitude da cidadania quando a batalha diária é para não passar fome, não ser despejado, não atrasar as contas um mês a mais? Estas são certamente razões suficientes para defendermos que as lutas por trabalho decente e vida digna, travadas pelos sindicatos e pelos trabalhadores, não só permanecem atuais, como devem ser intensificadas e estar conectadas com as lutas democráticas mais gerais da sociedade.   

Não é possível falar em liberdade e dignidade, diante das transformações brutais que atingem o trabalho na contemporaneidade, sem assumir claramente o enfrentamento das novas formas de espoliação, também e especialmente no terreno das ideias. É urgente debater nos sindicatos e nas universidades, nos tribunais e meios de comunicação, na sociedade, formas de resistir ao avanço do processo de desmonte do sistema protetivo, de restabelecer direitos sonegados pelas reformas recentes, de produzir e dar efetividade a novos direitos, compatíveis com as necessidades que emergem do impacto da revolução tecnológica, na perspectiva de construir um novo marco legal efetivamente democrático e protetivo do trabalho. Para tanto, é necessário refletir criticamente sobre as reformas laborais regressivas impostas aos trabalhadores em vários países, mas também conhecer e compreender as experiências recentes de repactuação, como a da Espanha, que são referências importantes para debater sobre o presente e o futuro do mundo do trabalho.  

Nesta edição, desenvolvida numa parceria por Democracia e Mundo do Trabalho em Debate – DMT e Democracia e Direitos Fundamentais – DDF, reunimos artigos de estudiosas e de estudiosos que, reconhecidos pelas suas contribuições teóricas para a compreensão do universo do trabalho, no Brasil e do exterior, trazem agora novos elementos para que possamos bem interpretar as transformações em curso e melhor definir os desafios do nosso tempo. 

Boa leitura!

Confira abaixo os textos

Reforma trabalhista na Espanha: a importância constitutiva do diálogo social, por Antonio Baylos

São realistas as esperanças de uma recuperação dos direitos e poderes sindicais nos Estados Unidos? – Uma Visão Crítica, por Stanley A. Gace

O sindicato: um ator insubstituível na conquista, promoção e defesa dos direitos sociais, por Álvaro D. Ruiz

Mudanças no sistema de relações sindicais no Brasil: diretrizes para construir novos horizontes, por Clemente Ganz Lúcio

Salário igual para trabalho de igual valor e a reforma trabalhista, por Marilane Oliveira Teixeira

Trabalho, tempo e gênero: o trabalho das mulheres na disputa entre produção e reprodução social, por Cristina Pereira Vieceli 

O mercado de trabalho brasileiro na crise sanitária, por  Carlos Henrique Horn e Virginia Rolla Donoso 

Virada digital, trabalho e escravidão, por Marcio Pochmann

“Uberização” e “empreendedorismo” em “Você não estava aqui”, e uma provocação acerca de onde podemos e devemos estar, por Glaucia Campregher

Os impactos das alterações na legislação trabalhista no tempo de trabalho: a despadronização como regra, por Cássio da Silva Calvete

A regulamentação do trabalho em plataformas digitais: o PL 4172/2020, por Antonio Escosteguy Castro

Você também pode conferir os textos no site do DDF.

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