Supremo fecha maioria para reconhecer válido o fim da ultratividade

Fotografia: Gil Ferreira/Agência Brasil

Opção contraria tanto os maus efeitos gerados nas relações trabalhistas nacionais como a revisão espanhola de retomar a projeção das normas coletivas.

Rodrigo Trindade

Fonte: Revisão Trabalhista
Data original da publicação: 26/05/2022

O Supremo Tribunal Federal acaba de fechar maioria para proibir que acordos coletivos produzam efeitos após o vencimento. No julgamento da ADPF 323, o colegiado firmou entendimento de constitucionalidade do parágrafo 3º do art. 614 da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017.

A discussão deu-se a respeito da chamada ultratividade, entendimento formalmente ainda fixado na Súmula n. 277 do TST, no sentido de reconhecer que, ausente criação de nova norma coletiva, devem ser mantidos os benefícios do acordo ou convenção não renovado. Apenas com a negociação firmada para a criação de uma nova norma coletiva é que seria possível a revogação dos direitos então postos.

Para o relator, ministro Gilmar Mendes, a mudança na redação da Súmula 277 não é compatível com os princípios da legalidade, separação dos poderes e segurança jurídica. “Não cabe ao Tribunal Superior do Trabalho agir excepcionalmente para chegar a determinado objetivo e interpretar norma constitucional de forma arbitrária”, afirmou.

Nossa Revisão

Com a Reforma Trabalhista brasileira de 2017, definiu-se que as normas coletivas não se prorrogam após o decurso do prazo, de modo que se não viesse nova convenção, a categoria ficaria descoberta. Até então, conforme entendimento do TST, a prorrogação automática das condições da norma caducada permitia que direitos consolidados não ficassem anulados pela ação da parte que se negasse a negociar. E, assim, impunha-se que representantes de empresas e de empregados sentassem para discutir a nova norma coletiva.

Com a Reforma, passou a haver uma notável vantagem em não negociar. E é isso que foi chancelado no julgamento.

O problema é que, junto da Lei 13.467/2017, também veio a redução das atividades sindicais. Ocorreu tanto pelo esvaziamento das condições de financiamento das entidades, como no  intrínseco desestímulo provocado nas negociações coletivas, justamente em decorrência do fim da ultratividade.

Nos cinco anos de vida da Reforma, vai se moldando um significativo cenário de redução de rendas. O fim da ultratividade das normas coletivas têm barrado negociações entre empresas e sindicatos muito mais que estimulado, impedindo reajustes, aumentos reais e a simples reposição da inflação cada vez mais alta.  No primeiro semestre de 2018, a quantidade de convenções coletivas fechadas recuou 45,2%, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo levantamento feito pela Fipe.

No campo coletivo da Lei 13.467/2017, o rebaixamento salarial veio posto, principalmente, em duas novas conformações normativas. Primeiramente, na prevalência do acordo coletivo sobre convenções coletivas, alijando a aplicação da norma mais favorável e ampliando a deslealdade concorrencial, a partir da opção da precarização. Segundo, justamente com a vedação da ultratividade, permitindo que a negativa empresarial de negociação para a norma coletiva caducada fosse suficiente para reduções de remunerações mais benéficas.

Essas opções tiveram suas consequências. Nos anos seguintes à Reforma, o salário recebido vem seguidamente perdendo para a inflação. Com dados do INPC, apenas em 2021, 51% das negociações salariais fechadas até novembro ficaram aquém da inflação, 30% empataram e 19% superaram o custo de vida.

O equívoco de negar ultratividade foi percebido em outro país que experimentou profunda alteração de sua legislação trabalhista. A reforma espanhola de 2012 também reduziu direitos laborais, e teve como um de seus pontos mais próximos a eliminação da “ultratividade”: fez com que os acordos coletivos pudessem ser prorrogados somente até um ano, e não mais indefinidamente.

Dez anos depois, e agora com governo progressista, a Espanha voltou atrás. Em 30 de dezembro, novo real decreto-ley estabeleceu marco legislativo muito diferente do anterior, revogando a limitação de ultratividade. A vigência de acordos coletivos passou, agora, a ser projetada, até que novo acerto seja entabulado – exatamente a regra jurisprudencial do TST reprovada pelo STF.

A reforma espanhola pretendeu reequilibrar os parâmetros de negociação coletiva, a partir de constatação dos problemas gerados pela limitação de ultratividade. Na década de vigência da experiência restritiva, verificou-se que a medida dificultava as negociações entre empresas e sindicatos. Nada muito diferente do constatado no caso brasileiro.

As reformas espanhola de 2012 e a brasileira de 2017 são muito parecidas em conteúdo e promessas e, hoje, afastam-se nas leituras governamentais de resultados e encaminhamentos de consertos. A avaliação dos erros parece ainda apenas uma tecnologia restrita ao continente europeu e esperamos que consiga aportar nesse sul do mundo. 

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