As maiores movimentações trabalhistas no ano de 2021 ocorreram através de julgamentos do STF e de normas expedidas pelo governo federal.
Rafael de Filippis e Natália Gaggini
Fonte: Conjur
Data original da publicação: 21/12/2021
O ano de 2021 iniciou com a tão esperada vacina contra a Covid-19 no Brasil e a esperança de deixar o coronavírus em 2020. A vacinação em massa da população levantou o debate sobre a retomada ao trabalho de forma presencial e, com ele, a possibilidade de exigência do comprovante de vacinação pelo empregador.
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal confirmou que a vacinação poderia ser obrigatória por meio de medidas indiretas. Essa posição foi chancelada pelo Ministério Público do Trabalho (MTP) e por parte da Justiça do Trabalho, que ratificaram a adoção de práticas restritivas pelos empregadores em casos de empregados sem vacinação, em prol da manutenção de um ambiente de trabalho livre de riscos. Já neste ano, a Justiça do Trabalho chegou a confirmar a possibilidade de demissão por justa causa de empregados que recusaram a vacinação sem justificativa.
Porém, em sentido contrário, no dia 1º de novembro o MTP editou a Portaria nº 620, que estabeleceu a exigência de cartão de vacinação como condição para contratação ou manutenção do emprego, assim como a dispensa por justa causa em razão da sua não apresentação seriam práticas discriminatórias.
No entanto, por meio de decisão na ADPF 898, o STF deferiu cautelar para suspender esses dispositivos da Portaria nº 620, sob o fundamento de que é dever do empregador garantir um meio ambiente de trabalho seguro, com base em medidas adequadas de saúde, higiene e segurança. Nessa decisão, o STF também afirmou que a portaria não considerou as condições econômicas da empresa, o número de empregados ou a estrutura da empresa para custear exames de testagem para Covid-19, bem como controle de prazos de validade e regularidade.
Ainda no cenário da pandemia global, houve novo aumento de casos de coronavírus na Europa. Isso levou à publicação da Portaria nº 661, em 9 de dezembro, que dispôs sobre novas restrições, medidas e requisitos excepcionais e temporários para entrada no Brasil.
Destaques do ano
Além das discussões relacionadas à pandemia, este ano teve outros temas relevantes sob a perspectiva trabalhista que também merecem destaque.
No início do ano, o STF, no julgamento do RE 1.101.937/SP, por maioria, entendeu pela inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública. O artigo estabelecia que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator”. Com a decisão, os efeitos de julgamentos em ação civil pública não deverão ter limites territoriais estabelecidos pela competência do órgão julgador, sob pena de violação ao princípio da igualdade e ao tratamento isonômico de todos perante o Judiciário.
Retomando o tema julgado em dezembro de 2020, referente à inconstitucionalidade da aplicação da taxa referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos trabalhistas e de depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho (ADCs 58 e 59 e ADIs 5867 e 6021), o STF sanou erro material através do julgamento de embargos de declaração. O tribunal esclareceu que a correção monetária dos débitos trabalhistas se daria por meio da aplicação do IPCA-E na fase pré-judicial e a partir do ajuizamento da ação a taxa Selic. Também foi afastada a incidência dos juros de mora de 1% ao mês, previstos no §1º, da Lei nº 8177/91, pois a Selic já engloba tanto correção monetária como juros.
Outro julgamento relevante do STF em 2021, sobre matéria trabalhista, ocorreu em setembro. O tribunal deu indicativos que poderá revisar um entendimento consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde 2003 com o cancelamento da Súmula 205. O TST vem admitindo a inclusão de empresas do mesmo grupo econômico da devedora principal no polo passivo da execução trabalhista, mesmo que essas empresas não tenham participado da fase de conhecimento dos processos. A decisão do Supremo determinou o retorno do processo ao tribunal para novo julgamento observando a Súmula Vinculante 10, que afirma a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário pelos tribunais que afastam a incidência de lei ou ato normativo do poder público, ainda que não haja declaração de inconstitucionalidade. Na decisão, o ministro Gilmar Mendes indicou que o entendimento do TST merece revisitação considerando o advento do novo Código de Processo Civil (CPC).
Também no segundo semestre, o STF, por maioria, decidiu na ADI 5766 pela inconstitucionalidade de dispositivos da CLT trazidos pela reforma trabalhista que fixavam o pagamento de honorários periciais e sucumbenciais ainda que a parte perdedora fosse beneficiária da Justiça gratuita, mesmo que obtenham créditos suficientes para pagamento das custas em outra demanda trabalhista.
