O Supremo Tribunal Federal (STF) vem julgando paulatinamente as ações que contestam trechos da reforma na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), realizada em 2017, por meio da Lei 13.467/2017 durante a gestão do presidente Michel Temer. Dos pontos da Reforma Trabalhista enfrentados pela Corte, alguns foram revertidos pelo Supremo, o que enviou um sinal de que poderia haver uma derrubada em dominó de outras mudanças legislativas, porém, isso não ocorreu.
Na análise de especialistas consultados pelo JOTA, o que se tem observado é que os temas mais relevantes e polêmicos da reforma foram mantidos ou ainda precisam ser enfrentados. Ainda há casos de julgamentos não iniciados e outros paralisados por pedidos de vista ou de destaque.
Assuntos relevantes ainda não foram julgados, mesmo após quatro anos de vigência das alterações, como é o caso da permissão para o contrato de trabalho intermitente. Sem essa definição, o modelo ainda é uma incógnita no país. A Corte terá também de julgar o teto indenizatório por danos morais; se as cláusulas de acordos coletivos podem integrar os contratos individuais de trabalho; a possibilidade de jornada de trabalho 12 por 36 horas; e a prevalência dos acordos entre empregados e empregadores em detrimento do previsto na legislação.
Segundo fontes consultadas pelo JOTA, havia uma aposta entre as entidades defensoras dos trabalhadores de que o Supremo não era o melhor lugar para contestar a reforma trabalhista. Tanto que Ministério Público do Trabalho e entidades ligadas à instituição, assim como as associações de juízes trabalhistas, preferiram não acionar o STF.
Para quem contestava a reforma, a melhor estratégia seria deixar que a nova legislação fosse digerida e desbastada nas instâncias inferiores do que cortar caminho e ver o Supremo confirmando os pontos mais estruturais da Reforma Trabalhista.
Na semana passada, os ministros julgaram, na ADI 5766, inconstitucionais os artigos da reforma que determinavam que beneficiários da Justiça gratuita pagassem pela perícia e os honorários advocatícios sucumbenciais, caso seja a parte vencida. O STF manteve apenas a cobrança do pagamento das custas processuais em caso de arquivamento injustificado por ausência em audiência.
O julgamento dividiu opiniões. Entidades como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) viram no julgamento um equilíbrio nas relações entre o capital e o trabalho. “Ainda vemos que o Supremo está analisando caso a caso, mas eu friso que o julgamento da ADI 5766 foi emblemático e que pode vir a ser um divisor de águas na forma como o Supremo vai apreciar as questões trabalhistas”, defende Luiz Antonio Colussi, presidente da Anamatra.
“O Supremo está decidindo caso a caso. No julgamento da tarifação do dano moral temos bons prognósticos, por causa de julgamento anterior, sobre a tarifação do dano na Lei de Imprensa”, acredita Luciana Conforti, vice-presidente da Anamatra.
Segundo o advogado trabalhista Gustavo Ramos, até o momento, o STF derrubou poucos itens da reforma trabalhista, em que destaca a permissão da gestante e da lactante de trabalharem em local insalubre e as alterações na Justiça gratuita. Para ele, a Corte vem mantendo itens prejudiciais aos trabalhadores, como a terceirização e o fim da contribuição sindical.
Na análise de Ramos, os reais objetivos da reforma trabalhista foram proteger o empregador inadimplente, enfraquecer as entidades sindicais profissionais e baratear o custo da mão de obra, seja pela via da terceirização, seja pela via da ampliação da jornada, seja ao permitir negociações de direitos por entidade sindicais enfraquecidas.
“A visão de mundo trazida pela reforma trabalhista prevalece entre uma expressiva parte dos ministros do STF, por não conhecerem verdadeiramente a história de formação da organização coletiva dos trabalhadores, dos direitos sociais trabalhistas e por muitas vezes não enxergarem a importância da centralidade do trabalho, proclamada no texto constitucional, para a afirmação da dignidade da pessoa humana, da democracia e para a redução da abissal desigualdade social brasileira”, afirma o advogado.
Diferentes interpretações dos temas
A sensação de revisão da reforma trabalhista não é a mesma sentida por entidades ligadas ao setor produtivo. Na visão de Cassio Borges, diretor-adjunto Jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a tendência do Supremo será a de validar as normas mais estruturantes da reforma, ou seja, as que promoveram o ajustamento da relação laboral a uma nova realidade de mercado de trabalho, a exemplo da prevalência das negociações coletivas.
“O STF deve dar ênfase a esse aspecto, que foi a tônica da reforma trabalhista, ainda mais agora nesse momento desafiador de retomada do crescimento econômico”, afirma Borges.
“Não acredito que a decisão que declarou inconstitucional a obrigação de pagamento de honorários advocatícios e periciais por beneficiário da justiça gratuita seja um indicativo de tendência. Aqui, a reforma tinha um aspecto mais processual, apesar da sua inquestionável importância para a redução da litigiosidade e das aventuras judiciais”, complementa.
