Discussões sobre a Reforma Trabalhista voltaram à pauta pública neste mês com a proximidade do julgamento, no próximo dia 28 de junho, das primeiras ações diretas de inconstitucionalidade contra pontos da lei no Supremo Tribunal Federal (STF).
O tema já havia causado polêmica no mês passado, quando o ministro Edson Fachin indicou que, caso o plenário não resolva uma das questões pendentes no dia 28 – sobre compulsoriedade da contribuição sindical -, ele poderá conceder liminar monocrática restaurando a obrigatoriedade da cobrança.
Fachin reacendeu no setor privado incertezas sobre o futuro da reforma em si. E, em um momento em que são esperadas novas reformas estruturais para os próximos anos, o debate também retoma os questionamentos sobre os limites da atuação do Judiciário em bloquear ou alterar leis e reformas aprovadas (ou planejadas) pelo Congresso e Executivo.
Os pontos em discussão no Supremo
Aprovada em julho de 2017, a Lei Federal 13.467 – conhecida como Reforma Trabalhista – tem pendentes hoje 26 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) perante o STF.
As duas primeiras – ambas de relatoria de Fachin – versam sobre a contribuição sindical facultativa e sobre trabalho intermitente. Aliás, a maioria destas 26 ações, totalizando 18 ADIs, discute a contribuição sindical. Todas estão sob relatoria de Fachin (são as ADIs 5945, 5923, 5912, 5900, 5892, 5888, 5887, 5885, 5865, 5859, 5850, 5815, 5813, 5811, 5810, 5806 e 5794, e a ADC 55). As outras ações questionam:
a) Contrato de Trabalho Intermitente, também sob relatoria de Fachin: ADIs 5806, 5826, 5829 e 5950.
b) Acesso à Justiça gratuita: ADI 5766. Única que já começou a ser discutida pelo plenário, teve o julgamento suspenso por pedido de vista do ministro Luiz Fux. Até aqui, votaram os ministros Roberto Barroso e Edson Fachin, em sentidos opostos. Barroso defendeu a constitucionalidade dos dispositivos que alteram a gratuidade da justiça dos trabalhadores que comprovem insuficiência de recursos, mas propôs critérios um pouco mais amplos do que os previstos na reforma. Fachin, por sua vez, afirmou que as novas regras são absolutamente inconstitucionais.
c) Correção do depósito recursal: ADI 5867. Apresentada pela Associação dos Magistrados da Justiça Trabalhista (Anamatra), questiona dispositivo da reforma que estabeleceu a correção do depósito recursal no processo trabalhista com os mesmos índices da caderneta de poupança. Gilmar Mendes é o relator.
d) Indenização por dano moral: ADI 5870. Também de autoria da Anamatra, impugna norma que estabelece limite para fixação de valores da indenização por dano moral decorrente da relação de trabalho. Para a entidade, a lei não pode impor limitação ao Judiciário para fixação de indenização por dano moral, sob pena de limitar o exercício de jurisdição. O relator, ministro Gilmar Mendes, aplicou o rito abreviado, quando o plenário aprecia diretamente o mérito da ação.
e) Atividade de gestantes e lactantes: ADI 5938. Apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, discute a norma da Reforma Trabalhista que permitiu mulheres gestantes e lactantes a trabalharem em atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo. O relator, ministro Alexandre de Moraes, aplicou o rito abreviado.
A velocidade de tramitação de cada uma dependerá em parte da importância que cada relator dá à reforma. O fato de as duas primeiras ADIs a serem analisadas serem de relatoria de Fachin não surpreende: o ministro, ligado a movimentos sociais e sindicais e considerado de esquerda e pró-trabalhador em temas econômicos e trabalhistas, acelerou a movimentação das ações justamente por priorizar o tema.
Fachin também lida com temas trabalhistas fora da Lei 13.467/2017. E ele não quer esperar que a Reforma Trabalhista torne-se fato consumado e, com isso, esvazie a contestação judicial; por isso já indicou que vai conceder liminar monocrática restaurando a contribuição sindical obrigatória caso o plenário adie o julgamento.