Como se pode observar, o STF manteve um papel relevante também em 2021 nas discussões trabalhistas. Porém, as novidades que afetam trabalhadores e empregadores não ficaram restritas ao Judiciário.
Novas regras trabalhistas
Recentemente, o MTP publicou diversas regulamentações, que além de trazerem novas regras trabalhistas, revogaram centenas de portarias, decretos e instruções normativas. O intuito do governo foi consolidar, desburocratizar e simplificar as normas infralegais trabalhistas.
As novas regulamentações abordam diversos procedimentos atinentes às relações de trabalho, em especial:
— Saúde e segurança no ambiente de trabalho;
— Inspeção do trabalho;
— Registros de empregados;
— Contratos, em especial de estrangeiros, autônomos e trabalhadores intermitentes;
— Jornada de trabalho, inclusive aos domingos e feriados, e prorrogação em atividades insalubres;
— Registros profissionais, de empresas, entidades sindicais e das negociações coletivas;
— Medidas contra a discriminação no trabalho;
— Trabalho em condições análogas às de escravo, entre outros.
Normas infralegais
Alguns temas se destacaram nas normas infralegais. Um deles se refere à possibilidade de contratação de trabalhador por empresa estrangeira para trabalhar no exterior. O governo permitiu a dedução dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos valores eventualmente pagos na liquidação de direitos estabelecidos pela lei do local da prestação de serviços.
No que diz respeito à jornada de trabalho, não é mais possível a autorização transitória para trabalho em domingos e feriados por meio de negociação coletiva, sendo necessário pedido específico ao MTP. O prazo concedido será de até 60 dias, limitado às hipóteses de realização de serviços inadiáveis ou necessidade imperiosa de serviço e quando a inexecução das atividades puder acarretar prejuízo manifesto. A autorização permanente foi mantida de acordo com as atividades realizadas, tais como determinadas indústrias, comércio varejista e transportes.
Além disso, foi criada uma forma de registro de ponto eletrônico por programa (REP-P), permitindo o controle de jornada por meio de equipamento eletrônico, sem a necessidade de negociação coletiva, desde que preenchidos alguns requisitos específicos, como a certificação do equipamento no Inpi e utilização de certificados validados pela ICP-Brasil.
Com relação ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), há previsão de portabilidade do instrumento de pagamento para operadora de preferência do trabalhador e interoperabilidade entre as empresas emissoras dos instrumentos de pagamentos.
Outros temas de 2021
Outros temas que foram muito debatidos neste ano, mas que provavelmente só serão decididos pelo STF em 2022, são a correção monetária do saldo constante das contas do FGTS e a necessidade de negociação prévia entre empresas e entidades sindicais em caso de demissão em massa.
A ADI 5090, que chegou a ser pautada em 2021, mas foi retirada de pauta e deverá ser julgada no próximo ano, foi proposta pelo Partido Solidariedade, em 2014, e questiona a legislação que disciplina que o saldo das contas vinculadas do FGTS deve ser corrigido pela TR. O partido alega que a TR, historicamente, tem ficado abaixo da inflação, trazendo prejuízo de mais de 20 anos aos trabalhadores, que vêm perdendo poder de compra do dinheiro guardado pelo governo.
Com relação à discussão sobre a demissão coletiva travada no RE 999.435 relativa a demissões ocorridas em 2009, o placar atual do julgamento no STF é de 3 votos a 2 pelo provimento do recurso, que possui a seguinte tese proposta: “A dispensa em massa de trabalhadores prescinde de negociação coletiva”. O voto do relator, ministro Marco Aurélio, que recentemente se aposentou, ressalta que inexiste proibição ou condição para a dispensa coletiva, uma vez que o ato de demissão é unilateral do empregador e não exige concordância do trabalhador ou do sindicato. Importante lembrar que o caso analisado trata de circunstância ocorrida antes da reforma trabalhista, a qual dispensou a exigência de negociação prévia quando da dispensa coletiva.
Como se pode ver, as maiores movimentações trabalhistas no ano de 2021 ocorreram através de julgamentos do STF e de normas expedidas pelo governo federal. Para 2022, é esperado que o STF continue a ter protagonismo em assuntos trabalhistas, incluindo a revisão de parte das novas normas do governo que já começaram a ser questionadas.
Rafael de Filippis é sócio do escritório Mattos Filho.
Natália Gaggini é advogada do escritório Mattos Filho.