Avançar em direitos: o programa reformista espanhol da fase pós-Covid

Fotografia: Joaquin Corbalan/Freepik

O êxito de uma abordagem trabalhista e emancipatória que coloque o trabalho como o centro da atividade política exige o desenvolvimento de forte componente reformista.

Antonio Baylos

Tradução: Éder da Silveira

É um lugar comum afirmar que a Covid 19 gerou, ao nível global, uma forma diferente de governar a crise mais profunda e duradoura das últimas que sofremos. Essa mudança se deve em boa medida às mobilizações sociais que vinham construindo uma extensa oposição às respostas acordadas à crise financeira imediatamente precedente, que começou com o crack do ano de 2008, porém, também porque importantes certezas do modelo neoliberal dominante estavam sendo derrubadas. Um processo que se desenhava com enorme clareza diz respeito aos debates e experiências em torno da regulação das relações de trabalho. O esgotamento do modelo que, se misturando com a sua progressiva desvinculação dos mecanismos de legitimação social, cada vez mais subsumido a formas de cesarismo político ao mesmo tempo em que se ampliava o espaço de audiência eleitoral que impulsionava medidas de degradação da democracia e de negação da participação coletiva dos representantes dos trabalhadores no conjunto do sistema, esvaziando de conteúdo as declarações de reconhecimento de direitos sociais estabelecidas nas constituições nacionais.

Na União Europeia, logo antes da irrupção da pandemia, desenhava-se a possibilidade de uma correção do modelo que, mantendo um férreo controle das coordenadas macro-econômicas dos países membros através da instituição do chamado semestre europeu, criado como forma de dirigir as economias financeirizadas sob regras de contenção do déficit e da dívida desde a crise do Euro de 2010, desenvolveu também uma vertente de direitos sociais em torno de um instrumento vertebrador, o Pilar Europeu de Direitos Sociais, aprovado em 2017 e que, em seus primeiros momentos, havia produzido resultados muito modestos. Esse mesmo quadro era o seguido em um país como a Espanha, onde a anunciada recuperação econômica não se havia conseguido alcançar desde o ciclo crítico de 2010-2012 e onde o marco de direitos sociais e de seguridade social havia sido reduzido tanto quantitativa quando qualitativamente de maneira muito ampla, no contexto de uma forte crise de representação política e de emergência de novos atores políticos que colocavam em questão a manutenção do bipartidarismo imperfeito como fórmula de governo dominante desde a instauração do sistema democrático, em 1978.

A pandemia mudou radicalmente essa situação ao suspender o ciclo da austeridade como regra da governance europeia. Em grande medida por não haver alternativas a partir do modelo neoliberal para uma crise de tal gravidade e extensão, mas também porque as suas consequências exigiam uma resposta fundamentalmente focada no fortalecimento dos serviços públicos fundamentais do Estado social e a recuperação da seguridade no emprego, precisamente os elementos que uma política de austeridade, baseada nos cortes sociais e na degradação das garantias de emprego, havia privilegiado como solução às sucessivas crises financeira e da dívida nacional no ciclo 2010-2012. As regras fiscais que caracterizavam a governança econômica foram suspensas e procedeu-se à compra massiva de dívida pública para gerar um plano de auxílio extraordinário, estruturado em torno de um duplo objetivo: por um lado, arbitrar fundos especificamente destinados a remediar a incidência da crise no emprego e em outros aspectos, e, por outro lado, dotar transferências econômicas aos estados-membros para promover uma série de reformas futuras com base nas transições digital e ecológica que convergissem para um desenvolvimento socialmente sustentável. O programa Next Generation, que resultou nos planos de recuperação e resiliência dos países membros, atendeu a ambos os objetivos, e embora o montante total adotado fosse impressionante, na realidade não correspondia às necessidades reais que deveriam ter sido satisfeitas. Entretanto, a própria intervenção, claramente oposta àquela dominante na gestão da crise, foi muito bem recebida pelas posições sindicais e pelos grupos políticos socialistas, verdes e de esquerda.

