Foram complexos e difíceis os últimos dez anos para a classe trabalhadora. O sindicalismo foi severamente atacado nas suas atribuições e capacidade de atuação. Por isso, é fundamental reposicioná-lo nesse novo contexto.
Clemente Ganz Lúcio
Foram complexos e difíceis os últimos dez anos para a classe trabalhadora e para o sindicalismo. Se estivesse escrevendo em 2013, provavelmente não indicaria os desafios que efetivamente se colocaram na nossa trajetória do país e da nação. E agora, o que dizer dos próximos dez anos? Imaginar o futuro é sempre muito difícil, porém é uma necessidade para planejar a ação, não pela capacidade de predição, mas para se manter atento ao que ocorre e com capacidade para atuar e intervir na dinâmica da realidade.
O movimento da realidade no presente indica para o futuro que os desafios sindicais da próxima década serão o de responder com maior velocidade, agilidade e eficácia às contínuas e profundas mudanças em todos os espaços do mundo do trabalho, das relações laborais e do sindicalismo. Os últimos dez anos foram marcados pela expansão, intensificação e aprofundamento dessas mudanças em todos os setores econômicos, em todas as atividades laborais e na legislação. Tecnologias, processos, estratégias de negócio, propriedade de empresas, sistema produtivo, lógica financeira, entre outros, transformarão continuadamente o mundo do trabalho. Situações inéditas e complexas exigirão respostas inovadoras.
A qualidade e o alcance da nossa resposta, inclusive sindical, dependem das transformações e inovações que seremos capazes de promover, aprimorando nossa capacidade de compreender as mudanças em curso e as que estão por vir; aperfeiçoando nossas habilidades para elaborar propostas e enfrentar novas situações e contextos; cooperando para desenvolver formas de organização e de mobilização capazes de posicionar de forma altiva e criativa os trabalhadores diante das mudanças; sonhar juntos para compartilhar utopias que nos unam e reúnam para lutar por elas; fortalecer e sustentar nossa democracia e suas instituições.
Ao relembrar os dez anos que passaram e que agora fazem parte da história, pode-se observar e testemunhar que a classe trabalhadora e o sindicalismo contaram com a contínua e qualificada contribuição do DMT em Debate, aportando reflexões, críticas e propostas sobre as mudanças que ocorreram, instigando a ação e as iniciativas, contribuindo como fonte fértil para quem quis inovar e avançar.
As manifestações de 2013, uma década depois, têm sido objeto de debate, recuperando como a luta pelos R$ 0,20 no preço da passagem de ônibus foi usada para abrir as portas do inferno, dar asas aos demônios e às suas artimanhas. As ruas “deveriam” dar a vitória nas urnas para a oposição em 2014. Não observado o resultado eleitoral, os golpistas trabalharam para deslegitimar a vitória de Dilma Rousseff. Crises políticas no governo, dificuldades econômicas e a Operação Lava Jato foram solo fértil para o golpismo realizar seu processo de ruptura em consonância com os interesses neoliberais internos e externos.
Começaram entregando o pré-sal e avançando nas privatizações. Depois, impondo uma absurda regra fiscal denominada de teto de gastos, que o governo seguinte descumpriu continuadamente, regra que propunha reduzir o tamanho do Estado à metade em uma década.
No campo trabalhista e sindical o estrago foi extenso. Começou em 2017 com a lei que “liberou geral” a terceirização no setor privado e público e, na sequência, em meados de 2017, o Congresso Nacional aprovou a mais ampla reforma trabalhista e sindical desde os anos de 1940. A Lei 13.467/2017, alterou profundamente muitas dimensões do sistema de relações de trabalho brasileiro, como as formas de contrato, jornada e condições de trabalho, permitindo alta flexibilidade, precarização legalizada e ajuste do custo salarial. A proteção coletiva promovida pelas entidades sindicais ficou fragilizada. O trabalhador ficou ainda mais exposto e submisso ao empregador. Os sindicatos foram atacados na representação, no poder de negociação e no financiamento. A Justiça do Trabalho teve a atuação limitada. As empresas ganharam regras que as protegem e evitam passivos trabalhistas.
Na sequência, a Lava Jato operou o golpe com a prisão do mais forte candidato às eleições em 2018 e, junto com o golpismo, viabilizou o ressurgimento do fascismo no Brasil. O então presidente eleito declarou: “sindicato é uma organização criminosa e sindicalista é tudo bandido”. Com essa diretriz, o governo praticou quatro anos de contínuos ataques aos direitos trabalhistas e sindicais, implementando as regras aprovadas em 2017 e tomando iniciativas para ampliá-las. A tragédia da pandemia limitou parte da capacidade de implementação dessa agenda regressiva, ao mesmo tempo que a crise sanitária teve impactos severos sobre a vida, o emprego e o mundo do trabalho.
Lutamos, enfrentamos, resistimos e vencemos o fascismo nas eleições de 2022. A luta contínua para derrotar, dia após dia, o golpismo e colocar atrás das grades os fascistas. Será uma luta para a próxima década, porque nela está contida a defesa do estado democrático de direito e as suas instituições. Mas o mandato da chapa Lula/Alckmin precisa ser encarado como um período restaurador e inovador.
O salto tecnológico com robôs, inteligência artificial, redes sociais, plataformas, aplicativos, digitalização, novos produtos e matérias é disruptivo. Parece que tudo foi acelerado com a pandemia. Teletrabalho e home office, celular e aplicativos, comunicação em tempo real sem cabeamento físico, ocupam o mundo do trabalho com mudanças que avançam sem parar, sempre mais aceleradas. O desafio é disputar a regulação das mudanças no mundo do trabalho em tempo real, aqui e agora. A mudança tecnológica deve ser objeto prioritário da ação sindical, protegendo os empregos e as condições de trabalho.
Mas o sindicalismo foi severamente atacado nas suas atribuições e capacidade de atuação. Por isso, é fundamental reposicioná-lo nesse novo contexto.
O eixo deve ser a valorização da negociação coletiva para que seja capaz de regular as relações de trabalho em contexto disruptivo no mundo do trabalho. Convenções e acordos coletivos, frutos de processos negociais bem estruturados e conduzidos por entidades sindicais de ampla base de representação e alta representatividade, devem formar a base do sistema de relações de trabalho futuro.
Há mais de 110 milhões de trabalhadoras e trabalhadores que precisam de um sindicato forte para representá-los e os proteger. Sindicato capaz de mostrar sua cara, tendo a assembleia como base do sistema de deliberação sindical, gerando proteção para todos, sócios e não sócios, por meio de acordos e convenções coletivas, organizando e mobilizando a capacidade de expressar a voz dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Construir um sistema autônomo de regulação do sistema sindical e das negociações coletivas para resolver diretamente os conflitos e tratar dos problemas será uma resposta inovadora.
Precisamos de um sindicalismo forte para enfrentar a informalidade, a rotatividade, a terceirização, a precarização, a insegurança, o desemprego, os baixos salários, a redução da jornada de trabalho, tudo ampliado e complexificado pela expansão das novas tecnologias, pelo individualismo exacerbado, pela criminalização da política e da atividade sindical.
Não nos faltam desafios a serem superados e problemas a serem resolvidos. Estamos novamente no jogo. Devemos jogar com inteligência, sabendo que uma construção histórica se faz com muita organização, forte mobilização e com a luta contínua. Para isso, poder contar com o DMT em Debate é e será, mais uma vez, um privilégio para o nosso sindicalismo.
Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, Coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, consultor sindical, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável – CDESS e do CD da Oxfam Brasil