Formação de grandes blocos econômicos poderá suceder a atual “globalização” sem representar um retorno ao fechamento das fronteiras de cada país.
Ricardo Carvalho Fraga
Fonte: Conjur
Data original da publicação: 24/07/2022
1. Em 2023, teremos novos debates jurídicos em nosso país. Nem todos os que desejaremos, todavia, muitos.
A fome de 33 milhões não haverá mais de ser tolerada. Impõem-se programas de renda mínima. O crescimento econômico haverá de ser construído [1].
Saberemos acolher os mais de 200 mil morando nas ruas. Recorde-se que este era o número, já ao início dos dias de pandemia [2].
Cuidaremos dos quase um milhão de presos. Caracterizou-se o que se tem denominado de encarceramento em massa [3].
2. Existe igual ou maior número de trabalhadores informais do que formais [4].
A promessa de que a reforma trabalhista, Lei 13.467 de 2017, facilitaria a incorporação de muitos ao mercado do trabalho não se concretizou. Entre tantos debates, recorde-se o ocorrido na Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná, tendo o juiz Reginaldo previsto o insucesso [5].
Agora, na metade de 2022, é bem menor o número de processos tramitando na Justiça do Trabalho. O motivo pode ser um dos adiante e/ou outros:
a) antes da entrada em vigência da Lei 13.467, ao final de 2017, já tinha havido um significativo número de despedidas, sendo bem menor o número dos que permaneciam nos seus postos;
b) nos primeiros momentos da Lei 13.467, a imprensa leiga em muito apontou os riscos de os trabalhadores reclamantes arcarem com custas processuais, em casos de improcedência de seus processos, o que muito ameaçou;
c) com a plena vigência da Lei 13.467 e durante os anos de 2018 e 2019, não aconteceram as prometidas novas contratações;
d) ao início de 2020, seguiu-se o reconhecimento de pandemia, pela OMS, com inúmeras consequências, também no mercado de trabalho [6].
3. O Supremo Tribunal Federal apontou a relevância das normas coletivas, inclusive em desacordo com a lei, em certos temas [7].
A decisão do STF, tomada por maioria, para ter alguma coerência terá que ser acompanhada de outras, todavia.
Não tem sentido lógico, periodicamente, renovar-se toda a negociação das diversas cláusulas de uma norma coletiva, recomeçando “do zero”.
O debate sobre a ultratividade das normas coletivas persiste entre nós e em outros países, tal como a Espanha [8].
Na Espanha, já se viu, ainda, a necessidade de limitar a excessiva terceirização das relações de trabalho [9].
Na Itália, igualmente, inclusive, para preservar as regras previdenciárias, se percebeu o risco das desregulamentações ilimitadas [10].
4. Algumas propostas antigas, do século passado e de 2017, serão abandonadas, já estando superadas desde hoje.
Os obstáculos do acesso à justiça não são mais admitidos, em tempos de elevação dos níveis de civilidade. O Supremo Tribunal Federal afastou certas disposições da Lei 13.467, neste tema [11].
Na Inglaterra, tentativas de cobranças de taxas para acesso à Justiça também foram consideradas inadequadas [12].
Aqui, o trabalho intermitente não teve acolhida, na prática, salvo, minimamente, em poucas empresas do comércio. Não se conhecem estatísticas seguras. Não se pode afirmar que muitos destes poucos postos de trabalho fossem dos anteriores empregos formais.
5. Inovações mais ousadas despertam nossa atenção, sem que tenham a probabilidade de se tornarem relevantes numericamente. Na Argentina são bem incipientes os movimentos de retomada das empresas falidas, pelos próprios trabalhadores [13].
A centralidade da economia, talvez, nem mesmo esteja mais nos locais que, antes, pensávamos estar.
Ladislau Dowbor percebeu que “A atividade industrial permanece, sem dúvida, como permaneceu a atividade agrícola diante da revolução industrial” e que “no centro da economia, não está mais a fábrica, estão as plataformas, os gestores de fortunas, os controladores da comunicação e da informação pessoal…” [14].
6. A nossa atenção, quanto à legislação do trabalho, mais acertadamente, poderá ser:
a) à ultratividade das normas coletivas, como antes justificado;
b) limitações às terceirizações e outras precarizações ilimitadas;
c) identificação de setores e serviços não integralmente assumidos pelo Estado e pelo “mercado”.
Aqueles que já estiveram em salas de audiência bem sabem da urgência de soluções para os:
a) transportes públicos em cidades de porte médio e, nestes dias de pandemia, incluídas as capitais;
b) cuidados médicos básicos e, até mesmo, preventivos para a população de baixa renda;
c) serviços de alimentação diária para a classe média não alta.
7. O cenário mundial tem embates em desenvolvimento, ainda com resultados difíceis de serem previstos.
A formação de grandes blocos econômicos poderá suceder a atual “globalização”, sem, de qualquer modo, representar um retorno ao fechamento das fronteiras de cada país.
Em exercício de imaginação, recorde-se o esforço de que Porto Rico seja o quinquagésimo primeiro estado dos Estados Unidos [15].
Ora, o Brasil é muitíssimo maior do que Porto Rico. Nossa economia já foi a sétima do mundo e ainda é uma das maiores [16].
Neste contexto, 52 é muito mais do que 51. Sermos o quinquagésimo segundo estado é improvável e, antes disto, indesejável.
Notas
[1] Fome, https://www.youtube.com/watch?v=tQER4aVHdqc [2] Morando nas ruas, https://sbsrj.org.br/moradores-de-rua-brasil/ [3] Pastoral Carcerária, https://carceraria.org.br/combate-e-prevencao-a-tortura/numero-de-presos-no-brasil-ultrapassa-900-mil-a-quem-serve-o-encarceramento-em-massaMaíra Fernandes
https://www.conjur.com.br/2022-jun-08/escritos-mulher-sistema-prisional-durante-covid
Inglaterra, vídeo, momento 1h5min, https://youtu.be/1DtkZ4Vf9BQ
[13] Argentina, empresas recuperadas, https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/e-se-trabalhadores-tomaremempresas-falidas/ [14] Ladislau Dowbor, in “Estado Social do Trabalho e Empreendimento“, Porto Alegre: Libretos, 2022, pgs 48 e 60 [15] Porto Rico, https://pt.wikipedia.org/wiki/51.%C2%BA_estado [16] Brasil, em 2013 https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131227_brasil_quinta_economia_mundo_lgbRicardo Carvalho Fraga é desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.