Sem regulamentação da PEC, domésticas seguem sem FGTS

Há mais de um ano, a PEC das Domésticas foi aprovada no Congresso Nacional sob um clima de comoção. Com um simples parágrafo, finalmente a categoria conquistava direitos iguais aos demais trabalhadores e trabalhadoras, como a jornada diária de 8 horas, repouso semanal remunerado e férias. “É a segunda lei áurea”, declarava a imprensa estrangeira sobre a Proposta de Emenda à Constituição 72/13, prevendo que sua regulamentação sairia em cerca de três meses. Mas até agora, nada.

“É interessante que o próprio governo me perguntou, já que eu que acompanho na Casa: ‘por que é que ainda não votamos?’. Eu não tenho mais argumentos para explicar essa lentidão, nem para o governo, nem para a imprensa”, lamenta a deputada federal reeleita Benedita da Silva (PT/RJ), uma das grandes defensoras da PEC. Na última terça-feira, 14/10, Benedita fez mais um pronunciamento na Câmara dos Deputados pedindo agilidade na pauta. “O apelo que eu fiz hoje é que a gente coloque na pauta do Congresso. A gente articula para que, depois do segundo turno, pelo amor de Deus, a gente não encerre esse ano legislativo com essa pendência”.

Apesar de a jornada de trabalho já estar valendo, sem a regulamentação algumas outras questões importantes ficam pendentes: a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa; seguro desemprego, em caso de desemprego involuntário; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; salário família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda; assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; e o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Segundo a Fenatrad (Federação Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Domésticas), a demora afeta cerca de oito milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticas.

“Nós estamos aguardando que os partidos políticos possam tomar a decisão de votar principalmente a questão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Nem a presidenta Dilma Rousseff abre mão disso, nem as trabalhadoras abrem mão, nem nós que defendemos abrimos mão. Na verdade, se eu quiser pagar meu fundo de garantia eu vou pagar desde já, independentemente. Mas tem muita gente se apegando à falta de regulamentação”, explica Benedita. “Há um desejo do relator Romero Jucá de flexibilizar. Essa flexibilização não vai deixar as trabalhadoras domésticas no mesmo pé dos demais trabalhadores. Essa é a grande luta”.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator da matéria na Comissão Mista de Regulamentação da Constituição, alega que o problema é outro: o imposto sindical. Por meio de sua assessoria, ele declarou que, por não ser uma categoria econômica, a empregada doméstica não deveria ter de dar “um dia do salário para o sindicato” e que, por isso, não acataria uma emenda da deputada Benedita a esse respeito.

“O sr. Romero Jucá acabou ficando com esse projeto debaixo do braço. A gente sabe que é polêmica essa questão dos direitos da categoria das domésticas. A sociedade brasileira ainda não mudou a mentalidade do trabalho escravo, da casa grande e senzala”, rebate Creuza Maria Oliveira, presidenta da Fenatrad. “A gente não pode esquecer que todo o Parlamento é patrão”, completa ela, que teve audiência com Jucá para discutir a questão.

“Os patrões estão aqui, os maiores empregadores estão aqui, no Congresso Nacional”, concorda Benedita, que já foi empregada doméstica. A deputada também utiliza a expressão “casa grande e senzala” para explicar as relações de poder no Legislativo. “Nós consideramos a dificuldade que tem de passar um projeto dessa natureza, principalmente a [categoria com] maioria de mulheres negras. Dizem que a gente não deve falar isso, que isso não existe, que é da nossa cabeça. Mas você não tem uma lógica, não tem uma justificativa lógica para por que é que não foi votado se era só isso, se o debate é se o desconto é 8% ou 12%. O que diz a CLT? 12%. Então vai ser 12%, gente. Existem motivos subjetivos e uma batalha inconcebível”.

“O que faz com que o Legislativo não regulamente os direitos da mais numerosa categoria de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil? São quase 8 milhões de trabalhadoras, em dados oficiais. A maior mão de obra do país!”, reflete Élen Schneider, professora de Sociologia na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e pesquisadora do tema. “Sua luta é diária e tremenda contra a discriminação social e racial. Pela criação e fortalecimento dos sindicatos, pela organização da categoria que se encontra ainda isolada e à mercê da generosidade de alguns patrões e da terrível falta de ética de outros”.

“A nossa categoria realmente tem dificuldade de mobilização porque está dispersa, cada uma em uma casa, em um apartamento. Não é como as outras categorias”, explica Creuza. No começo de sua militância, ela ia nas portas de escolas e colégios para tentar dialogar com as trabalhadoras domésticas. “Aí vai, cria-se uma comissão para regulamentar, e essa comissão foi onde travou tudo. E até hoje nada. A gente não sabe agora como é que vai ficar porque é Congresso novo. Muitos do que aprovaram por unanimidade tanto na Câmara quanto no Senado não foram reeleitos. Aí vão entrar novos deputados e deputadas, senadores e senadoras, e aí você sabe que vai dar pano para a manga para poder ser regulamentada de fato. Mas vamos continuar lutando”. Creuza foi candidata a deputada federal na última eleição pelo PSB na Bahia. Pretendia mudar a correlação de forças no Congresso. “Eu queria estar aí como parlamentar para falar junto com a Bené sobre as mulheres, mas não deu”.

Sem muito mais argumentos para exigir a regulamentação, a esperança de Creuza e Benedita repousa agora sobre uma efeméride: “eu queria que, para 20 de novembro, por ser maioria de mulheres negras trabalhadoras domésticas, pelo menos na semana da consciência negra, simbolicamente, se consiga votar essa matéria”, diz a deputada.

Fonte: Território de Maíra/Carta Capital
Texto: Maira Kubík Mano
Data original da publicação: 17/10/2014

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *