Como evitar a morte dos sindicatos

Cultura do individualismo e precarização minaram ações coletivas. Sindicatos tardaram em dar respostas efetivas. Juventude aposta em luta mais fragmentada. No relato de dirigentes sindicais, chaves para repensar o futuro do sindicalismo.

José Álvaro de Lima Cardoso

Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 15/07/2021

Recentemente o Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina realizou uma pesquisa, muito simples, com o objetivo de obter insumos para um seminário sobre sindicalização que realizou em fevereiro/20. Indagados sobre “quais as principais dificuldades para desenvolver o trabalho de sindicalização”, os dirigentes e assessores sindicais deram as seguintes respostas:

1. Prevalece na sociedade a hegemonia de ideias como: valorização do individualismo, competição, culto à meritocracia, ambição sem limites;

2. Por outro lado, há uma desqualificação de ideias como: solidariedade, cooperação, união, luta coletiva e inclusão;

3. Há uma grande desqualificação dos sindicatos, construída sistematicamente pela mídia e pelos patrões;

4. Trabalhadores em geral têm dificuldades em enxergar a importância que tem o sindicato;

5. Trabalhadores em geral acham que resolvem seus problemas individualmente, sem a ajuda do sindicato ou outras formas de organização coletiva;

6. Há dificuldades (de várias ordens) dos dirigentes estarem na base e conversar com o trabalhador;

7. Textos e outros materiais divulgados pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores;

8. A elevadíssima rotatividade do trabalho no país atrapalha muito a sindicalização (filia hoje, e o trabalhador é demitido amanhã)

9. Trabalhador não quer nem parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto;

10. A vida duríssima do trabalhador, somado a baixos salários, dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital;

11. Trabalhador não pode conversar no horário de expediente (seja pelo ritmo de trabalho, seja porque é proibido);

12. Trabalhador quer vantagens de caráter assistencialista, as quais o sindicato não consegue oferecer, por limitações financeiras;

13. Há por parte de uma parcela de trabalhadores o entendimento de que sindicato é lugar de gente folgada que recebe para não fazer nada;

14. Há um elevado número de jovens na categoria, que desconhece a história das conquistas dos direitos. Ou seja, pensa que direitos “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta;

15. Há grandes dificuldades em explicar a importância do Sindicato e da Convenção Coletiva do Trabalho (CCT) para o trabalhador, em função de variada gama de dificuldades (trabalhador não tem paciência de ouvir, sindicalista tem limitações de convencimento, etc.);

16. Mobilização de baixa intensidade entre os trabalhadores dificulta trabalho de sindicalização;

17. Há por parte dos dirigentes, muitas vezes, um conhecimento superficial, ou insuficiente, da realidade dos trabalhadores de sua base;

18. Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização;

19. Há uma subutilização das ferramentas e canais institucionais de relação e de comunicação com os trabalhadores de uma forma geral (inclusive com os sócios do sindicato);

20. Baixa capacidade de gestão impede realizar campanha de sindicalização, que exige governança de qualidade;

21. Baixa capacidade de gestão, por sua vez, está relacionada a uma série de problemas (falta de pessoal, falta de preparação, falta de $$$, falta de priorização, etc.).

Apesar das colossais dificuldades, o fato incontestável é que no processo de reconstrução do Brasil, que precisará ser realizado nos próximos anos, as organizações sindicais (que sobreviverem) serão ainda mais fundamentais. Não conseguiremos enfrentar este turbilhão de desafios de forma isolada, pois desemprego, fome, falta de perspectivas, não podem ser vencidos de forma individual. Esses problemas só conseguirão ser combatidos de forma eficaz através da organização coletiva, principalmente a sindical, que atua na esfera econômica, que é a fundamental. O isolamento e a fragmentação da luta só interessam aos inimigos da classe trabalhadora (que, com o golpe, saíram do armário, mais autoconfiantes que nunca).

É verdade que raramente houve esforços sistemáticos, por parte da maioria das entidades sindicais, para mostrar que as conquistas obtidas pelos trabalhadores ao longo da história são fruto de sangue, suor e lágrimas. Se não se procura mostrar didaticamente aos beneficiários que as conquistas são fruto de processos políticos específicos, as pessoas não têm como saber e não valorizam os direitos conquistados. É como se estes estivessem escritos em pedra nas santas escrituras. Isso é muito grave, se considerarmos o fato de que a comunicação no Brasil é dominada por um sistema oligopolista de mídia, conservador, antissindical, e, inclusive, extremamente subserviente aos interesses externos. Não podemos depender da imprensa de quem nos explora e oprime.

Quem conhece minimamente a história, sabe que, sem organização dos trabalhadores através de sindicatos, não haveria regulamentação da jornada de trabalho, salário mínimo, seguro-desemprego, sistema público de saúde, previdência e demais conquistas sociais. Tudo isso foi obtido à duríssimas penas ao longo da história mundial do trabalho. Os que perpetraram o golpe entendem isso perfeitamente, razão pela qual estão bombardeando ações, desde 2016, que visam destruir as entidades sindicais. Podem analisar com o auxílio de uma lupa: 100% das centenas de medidas são em defesa do capital, eles não procuram nem disfarçar.

José Álvaro de Lima Cardoso é economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em Santa Catarina.

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