O Brasil volta a ter uma política que garante reajustes reais ao piso mínimo nacional, o que confirma a importância dessa remuneração para a distribuição de renda, o combate à desigualdade e a melhora da qualidade de vida dos trabalhadores.
Fausto Augusto Júnior e Patrícia Lino Costa
Define-se o salário mínimo (SM) como o menor valor monetário que pode ser pago aos trabalhadores, em determinada região e período. Em alguns países, é instituído por legislação. Em outros, é determinado por diálogo tripartite (com negociação entre representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo) ou por contratação coletiva (com negociação entre representantes de trabalhadores e de empresas). A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o SM como salário que constitui o piso para a estrutura salarial, destinado a proteger os trabalhadores inseridos na base da distribuição salarial (ILO¹, 2008, p. 342 )².
A instituição do SM assegura padrão mínimo de renda em determinada sociedade, garantindo condição de vida minimamente digna aos trabalhadores e suas famílias, principalmente aos que têm inserção mais vulnerável no mercado de trabalho.
Portanto, o salário mínimo impede que o valor pago ao trabalhador, em uma situação de excesso de demanda de trabalho, caia abaixo do limite da subsistência. Essa remuneração carrega, na origem, uma dimensão ética ou moral na formação dos salários.
No Brasil, o salário mínimo é um direito garantido na Constituição Federal e prevê o bem-estar do trabalhador e da família dele, por meio do acesso a bens e serviços de qualidade. Segundo a Constituição de 1988:
““Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; […]” (BRASIL, 1988)³
O salário mínimo tem várias funções no Brasil, dentre as quais: proteger as categorias de trabalhadores mais vulneráveis no mercado de trabalho; estabelecer parâmetros mínimos para os beneficiários da Seguridade Social; garantir e manter a renda e as condições de vida dos trabalhadores mais vulneráveis e de suas famílias; contribuir com a equalização das condições de remuneração entre mulheres e homens, uma vez que as trabalhadoras se concentram relativamente mais em ocupações pouco valorizadas, como o trabalho doméstico; balizar o salário de ingresso no mercado de trabalho, pois é a remuneração mais comum entre os jovens. Além disso, o estabelecimento do SM tem o efeito “farol”, que consiste na associação de remunerações de trabalhadores com menor qualificação, inclusive os de fora do setor formal, à evolução do salário mínimo
Bandeira de luta histórica dos trabalhadores, o salário mínimo tem sido tema de diversas campanhas, sempre com o objetivo de defendê-lo e valorizá-lo. Destaca-se a Campanha Nacional pela Valorização do Salário Mínimo, iniciada em 2004, movimento unitário das Centrais Sindicais brasileiras com vistas a estabelecer uma política permanente de recuperação do SM. Como resultado dessa luta, em dezembro de 2007, foi acordada com o governo federal uma política permanente de valorização do SM para o período entre 2008 a 2011, estendida posteriormente até 2015 e, mantida, por medida provisória, até 1º de janeiro de 2019.
A política de valorização acordada e implementada garantiu reajustes pela inflação e aumentos pela variação do PIB de dois anos anteriores. Além disso, o mês de reajuste do SM passou a ser antecipado anualmente, para ser fixado em janeiro de cada ano, a partir de 2010.
Os impactos positivos da recomposição do poder de compra do SM no período em que a política esteve em funcionamento foram inegáveis e incontestáveis:
- Com enorme alcance, a política favoreceu todos que recebem 1 SM: assalariados, servidores, beneficiários da Previdência e os que usufruem de outros benefícios sociais (abono, Benefício de Prestação Continuada – BPC).
- Ao elevar o piso nacional, a política contribuiu para reduzir as desigualdades salariais entre homens e mulheres, negros e não negros, entre regiões.
- Teve impacto positivo sobre os reajustes dos pisos salariais das diversas categorias de trabalhadores e trabalhadoras.
- Contribuiu com a melhora da renda dos trabalhadores e trabalhadoras sem carteira assinada, pois o salário mínimo é referência para os proventos também desse grupo.
- O salário mínimo está em patamar acima do que estava nos anos 1990, 2000, 2010 e em período anterior à atual Constituição de 1988. Ou seja, a política de valorização surtiu efeito.
- O SM tem relação direta com a despesa pública, por causa do piso dos benefícios previdenciários e sociais, e com os vencimentos de servidores públicos. No entanto, parte do aumento dessa remuneração retorna via arrecadação tributária.
- O peso das despesas obrigatórias e com juros da dívida reduz a margem para investimentos necessários para estimular a economia e a geração de empregos.
- A política constitui um dos fatores mais importantes para o aumento da renda da população mais pobre e marca o sucesso de uma luta que promoveu um grande acordo salarial na história do país.
- A política estabeleceu uma regra permanente e previsível, ao mesmo tempo que promoveu a recuperação gradativa e diferida no tempo do SM, com referência para os aumentos reais e estímulo ao crescimento da economia.
- A valorização do SM induz à ampliação do mercado consumidor interno e, em consequência, fortalece a economia brasileira.
Devido à mudança da orientação do governo, com o golpe que tirou Dilma Rousseff da presidência da República e, posteriormente, com o governo Bolsonaro, o salário mínimo foi deixado de lado e perdeu poder de compra, por causa da alta da inflação, puxada pelos preços dos alimentos e combustíveis, o que penalizou a população de baixa renda.
Com o retorno da política de valorização do salário mínimo acordado entre o novo governo do presidente Lula e as Centrais Sindicais em maio de 2023, os reajustes anuais do salário mínimo voltam a levar em conta a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC-IBGE) dos 12 meses anteriores, mais a taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo ano anterior ao ano vigente.
Isso significa dizer que o Brasil volta a ter uma política que garante reajustes reais ao piso mínimo nacional, o que confirma a importância dessa remuneração para a distribuição de renda, o combate à desigualdade e a melhora da qualidade de vida dos trabalhadores.
Dessa forma, o salário mínimo ganha novamente protagonismo nas políticas que visam melhorar as condições de vida das famílias de baixa renda, passando a recompor os rendimentos dos trabalhadores da base da pirâmide, principalmente dos informais; alavancando o consumo e também o investimento, permitindo o crescimento do país por meio do fortalecimento do mercado interno e, ao mesmo tempo, reduzindo desigualdades. Na prática, é dividir o bolo ao mesmo tempo em que ele cresce.
Notas
¹ ILO é a sigla em inglês para OIT. Refere-se a International Labour Organization.
² ILO. Global Wage Report 2008/2009.
³ BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Fausto Augusto Júnior é diretor técnico do DIEESE.
Patrícia Lino Costa é economista e técnica do DIEESE