A mudança europeia, embora fundamental, dependia de como se colocariam em marcha estas reformas em cada estado-membro. Sob a vigilância  e o controle da Comissão Europeia, que deveria autorizar os Planos Nacionais de Recuperação e Resiliência (PNRR) como condição para a entrega de fundos, os PNRR mostravam uma forma diversa de abordar as reformas em cada país, sendo a orientação política de seus respectivos governos decisiva. A dilatação da entrega ao longo de várias etapas e fases – que coincidiu, em alguns países, com mudanças determinantes na composição política de seus governos, como no caso italiano – destaca ainda mais essa evidência, apontando o conflito muito presente entre concepções econômicas e sociais em contraste, do qual a experiência espanhola pode servir de exemplo.

O primeiro governo da coalizão PSOE e Podemos, que começa a atuar em janeiro de 2020, encontra-se com a terrível crise global do Covid 19 dois meses depois, na metade de março de 2020, e a situação de exceção advinda da pandemia se prolongará propriamente até o começo de 2022, durando praticamente dois anos. O programa de reformas, que havia se convertido em programa de governo, tem que ser substituído prematuramente e, de certo modo, a irrupção do Covid põe à prova elementos centrais em matéria de direitos sociais e laborais que a coalizão progressista desejava levar a cabo. Frente ao colapso súbito e total do emprego, a resposta que se planeja é a de não permitir retrocessos nos direitos trabalhistas e garantir o emprego a todo custo. Para tanto, o recurso ao diálogo social entre empresários e sindicatos se mostrava decisivo como forma de legitimação – também política – destas ações e a criação dos instrumentos de ajuste temporal de emprego como resposta à crise, com a coerente proibição das demissões por essas causas, consideradas ilegais, que implicava a preservação dos postos de trabalho através da suspensão dos contratos e das contribuições empresariais, assim como a percepção de benefícios pelos desempregados durante essa situação, até que, com a recuperação da atividade, fossem reintegrados à empresa. Seis acordos trilaterais sobre os Expedientes de Regulação Temporária de Emprego (ERTEs) foram assinados pelos sindicatos e pelas associações empresariais mais representativas com o governo, com a ideia de garantir a manutenção do emprego nessa situação excepcional. Ao mesmo tempo, foram implementados outros instrumentos de proteção para aqueles que a crise e a inatividade levavam à privação de renda. Foi criada uma nova prestação social, o Ingresso Mínimo Vital (IMV), como forma de atender às situações de pobreza ou falta de renda, e ampliou-se o grupo de pessoas que poderiam acessar benefícios assistenciais por desemprego. No âmbito da Seguridade Social, as aposentadorias foram revalorizadas, revogando a regra que praticamente as congelava – receberam aumento de 0,25% ao ano – e a introdução de um “fator de sustentabilidade” que permitiria a revisão para baixo das aposentadorias com base na esperança de vida global da população aposentada, regras que derivavam das políticas de cortes sociais da época da austeridade (a reforma legal de 2013)

Este “escudo social” não era a única vertente ativa do programa de reformas, a pesar de se mostrar aquele com maior incidência na opinião pública no momento e se reafirma com a eclosão de sucessivas crises que sacudiram o país, como a erupção do vulcão Cumbre Vieja, na Ilha de Palma como, de modo muito significativo, com a crise de abastecimento e alimentação produzida pela invasão da Ucrânia pelos russos, que prolongará seus efeitos até o final de 2022. Durante os dois anos da situação de exceção causada pelo Covid, também teve lugar a uma implementação de uma série de iniciativas que promoviam diretamente a modificação do quadro normativo laboral no sentido da ampliação de direitos através de uma ampla convergência de propostas. A primeira, o recurso ao direito internacional como forma de incrementar direitos trabalhistas e procedimentos de garantia e tutela coletiva. Desta maneira, procedeu-se a ratificação de importantes convênios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – sobre violência no trabalho, trabalho digno para as trabalhadoras domésticas, trabalho domiciliar e da pesca e trabalho no mar – bem como do instrumento básico de reconhecimento dos direitos sociais no Conselho Europeu, a Carta Social Europeia revisada e o importante procedimento de reclamações coletivas que permite aos sindicatos representativos submeter à avaliação do Comitê Europeu de Direitos sociais os descumprimentos dos preceitos da Carta que tenha sido firmada pelo Estado em questão. A segunda, o reconhecimento e desenvolvimento de direitos a novos coletivos que deles careciam, como ocorria particularmente com as trabalhadoras domésticas, os artistas, ou, de maneira geral, mediante a incorporação de instrumentos de avaliação da desigualdade salarial e da desigualdade salarial de gênero através de auditorias salariais e mecanismos de transparência salarial, imersos nos planos de igualdade. A terceira que, por sua vez, teve uma grande repercussão internacional, a incorporação de novos direitos derivados da incidência da digitalização das relações laborais, que conduziu ao reconhecimento do vínculo de trabalho dos entregadores dependentes de plataformas digitais e à imposição do dever de informação aos representantes dos trabalhadores sobre os algoritmos que sustentam a gestão da organização do trabalho, bem como à regulamentação do trabalho remoto e do trabalho domiciliar com os direitos digitais desenvolvidos nessas formas de organização do trabalho.

