A imputação de responsabilidade à empresa tomadora de serviços é questão que se impõe, haja vista que cabe àquele que se beneficia da atividade, ainda que não se trate de relação de natureza empregatícia, responder pelos danos sofridos pelos responsáveis pela promoção dos serviços.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região condenou a Uber a pagar R$ 676 mil, por danos morais e materiais, a mãe de um motorista do aplicativo assassinado durante o trabalho.
O motorista foi torturado e morto com 19 tiros enquanto prestava serviço autônomo à empresa. Segundo sua mãe, autora da reclamação trabalhista, ele trabalhava única e exclusivamente para o aplicativo. A vítima dedicava todos os valores adquiridos por meio de seu trabalho na Uber ao sustento próprio e de sua genitora.
Assim, afirmou que tem direito à indenização por danos morais e materiais em razão da morte do seu filho decorrente de acidente de trabalho, em razão da configuração da relação, requerendo, inclusive, e que se reconheça a culpa da empresa pelo acidente que vitimou seu filho, uma vez que a Uber deixou de garantir um ambiente seguro e livre de acidentes de trabalho.
De acordo com a defesa da Uber, o motorista nunca prestou serviços para a empresa, pelo contrário, ele que contratou a intermediação da plataforma para fazer o transporte individual de passageiros. Também alegou que o homem sempre teve autonomia para aceite ou recusa de viagens e que não houve ingerência da empresa. Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente.
O relator do recurso da mãe do motorista ao TRT-7, desembargador Clóvis Alves Filho, pontuou que a empresa reconhece que fez uma parceria com uma empresa seguradora, no sentido de oferecer aos usuários do sistema e aos motoristas parceiros seguro com cobertura de acidentes.
Para o magistrado, a contratação desse seguro evidencia que a Uber admite uma parcela de responsabilidade pelos acidentes sofridos pelos motoristas cadastrados em sua plataforma, de modo que, na espécie, há responsabilidade da empresa pelo evento que vitimou o filho da autora.
Além disso, o relator ressaltou que não há dúvidas acerca da existência de nexo causal entre o assassinato do motorista e as atividades por ele exercidas, “notadamente porque a sua condição de motorista de aplicativo foi determinante para que seus algozes cometessem o crime, de sorte que resta imperioso se reconhecer a responsabilidade da empresa pelo evento danoso”.
“Nesse contexto, não podemos afirmar que o assalto que culminou com a morte do filho da recorrente possa ser considerado um fato de terceiro, extraordinário e estranho ao desempenho da atividade de motorista por aplicativo”, completou. Assim, o desembargador entendeu que a morte do de cujus justifica o deferimento da indenização pretendida, eis que restaram sobejamente caracterizados os elementos ensejadores da responsabilidade civil.
Clóvis Alves Filhos deu provimento ao recurso da mãe do motorista e determinou o pagamento de R$ 150 mil de danos morais e de danos materiais calculados da seguinte forma: 2/3 sobre o valor do salário arbitrado em R$ 3 mil até que o motorista completasse 25 anos, e a partir dos 25 anos até a idade de 75 anos, aplica-se a fração de 1/3, em termos vencidos e vincendos, de forma que o valor total da condenação foi calculado em R$ 676 mil. A Uber interpôs embargos de declaração, mas o TRT-7 não alterou a decisão.
Reconhecimento do vínculo
O especialista em causas trabalhistas Francisco Eduardo Gomes, que atua no escritório VC Advogados, explica que, normalmente, o motorista que opta por se vincular a plataformas como a Uber deve se adequar aos requisitos exigidos para dar início à prestação dos serviços. Na maior parte das vezes, esses contratos dispõem expressamente que a relação estabelecida entre as partes é de empreendedorismo independente, de total autonomia, e que não há uma relação de emprego.
No entanto, os tribunais trabalhistas brasileiros se dividem em relação a este assunto. Alguns consideram que há os requisitos necessários para caracterizar a relação empregatícia, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, enquanto outros acreditam que não.
“Para os juízes que entendem não haver relação de emprego entre motoristas de aplicativo e as empresas de tecnologia, o requisito subordinação não existe, pois os motoristas de aplicativo seriam autônomos. Já para os juízes que entendem pela caracterização do vínculo empregatício, a subordinação existe na medida em que as empresas conseguem ‘controlar’ os motoristas através de seus algoritmos, tendo acesso à sua localização, taxas, viagens feitas, etc”, afirma o especialista.
Gomes aponta que a profissão de motorista de aplicativo é muito recente e é apenas mais uma de tantas atividades profissionais surgidas ao longo dos últimos cinco anos, em função da expansão digital mundial.
“É mais do que necessária a correta e imparcial verificação da relação estabelecida entre os profissionais autônomos e as empresas de tecnologia, levando em consideração a atualidade e não apenas os conceitos clássicos da CLT. As empresas devem demonstrar, quando confrontadas judicialmente, que os requisitos da relação jurídica ajustada com os profissionais autônomos não têm os elementos exigidos para caracterização do vínculo empregatício, em especial a ausência de subordinação”, defende o advogado.
Para a empresa, o melhor meio para evitar esse tipo de condenação é definir os parâmetros a serem adotados no cumprimento do contrato de forma clara e objetiva. “O contrato deve reforçar que os aplicativos servem apenas como meio de intermediação digital, direcionando clientes aos prestadores de serviço vinculados à empresa, e durante a execução do serviço essa realidade deve ser observada. Isso serve para qualquer contrato de intermediação de serviços, não apenas para aqueles relacionados ao transporte de passageiros”, finaliza.
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0000078-31.2020.5.07.0015
Fonte: Conjur
Texto: Ana Luisa Saliba
Tradução: Tradutor
Data original da publicação: 18/02/2022