Editorial: Dez anos do Democracia e Mundo do Trabalho em Debate

Ilustração: Diego Rivera

Democracia e Mundo do Trabalho em Debate surgiu há dez anos com o propósito expresso de “aproximar a produção de conhecimento especializado com o mundo do trabalho real”. O nome extenso logo pediu simplificação, e, portanto, o site passou a se autorreferir pelo acrônimo DMT. Os pressupostos da esperada aproximação entre os múltiplos resultados da atividade acadêmica e a realidade vivida das relações de trabalho eram claros, ainda que teoricamente disputáveis, e consistiam em reconhecer a centralidade do trabalho e a relevância da informação e do conhecimento produzido por especialistas como modo de ampliar o saber crítico que subjaz às ações profissionais ou políticas efetivas. Transcorrido o primeiro decênio de existência do DMT, nossa percepção é que essas premissas foram repetidamente confirmadas.

A busca do DMT pelo conhecimento especializado, aquele conhecimento elaborado conforme os cânones da ciência, nunca significou, todavia, posicionar o site no terreno da neutralidade perante as partes das relações de trabalho. O mundo do trabalho nas economias mercantis capitalistas está marcado por assimetrias reais de poder e permanente desigualdade na distribuição dos frutos do trabalho humano, fazendo com que a relação de emprego assalariado – ou, mais precisamente, de todo o trabalho subordinado – se configure como um misto de conflito e cooperação. Diante dessas características estruturais do mundo do trabalho na modernidade, o DMT procurou guiar-se por uma dimensão ética em relação às necessidades dos trabalhadores em geral. Em consequência, o site tratou de priorizar temas de direto de interesse dos trabalhadores e de seus agentes de representação profissional, jurídica e política, assim como ofereceu espaço para a defesa de teses afirmativas da igualdade e da liberdade, da redução de assimetrias e da melhoria das condições de vida e de trabalho de milhões de pessoas que, independentemente de quaisquer atributos pessoais ou afinidades eletivas, asseguram sua sobrevivência diária no polo subordinado das relações de trabalho.

A dimensão ética do DMT revelou-se também na primeira palavra que lhe compõe o nome: democracia. Desde sua concepção, os criadores do site assumiram a defesa intransigente da democracia política como pressuposto necessário à consecução dos anseios de liberdade e igualdade entre os humanos. Assim, o site acolheu escritos sob a égide de valores associados tanto à antiga Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão quanto à contemporânea Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sua linha editorial incorporou, ainda, o entendimento de que a democracia é um regime em permanente construção e que novos avanços no sentido de ampliar a participação bem informada de cidadãos e cidadãs em processos decisórios deveriam ser acolhidos e estimulados. O DMT foi um parceiro sempre disponível a iniciativas da sociedade civil para o fortalecimento da democracia, não apenas devido ao valor atemporal dessas associações, mas também em face das crescentes ameaças dirigidas aos valores democráticos.

Na conjuntura de 2013, quando surgiu o DMT, as ameaças antidemocráticas não pareciam guardar viabilidade imediata no contexto brasileiro. No terreno da economia, o país havia superado com louvor os efeitos mais danosos da crise financeira global iniciada em 2008, embora continuasse a se ressentir da desaceleração observada na atividade econômica internacional.  No que tange especificamente ao mercado de trabalho, o desemprego se encontrava em níveis historicamente baixos, o que se explicava por uma sucessão de anos de crescimento no número de postos de trabalho combinado a leve melhora nos graus de formalização desse mercado. À época, nem o mais cético dos analistas foi capaz de predizer a completa reversão de condições ocorrida nos dez anos seguintes. A crise econômica de 2015-2016, ancorada na adoção de receituário intencionalmente recessivo, adquiriu tamanha gravidade a ponto de nivelar o terreno onde prosperou a crise política que levou ao infame impeachment da presidenta Dilma e à não menos infame prisão do presidente Lula, ambos em condições jurídicas de profunda anormalidade conforme fatos que se descortinam diariamente ao conhecimento dos cidadãos e cidadãs. A escolha de Bolsonaro para a presidência do país representou o ápice desse processo de enfraquecimento real das instituições da democracia, sendo definidora das condições políticas com que o governo federal lidou com a terrível pandemia da Covid-19. Neste decênio, consequentemente, o inventário de políticas públicas e de seu impacto no mundo do trabalho nada mais constitui do que o registro de inúmeros retrocessos: salto nos níveis de desocupação e subocupação; reforma trabalhista que enfraqueceu o polo do trabalho, notadamente os sindicatos de trabalhadores; reversão de políticas sociais e enfraquecimento do SUS; “negacionismo” etc.

Uma conjuntura de reveses aos trabalhadores reafirmou a importância dos propósitos do DMT. Em lugar de mero libelo acusatório, o site deu guarida a estudos acadêmicos e informação jornalística, bem como sua dedicada equipe produziu conhecimento voltado a identificar problemas, tecer soluções, materializar solidariedade. Em sua fase de testes, as primeiras notícias divulgadas davam conta de importantes tópicos de demografia no Brasil e na Espanha; iniciou-se a produção de análises da conjuntura do mercado de trabalho brasileiro com base em dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (DIEESE/Fundação SEADE), e houve a realização de sua primeira entrevista com lideranças sindicais. Desde então, multiplicaram-se as matérias especiais elaboradas pela equipe do DMT. Temáticas diversas originaram colunas de maior ou menor regularidade – “O trabalho na história”, “O trabalho no cinema”, “Mulher, trabalho e democracia” e “Conjuntura do mercado de trabalho”. Pesquisadores do mundo do trabalho e lideranças políticas e sindicais de trabalhadores marcaram presença em inúmeras entrevistas. Sem falar nas dicas de livros, nas milhares de notícias que reproduziu, nas teses e dissertações que divulgou, tudo abarcando um amplíssimo leque de tópicos sobre o mundo do trabalho, cujo inventário requereria bem mais do que este editorial comemorativo.

Em seus dez anos de existência, a trajetória de acessos atesta o crescente interesse pelo conteúdo do DMT. Em 2013, houve 37,7 mil visualizações de páginas e 8,4 mil novos usuários passaram a visitá-lo. Aumentos anuais nesses registros fizeram com que o site atingisse 300 mil visualizações em 2021 e 2022, com mais de 210 mil novos usuários em cada um desses anos. Nesse período, ampliou os meios de comunicação através de informes distribuídos por e-mail e outros canais, perfis em redes sociais etc.

Ao completar seu primeiro decênio, o DMT renova seu compromisso com os princípios originais de defesa dos trabalhadores e da democracia. Os desafios a esses princípios aumentaram em número e intensidade. No contexto brasileiro, há um clima de recuperação da esperança, mas esta precisará materializar-se em resultados como a redução do desemprego, a diminuição da pobreza, a melhoria salarial e a renovação da regulação protetiva do trabalho. Cada um desses temas – e outros tantos da agenda nacional – deverá ser tratado à luz dos enormes desafios postos à humanidade neste século, destacadamente os efeitos da mudança climática e de uma avassaladora revolução tecnológica sobre o mundo do trabalho e a vida societária. Tais desafios hão de formar a pauta específica que orientará o site DMT em seu segundo decênio, ajudando, quem sabe, a iluminar os debates baseados em informação e conhecimento e a formação de consensos em busca de soluções efetivas sob regime democrático. 

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