Uma tarefa de reconfiguração do marco institucional das relações de trabalho preferencialmente conduzido através do diálogo social que culminou no resultado mais esperado e mais importante, a reforma trabalhista que, ratificada por um acordo tripartite entre empresários, sindicatos e governo, personificado pelo Ministerio do Trabalho e da Economia Social, foi promulgado pela RDL 32/2021 de 28 de dezembro. EsSa importante norma, que se inseria no PNRR e que se apresentava à Comissão Europeia como condição para o recebimento dos fundos Next Generation, implicava no controle da temporalidade, afirmando um duplo princípio de estabilidade e de emprego com a estrita causalidade na contratação por tempo determinado, que levou à supressão da figura do contrato por obra e serviço determinado, uma vez que incorporava a experiência dos ERTEs como ajuste temporal de emprego considerado prioritário antes de proceder à extinção por causas econômicas, técnicas, organizacionais ou de produção, além de recuperar elementos importantes da regulação na negociação coletiva que a reforma de 2012 havia anulado, como a ultratividade dos acordos, a proibição de que novos acordos coletivos de empresa revogassem os níveis salariais dos acordos setoriais e o estabelecimento de garantias de tratamento salarial adequado para os trabalhadores das empresas terceirizadas. A esta importante remodelação do quadro normativo geral, adicionou-se a revisão contínua do salário mínimo interprofissional – atualmente fixado em 1.080 € mensais, com um aumento de 47% nos últimos quatro anos – e a assinatura de um Acordo Interprofissional entre a patronal e os sindicatos CCOO e UGT para o ciclo 2023-2025, que estabelece aumentos salariais de 10%, divididos em 4% para 2023, 3% para 2024 e 3% para 2025, com uma cláusula de revisão por inflação que poderia resultar em um aumento adicional de 1% a cada ano.

Os resultados do emprego destas políticas de reformas tem sido espetacularmente bons, pese a situação de sucessivas crises que tem acompanhado a recuperação pós-Covid, especialmente devido à crise adicional produzida pela invasão da Ucrânia e da consequente inflação que degradou o poder aquisitivo dos salários. O panorama que oferecem o ano de 2022 e os primeiros trimestres de 2023 nesta matéria é excepcional, tanto no incremento total do emprego e da adesão ao sistema de Seguridade Social quanto na mudança da composição do emprego, com uma redução espetacular do emprego temporário no setor privado, apesar de permanecer em boa medida no setor público, ainda em função do complicado processo de estabilização. Além disso, sempre no plano normativo, ao longo de 2023 foi promulgada uma nova Lei do Emprego que visa reformar o sistema público de emprego e melhorar substancialmente os programas e políticas ativas de emprego.

Em maio de 2023, ocorreram eleições regionais e locais na Espanha que resultaram em uma derrota generalizada das candidaturas socialistas e da esquerda organizada, incluindo o partido Podemos e outros grupos desse setor. Esse processo ocorreu em meio a uma tentativa de unificação das diferentes formações políticas desse campo, até então hegemonizado pelo Podemos como partido político, com o objetivo de formar uma coalizão chamada “Sumar”, sob a liderança da Ministra do Trabalho e Vice-Presidente do Governo, Yolanda Diaz. O fracasso eleitoral em maio levou o presidente do governo a convocar antecipadamente eleições gerais para julho, apesar do consenso generalizado nas pesquisas sobre a vitória da coalizão de direita e extrema-direita – Partido Popular e Vox – que já haviam formado governo em regiões e municípios onde venceram em maio, antecipando o resultado de julho. A coalizão “Sumar” participou dessas eleições, unindo 16 grupos da esquerda do PSOE em um esforço de unificação no qual também foi integrado o Podemos, embora em condições pouco satisfatórias devido à perda de sua anterior hegemonia nesse espaço. O resultado é conhecido, pois, contrariando as previsões da mídia e das empresas de pesquisa eleitoral, o conglomerado de direitas não obteve a maioria suficiente para formar governo, enquanto o PSOE conseguiu com o apoio de 179 deputados, incluindo grupos nacionalistas e independentistas, com o compromisso de promulgar uma lei de anistia em relação aos eventos ocorridos na Catalunha em outubro de 2017, relacionados à organização de um referendo para a declaração unilateral de independência da região. A formação do novo governo reafirma o caráter de coalizão com o espaço à esquerda do PSOE, desta vez com a coalizão “Sumar”, que conquista uma Vice-Presidência e cinco ministérios, incluindo o importante Ministério do Trabalho e Economia Social, além dos ministérios de Direitos Sociais, Consumo e Agenda 2030, todos com competências na área social.

