Desde então, as alterações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) passaram a ser amplamente contestadas no Supremo Tribunal Federal.
José Higídio e Emerson Voltare
Fonte: Conjur
Data original da publicação: 28/11/2020
No último dia 11 de novembro, a Lei nº 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, completou três anos de vigência. Desde então, as alterações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) passaram a ser amplamente contestadas no Supremo Tribunal Federal. Mas até o momento atual, os entendimentos firmados quanto ao tema são escassos.
Desde 2017, foram ajuizadas perante o STF 34 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam pontos trazidos pela reforma. No mesmo período, chegaram quatro ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) também relacionadas à lei.
“Essa grande judicialização que chegou ao STF comprova que entidades de classe, sindicatos, magistrados, professores, enfim, a sociedade civil como um todo deixou de ser ouvida e participar do processo de aprovação da lei da reforma trabalhista”, comenta Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da pós-graduação da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), em São Paulo. Na visão dele, a reforma foi aprovada de forma “relâmpago”, sem prévio debate, para cumprir um objetivo do governo federal à época.
Dessas 38 ações no Supremo, 18 ainda aguardam alguma conclusão. A última decisão definitiva ocorreu em maio de 2019, e desde então houve pouco avanço. Para Calcini, a demora tem explicação: o Supremo ainda espera um maior amadurecimento do debate dentro dos próprios órgãos da Justiça do Trabalho.
“Muitas das novidades trazidas pela Lei 13.467 nem sequer chegaram ao conhecimento do Tribunal Superior do Trabalho, o qual ainda não teve a oportunidade de formar uma jurisprudência sobre o assunto”, pontua o professor. “Quanto maior a demora em se definir a (in)constitucionalidade de certos pontos da reforma, mais insegurança jurídica teremos no julgamento de milhares de ações judiciais.”
Por outro lado, nenhuma ADI ou ADC relacionada à reforma chegou ao STF desde julho do ano passado, o que evitou um acúmulo ainda maior. Isso pode ser explicado tanto pelo fim da “onda” inicial de ADIs movidas para derrubar a lei reformista, quanto pela lentidão nos julgamentos. Calcini afirma que a morosidade “desestimula o ajuizamento de novas ações perante o STF, e faz com que o debate se direcione aos recursos julgados pelos tribunais trabalhistas”.
Pontos questionados
Apesar de 20 das 38 ações já terem sido julgadas, apenas duas mudanças da reforma foram contempladas. Isso porque 19 delas tratavam do fim da contribuição sindical obrigatória, declarado constitucional em junho de 2018.
Além desse ponto mais contestado, o STF também julgou a ADI 5.938, que contestava o trabalho de grávidas e lactantes em locais insalubres. No ano passado, a alteração foi declarada inconstitucional.
As 18 ações restantes tocam em pelo menos dez pontos da da lei. A modalidade de trabalho intermitente, inserida pela reforma, é um dos mais abordados, em quatro ADIs. A Procuradoria-Geral da República já se manifestou favoravelmente à constitucionalidade da categoria. As ações chegaram a ser pautadas para julgamento no ano passado, mas ele não ocorreu.
Outra questão presente em quatro ADIs é a classificação da gravidade das infrações que podem gerar indenização por danos morais. Calcini expõe que esse tabelamento é uma lógica que não existe em nenhum ramo do Direito.
Além disso, ao julgar a ADPF 130, o próprio STF considerou que o dano decorrente de ofensa (no caso, praticada pela imprensa) não poderia se limitar a valores previamente fixados em lei. Ou seja, “a tarifação trazida pela Lei 13.467/2017 é exatamente idêntica àquela já declarada inconstitucional pelo Supremo”, como explica o professor.
Há outro ponto da reforma presente em quatro ações, mas conflitantes. Duas ADIs questionam o parágrafo que determinou que a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial seja feita pela Taxa Referencial (TR), enquanto duas ADCs pretendem validá-lo. Neste ano, o ministro Gilmar Mendes, relator da ação, suspendeu, em liminar, o trâmite de todas as ações da Justiça do Trabalho que discutem a correção monetária dos créditos trabalhistas.
Calcini lembra que essa questão está praticamente definida no Supremo. Até o momento, oito ministros votaram pela inconstitucionalidade da aplicação da TR. Há discordância apenas quanto ao índice que deve substituí-la.
O ministro Dias Toffoli pediu vista no fim de agosto, e seu voto será o desempate. Quatro ministros entendem que a correção deve ser feita pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) na fase pré-judicial, e a partir da citação deve incidir a taxa Selic. A frente de divergência considera que apenas o IPCA-E deve ser aplicado.
Processos trabalhistas
A promulgação da Lei 13.467 também teve impactos em instâncias inferiores da Justiça do Trabalho. O número de ações trabalhistas caiu consideravelmente desde a vigência da reforma, muito em função da regra que estabeleceu o pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais pelos trabalhadores, segundo a Data Lawyer, que faz o “Termômetro Covid-19” na Justiça Trabalhista.
O professor Calcini aponta outro fator que explica o fenômeno: “O Judiciário Trabalhista, ao contrário do que se pensava no início, está referendando, na maior parte dos casos, as novas orientações legislativas”.
Ainda assim, os processos trabalhistas que citam a Lei 13.467 tiveram grande aumento nos últimos anos. O total saltou de pouco mais de 600 mil no início de 2018 para quase 6 milhões atualmente — um aumento de quase dez vezes.
Calcini considera que esse movimento era esperado: tanto por se tratar de “uma nova legislação que precisa ser melhor interpretada e aplicada pelos magistrados”, quanto porque a reforma “afetou direitos tradicionalmente devidos aos trabalhadores”. Mas o professor também disse acreditar que esse número crescente tende a se normalizar.
Em 2020, também foi considerável o aumento de ações que citam tanto a reforma trabalhista quanto a Covid-19. No início da crise do novo coronavírus, o número de processos relacionados aos dois temas cresceu intensamente. Mesmo entre junho e setembro, com a situação um pouco mais estabilizada, o número dobrou.
Os números podem ser explicados, segundo Calcini, principalmente pela insegurança jurídica na interpretação e aplicação da legislação trabalhista, que foi impactada por diversas medidas provisórias até o estabelecimento da Lei nº 14.020/2020.
Isso se somou ao número crescente de desligamentos e fechamentos de postos de trabalho, à falta de perspectiva de recolocação no mercado de trabalho e ao possível encerramento do pagamento dos benefícios sociais pelo governo federal. Mas a relação com a reforma é a mesma já explicada pelo professor: ainda não foi possível firmar uma jurisprudência combativa à reforma e à atual regulamentação dos aspectos trabalhistas da Covid-19.
José Higídio é estagiário da revista Consultor Jurídico.
Emerson Voltare é editor da revista Consultor Jurídico.