Fachin é relator das matérias tidas como o “coração” da reforma trabalhista, como trabalho intermitente, convenção sobre banco de horas, contribuição sindical e primazia do negociado sobre o legislado.
A posição dos ministros sobre a reforma trabalhista
Apesar de não ser possível afirmar categoricamente como os outros ministros irão se posicionar a respeito das ações, atores institucionais interessados na reforma em geral acreditam que a maioria do Supremo tende a aprová-la.
Observadores do Supremo – internos e externos – entendem que há um núcleo duro pró-reforma, que é composto por Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Alexandre de Moraes. Eles apoiariam a reforma como um todo – talvez concordando com ajustes em casos específicos, colaterais, mas mantendo a estrutura da Lei 13.467/2017. Este grupo poderia ter a adesão de Dias Toffoli.
De acordo com as mesmas fontes, outros quatro ministros teriam visão mais crítica: os já esperados Fachin e Rosa Weber, aliados a Ricardo Lewandovski e possivelmente Celso de Mello. O ministro Marco Aurélio, mesmo oriundo da Justiça Trabalhista, é uma incógnita. Mas como a maioria é pró-reforma, a visão geral é que o Supremo vai aprovar a reforma trabalhista como um todo – ou pelo menos deixar que ela seja consumada e acabe impossível de ser derrubada.
É por isso que partidos que votaram contra a reforma, como PT e PSOL, evitaram entrar com ADIs no STF – eles temem que o Supremo, uma vez instado a se posicionar, dê um carimbo de constitucionalidade e legitimidade à reforma, dificultando ações pontuais contra ela em outras instâncias.
Por outro lado, algumas matérias devem ser facilmente derrubadas pelo Supremo: a limitação da indenização por danos morais ao salário da “vítima”, chegando a no máximo 50 vezes seu salário em casos de ofensa gravíssima; e o trabalho de mulheres gestantes e lactantes em ambientes insalubres (tratado na ADI 5.938).
No tema específico do acesso à Justiça, sobre o qual há uma ADI a espera de julgamento (ver lista acima), há duas incógnitas: Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello. Eles podem ser os fiéis da balança que decidirão o tema.
O que os ministros levam em conta na hora do voto
O STF, em alguns temas de impacto econômico e social, é mais “consequencialista”, ou seja, é mais sensível aos impactos sociais e econômicos de suas decisões mesmo se elas contrariam uma interpretação mais inflexível da lei.
E esta avaliação não é desta composição do Supremo apenas. Há vários casos no passado de cálculos do tribunal no julgamento de temas sensíveis. Um dos exemplos mais mencionados do caráter “consequencialista” do Supremo é o debate sobre o sequestro da poupança promovido no governo de Fernando Collor.
À época, os ministros temiam tomar decisões definitivas antes de saber se o plano daria certo, preferindo não fechar totalmente a discussão. Na Reforma Trabalhista, similarmente, não seria surpreendente que os ministros levassem um tempo para tomar decisão de maior escopo enquanto o impacto econômico fica mais claro.
Neste sentido, e apesar de Fachin, há expectativas de que os ministros não encerrarão a questão da Reforma Trabalhista de imediato, preferindo dar mais tempo para que os efeitos da reforma sejam sentidos. Se, por exemplo, as medidas realmente conduzirem a uma maior geração de empregos, é pouco provável que o STF interfira e julgue a reforma inconstitucional.
Conforme fontes ouvidas pelo JOTA, há inclusive expectativa de que algum ministro do STF possa pedir vista, deixando as ações para serem julgadas apenas no próximo governo.
O momento em si tampouco é propício a decisões terminativas. Um tema tão complexo tende a exigir várias sessões para resolução, e um julgamento marcado para começar no final de junho, durante a Copa do Mundo e antes do recesso de julho, e em ano eleitoral tem ainda menos chances de ser encerrado rapidamente.