Na análise de Rudy Maia, assessor jurídico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), ainda não é possível assentar uma linha no Supremo em relação à reforma. “Mas, tendo em vista o histórico de julgamentos sobre o tema, o lapso temporal do normativo e a consolidação da reforma trabalhista no judiciário, podemos entender que há uma tendência de deferência das ministras e dos ministros do STF à discricionariedade epistêmica e hermenêutica do Legislativo”, opina.
Enquanto o Supremo não decide tópicos importantes da reforma, advogados trabalhistas convivem com diferentes interpretações na norma pelo país. O advogado Paulo Chubba, da área trabalhista do KLA Advogados, explica que, no caso dos honorários sucumbenciais na Justiça gratuita, por exemplo, os tribunais tinham visões diferentes.
“A maioria das turmas de São Paulo, por exemplo, aplicava a lei [reforma trabalhista]. Lá no TRT-8, na região do Pará e Amapá, os juízes já tinham a tese prevalecente entendendo que os honorários não caberiam quando há Justiça gratuita – como o Supremo entendeu agora. A lei dizia para descontar no crédito do trabalhador e, lá, eles entendiam que não iam descontar”, exemplifica.
A advogada Bruna Cesare, também do KLA Advogados, entende que a situação traz insegurança para quem atua na área. “A gente trabalha além do contencioso, com a parte consultiva. Fica difícil falar para o cliente o que ele deve e o que ele não deve fazer, como ele deve prosseguir porque não temos certeza de como a lei será aplicada no futuro, o que traz insegurança, por mais que a análise pelo Supremo seja o exercício da legalidade”, explica.
O JOTA preparou uma lista das principais ações que ainda serão discutidas no STF:
Teto indenizatório em ações trabalhistas
Status: Julgamento em andamento
Relator: Gilmar Mendes
Os ministros do STF começaram a votar na quinta-feira (21/10) a constitucionalidade do teto indenizatório de até 50 vezes o último salário contratual do empregado por danos morais em ações trabalhistas. Até o momento, já se posicionaram a Procuradoria-Geral da República (PGR), contrária à limitação de valores de indenização, e a Advocacia-Geral da União (AGU), a favor da constitucionalidade dos dispositivos. O julgamento foi interrompido após a votação unânime dos ministros pela legitimidade das partes e a perda de objeto na ADI 5870, que tratava da Medida Provisória 808/2017 e perdeu a eficácia. A análise do caso continua nesta semana.
Nas ações, a Anamatra, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) questionam os artigos da reforma que utilizam como parâmetro para as indenizações por danos morais o último salário contratual do empregado.
Segundo as autoras, a reforma criou um teto que não existe na esfera cível. A discussão se dá em torno da constitucionalidade do parágrafo 1º, incisos I a IV, do artigo 223-G e o artigo 223-A.
Trabalho intermitente
Status: Previsto para ser votado no dia 17/11/2021
Relator: Edson Fachin
O julgamento iniciou em dezembro de 2020 e foi interrompido por um pedido de vista da ministra Rosa Weber. Já há três votos na ação. O ministro Edson Fachin, relator, votou pela inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. Já os ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes entenderam pela constitucionalidade do modelo.
O tema é julgado nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5826, 6154 e 5829, ajuizadas, respectivamente, pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis (Fenepospetro), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações Operadores de Mesas Telefônicas (Fenattel).
Fachin entendeu que esse tipo de contrato de trabalho de prestação de serviço não contínuo fere o princípio da dignidade da pessoa humana, por tornar imprevisível a quando ocorrerá a prestação de serviços e a consequente remuneração do trabalhador, o que ocasionaria uma situação constante de precariedade.
O ministro Nunes Marques abriu a divergência. Para ele, a Suprema Corte deve olhar para a realidade do trabalho para não incidir em prejuízo ao próprio trabalhador ao desejar protegê-lo de forma exagerada. Diante do desemprego de milhões de brasileiros, a análise das ações não poderia, segundo ele, se restringir ao universo dos trabalhadores formais. Marques rebateu o argumento de que a falta de limites do modelo gera insegurança jurídica para o trabalhador.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou a divergência. Para Moraes, no entanto, os sindicatos sequer seriam legítimos para apresentar as ações. Mas, superando esta preliminar, ele fundamentou, no mesmo sentido de Nunes Marques, que a realidade deve ser considerada. De acordo com ele, por exemplo, o modelo é uma opção que tem crescido no mundo: 35% nos Estados Unidos, por exemplo, e mais de 20% no Brasil. Ele enfatizou que não houve retrocesso aos direitos dos trabalhadores.
Dispensa da participação dos sindicatos nas demissões imotivadas de trabalho individuais, plúrimas ou coletivas e nas homologações de acordos extrajudiciais de trabalho
ADI: 6142
Status: Sem data marcada para o julgamento
Relator: Edson Fachin
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos contra os arts. 477-A e 855-B, caput e § 2º, da CLT, incluídos pela reforma trabalhista. Os dispositivos que dispensam a participação dos sindicatos nas demissões imotivadas de trabalho individuais, plúrimas ou coletivas e nas homologações de acordos extrajudiciais de trabalho.
