Dez anos de instabilidade no mercado de trabalho brasileiro

Fotografia: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Nos dez anos de existência do DMT em Debate, o desempenho do mercado de trabalho brasileiro distinguiu-se pela instabilidade das condições de emprego e renda. Neste artigo, destacamos as características gerais desse desempenho com base em três gráficos, que mostram as trajetórias da ocupação, do desemprego e do tamanho da força de trabalho brasileira entre 2013 e 2022.

Carlos Henrique Horn

Nos anos que precederam ao surgimento do DMT em Debate, houve uma melhora geral nas condições de emprego e nos rendimentos dos trabalhadores brasileiros. Desde o início do século, o nível geral de ocupação crescera de modo tendencial, a taxa de desemprego diminuíra até atingir seu menor patamar no ano de 2014, e aumentaram os rendimentos reais do trabalho, incluindo o salário mínimo. Não obstante, outros aspectos do mercado de trabalho nacional, como a desigualdade distributiva e os altos graus de informalidade, não chegaram a apresentar uma melhora significativa que permitisse falar de nova configuração estrutural desse mercado.

A recessão econômica de 2015-16 colocou um freio ao processo anterior de melhoria das circunstâncias do mercado de trabalho. Logo em seguida, a crise política e o afastamento da presidente Dilma acabaram por abrir espaço para a tomada de decisões regressivas, como a Reforma Trabalhista do presidente Temer, que acarretou enfraquecimento dos sindicatos e da proteção ao trabalho subordinado. Por fim, a eleição do presidente Bolsonaro e a crise sanitária da covid-19 completaram os marcos principais de um decênio de instabilidade e piora das condições de emprego e renda. Neste artigo, fazemos uso de três gráficos para destacar características gerais do desempenho do mercado de trabalho brasileiro entre 2013 e 2022. A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE.

Gráfico 1: o emprego da força de trabalho

Vamos adotar o ano de 2012 como base inicial de comparação. Nesse ano, havia quase 90 milhões de brasileiros com ocupação e renda do trabalho. Isso correspondia a 58% da população com 14 anos e mais de idade, considerada, para fins estatísticos, a população em idade de trabalhar ou PIA. Dez anos depois, o total de pessoas ocupadas elevou-se à marca dos 98 milhões, mas em termos relativos – também chamado nível da ocupação – diminuiu para 56,6% da PIA. Entre a base inicial e o ano de 2022, o número total de ocupados oscilou, com significativa amplitude em certos momentos, para cima e para baixo. Essa instabilidade está desenhada em nosso primeiro gráfico.

É possível definir uma periodização para os movimentos vistos no gráfico. Assim, entre 2012 e 2014 (período 1), o emprego ainda manteve sua trajetória positiva. Então, no auge da recessão de 2015-16 (período 2), registrou-se uma redução de mais de quatro milhões de postos de trabalho (queda de 4,4% entre dezembro de 2014 e março de 2017). A recessão foi sucedida por uma recuperação lenta da atividade econômica e apenas no fim de 2018 o total de postos de trabalho voltaria ao ponto de 2014 (período 3). Essa recuperação, todavia, acabou interrompida pela crise sanitária (período 4). No terceiro trimestre de 2020, a PNAD Contínua estimou uma perda de mais de 12 milhões de postos de trabalho em relação ao fim do ano anterior (queda de 12,6%). Já com o processo massivo de vacinação da população, ergueram-se as condições de retorno amplo das pessoas ao mercado de trabalho, o que ocorreu de modo intenso em 2021 e mais lentamente em 2022.

Gráfico 2: o desemprego

Em geral, os altos e baixos na ocupação são acompanhados por movimentos semelhantes, mas em sentido inverso, nos indicadores de desocupação da força de trabalho. Uma pessoa é classificada como desocupada se não possui trabalho e procura ativamente por um novo trabalho. Mas se a pessoa sem trabalho desiste de procurar novo trabalho, ela será considerada como fora da força de trabalho (tratamos dessas pessoas mais adiante). Em 2012, havia pouco mais de sete milhões de trabalhadores classificados como desocupados no Brasil , o que se refletia numa taxa de desocupação de 7,4% da força de trabalho. Passados dez anos, o número de desocupados era de cerca de dez milhões de pessoas, o que correspondia a 9,3% da força de trabalho em 2022. Ao longo do período, variações amplas para cima e para baixo pintaram um quadro de instabilidade, o qual é mostrado no nosso segundo gráfico.