O TST e as instâncias inferiores
Assim como no STF, há também um racha na Justiça do Trabalho sobre o tema da reforma. O novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) João Batista Brito Pereira é um liberal e tem opinião mais pró-reforma, conforme seus colegas, mas não mistura sua posição pessoal com a condução dos trabalhos.
Prova disso foi chamar para cargos importantes de direção do TST dois colegas publicamente contrários à reforma. Pereira, ao contrário do antecessor, Ives Gandra Martins Filho, é um conciliador e não vai acelerar o debate sobre a reforma no TST.
O mais provável, segundo atores da Justiça Trabalhista ouvidos pelo JOTA, é que temas da reforma sejam julgados aos poucos em instâncias inferiores, amadurecendo lentamente o assunto até que cheguem ao TST para que então se unifique e defina um entendimento sobre a legislação. Na visão de alguns ministros do TST, esses temas podem demorar cerca de dois anos até chegarem ao tribunal.
Os críticos da reforma tem afirmado que há mais chances de questionamentos serem bem sucedidos no TST e na Justiça do Trabalho do que no STF.
Por fim, há uma grande questão em aberto sobre a reforma: Raquel Dodge, procuradora-geral da República, é uma incógnita. Ela ainda não assinou nenhum dos pareceres sobre matéria trabalhista enviados a seu gabinete.
E as reformas futuras?
A discussão sobre o escopo dos potenciais ajustes que fará o STF sobre a Reforma Trabalhista rapidamente foi extrapolada para o debate mais amplo sobre o poder do Supremo em barrar medidas impopulares daqui para frente – em especial a reforma da Previdência.
Em tese, o STF sempre teve o poder de declarar inconstitucional uma política pública, aí incluídas reformas. E isso foi feito em inúmeros casos, podendo-se destacar a reforma da Previdência aprovada em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso.
Mas o debate, que não é novo, ganhou importância em um cenário de incertezas e desgaste das relações entre o STF e o Congresso. E é verdade que desde 2003 o órgão é considerado menos deferente ao Congresso do que antes. Há inúmeras razões para isso:
A composição do Congresso: Desde 2003, foram nomeados vários ministros considerados “ativistas”, incluindo Joaquim Barbosa, Ayres Britto (ambos aposentados) e Lewandowski;
O processo gradual de individualização do poder dos ministros, que cada vez mais passam a decidir temas monocraticamente em vez enviar ações ao plenário;
A atuação dos partidos políticos que, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, passaram a se utilizar mais do STF – a exemplo do próprio PT – para travar disputas políticas. Hoje, quase toda medida legislativa é questionada na Justiça; e
A deterioração da relação entre o Congresso e o STF: era comum antigamente o Supremo discutir com o Congresso possíveis barreiras constitucionais a projetos de lei antes de sua aprovação. Nem sempre esse diálogo impedia que matérias fossem aprovadas em desconformidade com a Constituição, mas havia um diálogo mínimo. Sob a liderança de Carmem Lúcia, este diálogo não tem ocorrido. Espera-se uma mudança de comportamento na gestão de Dias Toffoli, a partir de setembro.
Em última análise, é preciso lembrar que o Supremo no Brasil é um órgão político. Ele toma decisões levando em conta a realidade política do país. Isso significa que, se o Brasil precisar de uma reforma urgente diante da deterioração das contas públicas, a tendência é que o STF não interfira. Afinal, como dito antes, em decisões de grande impacto para o governo – sejam econômicas ou políticas – o Supremo hoje é mais consequencialista do que formalista.
No caso da esperada Reforma da Previdência, vários fatores deverão ser avaliados na tentativa de entender como o Supremo deverá se comportar. No próximo ano, será preciso analisar quem será o presidente do Brasil; qual o desenho final de uma eventual reforma; qual negociação será feita com o STF durante os debates para aprovação; quem será o interlocutor de um possível diálogo com o STF; qual ministro seria o relator de uma hipotética ação contrária no Supremo; e qual a urgência da reforma para as contas públicas.
Fonte: Jota
Texto: Felipe Recondo
Data original da publicação: 18/06/2018