Possibilidade de a chamada jornada “12×36” ser pactuada por meio de acordo individual
ADI: 5994
Status: Julgamento interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e sem nova data para apreciação
Relator: Marco Aurélio Mello
O ministro Gilmar Mendes pediu vista no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade que questiona a possibilidade de a chamada jornada “12×36” ser pactuada por meio de acordo individual. Assim, o caso fica suspenso até a devolução dos autos. A previsão consta do artigo 59-A, incluído na CLT pela reforma trabalhista. Segundo a norma, as partes podem, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso.
O artigo ainda prevê que a remuneração mensal decorrente da jornada “12×36” abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno. Até o pedido de vista, apenas o relator do caso, ministro Marco Aurélio, havia votado. Em seu entendimento, os dispositivos são inconstitucionais, devendo a ação ser julgada procedente. A ADI foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde.
Acordado sobre o legislado
ARE: 1121633
Status: Julgamento foi interrompido pelo pedido de destaque da ministra Rosa Weber, não há nova data para análise
Relator: Gilmar Mendes
No ARE 1.121.633, o STF vai decidir se o acordado deve prevalecer sobre o legislado quando há restrição de direitos não previstos constitucionalmente em troca de algum outro benefício. A validade dos acordos que limitam direitos passou a valer com a reforma trabalhista, por meio da inclusão do artigo 611-A na CLT. Desde julho de 2019, todas as ações que tratam do tema estão suspensas no Judiciário, por determinação do ministro Gilmar Mendes, relator do caso no Supremo. A decisão da Corte será em repercussão geral.
Gilmar foi o único que votou. De acordo com ele, a Constituição reconhece, de forma enfática, as convenções e acordos trabalhistas como direito fundamental dos trabalhadores, elevando-os a instrumento essencial da relação trabalhista.
O ministro propôs a fixação da seguinte tese: “Os acordos e convenções coletivos devem ser observados, ainda que afastem ou restrinjam direitos trabalhistas, independentemente da explicitação de vantagens compensatórias ao direito flexibilizado na negociação coletiva, resguardados, em qualquer caso, os direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente assegurados”.
Edição de súmulas e enunciados pelo TST
ADC: 62
Status: Sem data marcada para o julgamento de mérito
Relator: Ricardo Lewandowski
Trata-se de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), pela Confederação Nacional do Turismo (CNTUR) e pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), que pedem para confirmar as alterações da reforma trabalhista que trouxeram requisitos para estabelecer ou alterar súmulas trabalhistas.
Entre as mudanças estão a necessidade de um quórum mínimo para estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência. Outra alteração é a previsão de que as sessões de julgamento sobre súmulas e jurisprudência deverão ser públicas, divulgadas com, no mínimo, trinta dias de antecedência.
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, tinha votado pelo não conhecimento da ação por ilegitimidade das partes. Mas saiu vencido e agora o STF deve julgar o mérito da questão.
Edição de súmulas e enunciados pelo TST
ADI: 6188
Status: Julgamento interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e não há nova data para análise
Relator: Ricardo Lewandowski
Nesta ADI, a PGR questiona os mesmos dispositivos da ADC 62 que modificaram o procedimento e regras para estabelecimento, alteração, revisão ou cancelamento de súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme e não vinculantes dos tribunais do trabalho.
Para a PGR, a mudança no artigo 702, I, f, § 3º e § 4º da CLT trazida pela reforma trabalhista afronta os princípios da separação de poderes e da independência dos tribunais.
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, declarou os dispositivos inconstitucionais. No entanto, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista de Gilmar Mendes.
Requisitos para reclamação trabalhista
ADI: 6002
Status: Sem data marcada para o julgamento
Relator: Ricardo Lewandowski
A ADI 6002 foi ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e questiona as alterações no artigo 840, §1º e §3º , da CLT, introduzidas pela reforma trabalhista. As modificações trouxeram novas exigências para o ajuizamento de reclamação trabalhista, como a necessidade da peça inicial já contemplar também a liquidação do débito, por meio de um pedido “certo, determinado e com indicação de seu valor”, sob pena de extinção do processo sem julgamento de mérito. O julgamento desse tema ainda não foi agendado.
Discussão da ultratividade de normas coletivas
ADPF: 323
Status: Julgamento interrompido pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli
Relator: Gilmar Mendes
A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) e discute a ultratividade de normas coletivas, isto é, situação em que cláusulas de acordos e convenções coletivos, com validade já expirada, são incorporadas aos contratos individuais de trabalho, até que outra norma coletiva sobrevenha.
A súmula 277 do TST diz que “as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”. Assim, com essa interpretação, a Confenen defende que o TST está usando a ultratividade – quando, mesmo após o fim da vigência, os acordos coletivos continuam a produzir efeitos.
Com a reforma trabalhista, a ultratividade passou a ser vedada, e ficou proibida a estipulação de duração dos acordos coletivos em um período superior a dois anos. Mesmo assim, a súmula continua válida.
Fonte: Jota
Texto: Flávia Maia e Felipe Recondo
Data original da publicação: 27/10/2021