Aniversário da Justiça do Trabalhador, uma festa sem o aniversariante!

Álvaro Klein

Durante os dias 25 e 26 de Agosto, na Fundação Getulio Vargas (FGV), Rio de Janeiro, aconteceu o Seminário Comemorativo dos 75 Anos da Justiça do Trabalho, 70 Anos do TST e 125 Anos da Encíclica Rerum Novarum, mas essa última “comemoração” não constava nos convites para o evento, tampouco na sua programação Oficial. O evento comemorativo foi organizado, promovido e realizado pelo Tribunal Superior do Trabalho, o Conselho Superior de Justiça do Trabalho (CSJT) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho (Enamat). Teve como finalidade fazer a difusão de novos temas jurídicos e discutir políticas públicas, buscando fortalecer os canais de comunicação entre o Poder Judiciário e a sociedade brasileira,

O evento contou com a presença de membros do setor público, da academia, do meio jurídico, da sociedade civil e de segmentos empresariais para discutir temas relacionados ao mundo contemporâneo e empresarial. A programação foi dividida em dois blocos e em sete painéis. Foi encerrado por conferências proferidas por Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O primeiro bloco, que tratou da aplicabilidade dos métodos consensuais de composição de conflitos, trouxe painéis sobre mediação, conciliação e arbitragem de dissídios individuais e coletivos e comissões de conciliação prévia. O segundo bloco debateu os riscos e desafios ao Direito do Trabalho contemporâneo com painéis que trataram da indisponibilidade e a flexibilização de direitos trabalhistas e também dos limites da autonomia negocial coletiva segundo a jurisprudência. A dialética do evento comemorativo do aniversário da Justiça do Trabalho, filha da sempre moderna “Senhora CLT”, foi justamente uma ode ao desmonte do consolidado que não envelhece em sua forma e conteúdo de estabilização e equilíbrio social.

Ausentes na organização do evento, as entidades sindicais representativas dos trabalhadores foram muito referidas e desqualificadas na maioria das falas no Seminário. Algumas qualificadas vozes trouxeram à luz o sindicalismo combativo, que é a regra desde o menor dos sindicatos até a maior das centrais sindicais em nosso país. Mais uma vez o discurso discriminatório, pejorativo e desqualificador do movimento sindical de trabalhadores do Brasil foi o esteio para a demonstração da necessidade da reforma sindical e da flexibilização do Direito Trabalhista nacional. Para isso, os caminhos apontados foram o fortalecimento do “negociado sobre o legislado”, a criação de mecanismos pré-processuais de “solução alternativa de conflitos trabalhistas, individuais e coletivos”, a terceirização geral e irrestrita e a mitigação ou relativização da “indisponibilidade dos direitos trabalhistas”, tudo isso sob a bandeira da “modernização”.

Cem milhões de processos judiciais ativos no Brasil hoje: esse dado foi oferecido e dissecado no evento, fazendo o principal motivo ensejador da tal “reforma trabalhista flexibilizadora”, fossem ideias, programas, estudos, projetos, e tudo mais que possa corrigir a consequência, nunca a causa do problema. Ao fim, o coro foi quase uníssono para afirmar que a origem, causa e responsabilidade da judiciarização da relação trabalhista é a ganância e a irresponsabilidade do trabalhador brasileiro, que quer receber sem colaborar. Como forma de melhorar esse número e principalmente diminuir a quantidade de ações judiciais trabalhistas, houve também a sugestão do instituto da sucumbência recíproca no âmbito do processo laboral.

A distorção, ou interpretação avessa da doutrina de Boaventura de Souza Santos e de outros estudiosos das relações socioeconômicas, foram apresentadas como avalistas da necessária e urgente modernização da legislação trabalhista. O teletrabalho foi referido em algumas falas como sendo o balizador da “relação de emprego moderna” e também como demonstrativo do fim da hipossuficiência do trabalhador na relação laboral.

A essência protetiva do Direito do Trabalho, necessário instrumento de nivelamento de forças no âmbito do contrato de trabalho, seja ele individual ou coletivo, foi defendida em contraponto a ânsia modernizadora do capital por aqueles que qualificada e cientificamente dissonaram da ali evidente sintonia entre o órgão máximo da indústria nacional, os Tribunais Superiores e o Executivo “nacional interino” representados.

Essencial e necessariamente protetivo, o Direito do Trabalho é mesmo o Direito do Trabalhador, Um evento que se apresenta como comemorativo do aniversário da Justiça do Trabalho e nele não estão presentes os trabalhadores, seus sindicatos e tampouco seus advogados demonstra que o próprio aniversariante estava ausente!

Álvaro Klein é advogado, 2º Secretário da AGETRA e Integrante do Coletivo Jurídico da CUT – RS

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