A periodização que adotamos para destacar os movimentos da ocupação serve também para tratar da desocupação. Assim, o período 1 representa o momento derradeiro da trajetória anterior de melhora do mercado de trabalho, quando o desemprego prosseguiu em queda e registrou sua menor taxa nesse século: 6,9% da força de trabalho em 2014. A recessão de 2015-16 impactou fortemente no desemprego (período 2). Entre o fim do ano de 2014 e o primeiro trimestre de 2017, houve aumento de quase oito milhões de pessoas na condição de desemprego (alta de 118,2%), levando a taxa de desocupação a 13,9% da força de trabalho. Na lenta recuperação da atividade entre 2017 e 2019 (período 3), a melhora gradual no número de ocupados não se estendeu, todavia, ao tamanho do desemprego, que se manteve virtualmente estável. Em março de 2020, na véspera da pandemia de covid-19, havia mais de 13 milhões de desempregados e a taxa de desocupação pouco diminuíra, sendo de 12,4% da força de trabalho. A crise sanitária acarretou uma elevação nos números do desemprego. No primeiro trimestre de 2021, em seu ápice, o total de desocupados chegou a mais de 15 milhões de pessoas e a taxa de desocupação era de 14,9%. Com a melhora ocupacional permitida pela vacinação, os indicadores de desocupação registraram uma expressiva redução. No fim de 2022, o número de desocupados havia recuado para 8,5 milhões de pessoas e a taxa de desemprego caíra para 7,9% da força de trabalho.

Gráfico 3: o tamanho da força de trabalho

Ao contrastar os movimentos da ocupação e da desocupação, o leitor poderá ter notado uma diferença importante entre os acontecimentos da recessão de 2015-16 e da pandemia da covid-19. Na recessão, o aumento no número de desempregados foi bem superior à perda de postos de trabalho, sinalizando que os trabalhadores que perderam seu emprego continuaram ativos no mercado em busca de novo trabalho e que a eles se somaram novos entrantes nesse mercado, os quais não conseguiram encontrar ocupação e engrossaram as fileiras do desemprego. Este foi o movimento básico do mercado de trabalho na recessão de 2015-16. Já na crise da pandemia, inclusive por sua própria natureza, a perda de postos de trabalho foi mais de quatro vezes maior do que o aumento no número de desocupados. A imensa maioria da população que perdeu seu emprego deixou de procurar novo emprego e, portanto, de participar na força de trabalho. Essas oscilações discrepantes no tamanho da força de trabalho – que é composta pelo total de ocupados e de desocupados – são retratadas em nosso terceiro gráfico.

Nos períodos iniciais em que subdividimos o decênio 2013-22, salvo por diferenças no ritmo, a trajetória do tamanho da força de trabalho foi de crescimento, o que fez com que passasse de quase 97 milhões de pessoas em 2012 para 107 milhões em 2019. A taxa de participação, que mede a proporção das pessoas com 14 anos e mais de idade que estão no mercado de trabalho como ocupadas ou desocupadas, flutuou inicialmente num intervalo pouco acima de 62% e, durante a lenta recuperação de 2017-19, voltou a crescer até atingir 63,8% no terceiro trimestre de 2019. O que aconteceu na pandemia (período 4) foi de outra ordem e levou ao afastamento massivo das pessoas do mercado de trabalho. Em junho de 2020, a taxa de participação desabara para 57,3% da PIA. Desde o fim de 2019, mais de dez milhões de pessoas haviam se afastado do mercado de trabalho. A retomada associada à vacinação fez com que o tamanho da força de trabalho voltasse a aumentar de tal modo que, no fim de 2012, esta havia recuperado a grandeza pré-pandemia. Mas a taxa de participação, depois de crescer, estacionou em torno a 62% em 2022, sendo inclusive inferior ao que fora registrado nos anos de 2012 a 2019.

Um último parágrafo

No contexto político e econômico de 2023, quando DMT em Debate celebra seu décimo aniversário, o país procura recuperar condições para o exercício da política democrática e para um desempenho mais estável da economia. Essas melhores condições poderão conduzir a uma recuperação mais robusta dos níveis de ocupação e de rendimentos do trabalho após um decênio de instabilidade e de piora da situação laboral. A agenda do trabalho para o novo governo mostra-se ampla e desafiadora. Dentre esses desafios, uma questão de grandeza superior relaciona-se à insuficiente recuperação da participação das pessoas no mercado de trabalho na conjuntura pós-pandemia, o que destacamos neste texto. Isto porque, examinadas as estatísticas com maior detalhamento, se percebe que a redução na taxa de participação atingiu os trabalhadores jovens de modo particularmente intenso, o que está identificado num fenômeno de ainda maior proporção, chamado de nem-nem (jovens que não estudam, nem trabalham). Com efeito, no que se refere ao mercado de trabalho em geral, este deve ser entendido como o principal desafio a ser enfrentado pelo governo e pela sociedade num momento de reconstrução civilizacional do país

Carlos Henrique Horn é economista e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Completou o doutorado em Industrial Relations na London School of Economics and Political Science (LSE), foi técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e presidente do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

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