O dilema que então estava posto nesta nova situação era optar entre uma posição de conservar o que existia, com alguns retoques que reforcem a arquitetura do sistema de direitos implantado vertiginosamente nestes últimos 3 anos, e que faça frente tanto as intenções de reabsorção do alcance dos mesmos por parte da jurisprudência dos  tribunais quanto as decisões que substanciam as contínuas impugnações de inconstitucionalidade que estas normas trabalhistas têm recebido por parte das direitas políticas, apesar do acordo social que respaldava essas ações, ou mesmo sem prejuízo de realizar esse trabalho de conservação do existente, continua-se promovendo um horizonte de mudanças normativas na direção de estabelecer novos direitos trabalhistas e ampliar o escopo da proteção social, visando aprimorar sua qualidade. 

Esse último tem sido o sentido da opção pelo programa reformista na Espanha da segunda fase do Pós-Covid. uma aposta decidida pelo avanço nos direitos que se descola de um muito ambicioso programa de governo PSOE / SUMAR[1] que engloba uma série de compromissos de grande alcance. Um deles se refere à reordenação, em caráter geral, do marco institucional em matéria de relações de trabalho. É um compromisso que se arrasta desde o ano de 2019, que não se pode levar à cabo antes as situações de urgência e de excepcionalidade que impuseram a pandemia e as sucessivas crises econômicas que se seguiram, e que atualmente se resume na conclusão de um “Estatuto do Trabalho do século XXI”. O segundo elemento de mudança explícita é relacionado à regulamentação da demissão. O programa menciona o debate que está pendente no Comitê Europeu de Direitos Sociais em função das reclamações coletivas de UGT e CCOO sobre o caráter estipulado para a indenização por demissão como contrário ao art. 24 da Carta Social Europeia por esta não garantir suficientemente a vertente dissuasória do ato ilícito da demissão, mas também se refere ao “reforço da causalidade da demissão”, o que certamente inclui uma nova resposta para demissões sem justa causa. O terceiro tema tem relação com a ampliação dos direitos de informação dos sindicatos sobre aquilo que se refere à produtividade e benefícios empresariais que trata o Observatório das Margens de Benefícios das Empresas, um projeto conjunto impulsionado pelo Ministério de Assuntos Econômicos e Transformação Digital, o Banco da Espanha e a Agência Estatal de Administração Tributária, cuja utilização debe ser muito relevante em futuros processos de negociação coletiva. 

Provavelmente, a redução da jornada máxima  de trabalho sem a correspondente redução salarial é o principal tema que tem sido destacado como a marca registrada desse programa de avanço nos direitos trabalhistas. Este programa estabelece de forma taxativa o compromisso de reduzir a jornada máxima legal sem redução salarial para 38,5 horas semanais em 2024, chegando a 37,5 horas em 2025. A partir desse ponto, será necessário continuar o processo de diálogo entre os atores sociais, no qual a redução do tempo de trabalho ordinário será o objeto de troca de propostas por setores. A alteração legal do atual artigo 34.1 do Estatuto dos Trabalhadores exigirá sem dúvida um desenvolvimento completo da organização do tempo de trabalho, a forma como a disposição desse tempo se dá no âmbito da empresa e dos setores de atividade, a relação entre o tempo de trabalho e o contrato, e a especificação da flexibilidade contratada de suas modificações. No entanto, é evidentemente um passo importante que coloca o tema da redução do tempo de trabalho no centro do debate sobre os direitos das pessoas que trabalham. Nessa linha, também está o compromisso de realizar uma lei “sobre o uso do tempo”, embora neste caso pareça que o mais relevante não seria a referência ao trabalho, mas sim à capacidade da pessoa de dispor de seu tempo de vida, principalmente em relação aos direitos de corresponsabilidade familiar. O tema do tempo se estende a outros compromissos, como a flexibilidade de horários e o “impulso” para jornadas híbridas, onde o trabalho remoto é complementado pelo trabalho presencial, e o reforço do controle do tempo efetivo de trabalho por meio de “instrumentos de registro de horário”, nos quais a introdução da digitalização pode ser funcional para garantir sua eficácia

Baseado no poder de dirigir um instrumento legal novo e eficiente, como é a Lei 3/2023 do emprego, o programa se concentra na necessidade de aprofundar as políticas ativas de emprego juvenil, assim como para as pessoas desempregadas há muito tempo, em um horizonte integrado de emprego, empreendimento ou formação. Uma reforma dos serviços assistenciais para desempregados que inclua novos sujeitos e que melhore substancialmente a proteção, afastando-se da concepção classicamente liberal segundo a qual fortalecer este nível assistencial supõe “subvencionar o desemprego” e favorecer que esse coletivo se “instale” nesta situação sem estímulos pata abandoná-la. 

E também, como outro elemento muito relevante, no programa está incluído o desenvolvimento mediante uma lei na qual se garante o direito dos representantes dos trabalhadores a uma participação nas empresas, reconhecida pelo art. 129.2 de la Constituição, inativo até o momento, assim como uma lei de participação institucional dos sindicatos e associações empresariais nas Administrações Públicas, de alguma maneira uma concretização da noção legal e constitucional do conteúdo da maior representatividade sindical. Além disso, sempre nesta arquitetura normativa, se estabelece o compromisso de aprovar uma Lei de estímulo à economia social, onde seguramente se havia realizado avanços importantes desde o Ministério do Trabalho e Economia Social na legislatura anterior.

As propostas de mudança mostram um claro engajamento em favor desta linha de avanços nos direitos sociais. Na perspectiva europeia, é interpretado como um apoio direto ao desenvolvimento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com projetos de diretrizes que regulam as relações de trabalho em plataformas digitais, diligência devida com relação aos direitos humanos em empresas sustentáveis, condições de trabalho na digitalização e no trabalho remoto, entre outras questões importantes. Ademais, defende a reforma das regras de governança econômica que não envolvam um retorno generalizado a abordagens restritivas dos investimentos em setores centrais do estado social e gastos sociais, excluindo este conceito das regras sobre o limite do déficit. Internamente, exigirá um esforço significativo para a sua a implementação frente um parlamento com posições diferentes e, em algumas ocasiões, opostas aos diversos partidos que deram seu apoio ao governo, o que sugere uma negociação política bastante complicada no âmbito parlamentar, com um senado dominado pela coalizão de direita, o que pode atrasar a aprovação das leis. Nesse contexto, o diálogo social ganhará maior importância como forma de legitimar, no âmbito dos atores econômicos, essas propostas, alcançando assim um consenso sobre o acordado como forma de regulação social aceita e, consequentemente, passível de acordo no âmbito político-parlamentar. Isso, por sua vez, coloca o sindicalismo confederado em uma posição determinante para impulsionar suas reivindicações por meio do processo de concertação tripartite.

O que é certo é que o êxito de uma abordagem trabalhista e emancipatória que coloque o trabalho como o centro da atividade política exige o desenvolvimento deste forte componente reformista do avanço dos direitos como elemento característico desta fase pós-Covid como modelo que substitua o neoliberal em sua dupla versão: a clássica, ligada a desregulação global mais recente, que combina uma soberania de base fundamentalmente antidemocrática; e a desregulação no plano econômico e fiscal. E esta afirmação, muito ligada a experiência do processo reformista espanhol, pode ter seguramente uma aplicação em outros muitos casos, na Europa e fora dela. 

Notas

[1] Cujo texto foi publicado em “DMT em debate” no dia 29.11.2023, disponível neste link: https://www.dmtemdebate.com.br/el-programa-laboral-del-gobierno-de-coalicion-psoe-y-sumar/

Antonio Baylos é Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS)

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