
Reindustrializar o Brasil exige ir além do curto-prazismo fiscal e recuperar a capacidade estratégica do Estado em articular crescimento, produtividade e inclusão
Henrique Morrone
Fonte: Sul21
Data original da publicação: 13/05/2025
O segundo governo Trump tem buscado reindustrializar a economia dos Estados Unidos por meio de mudanças em sua política tarifária. Mais especificamente, o aumento das tarifas de importação visa ampliar a participação da indústria no PIB americano, revertendo um processo de desindustrialização observado nas últimas décadas.
Utilizando seu estilo tradicionalmente confrontador, chama a atenção o caráter errático das novas políticas comerciais do governo Trump 2.0. As idas e vindas marcam o início de seu mandato e evidenciam uma estratégia mais voltada ao jogo de poder do que à formulação de políticas econômicas estáveis.
Há, contudo, uma questão de fundo mais importante. Os assessores econômicos de Trump reconhecem que a perda de dinamismo da economia americana — e a ameaça de perda da hegemonia global para a China — estão fortemente relacionadas ao processo de desindustrialização, este último em grande parte fruto das políticas de livre comércio adotadas nas últimas décadas. Os Estados Unidos, tradicionalmente defensores do livre comércio, parecem retornar às suas origens protecionistas.
Na academia, o debate entre livre comércio e protecionismo é antigo, marcado por embates entre os seguidores de Adam Smith e David Ricardo (com as ideias de vantagens absolutas e comparativas) e os defensores da teoria da Indústria Nascente, como Friedrich List e John Stuart Mill. Para estes últimos, a indústria nacional deve ser protegida de forma seletiva e temporária durante os estágios iniciais de desenvolvimento.
Existem falhas relevantes nos argumentos clássicos a favor do livre comércio. Quatro merecem destaque:
- Hipótese irrealista – O livre comércio pressupõe que ambos os países sejam capazes de produzir os mesmos bens. Essa hipótese é equivocada, pois condições geográficas e climáticas, por exemplo, impedem que certas regiões produzam determinados produtos com eficiência. A Inglaterra, por exemplo, não conseguia produzir uvas de forma viável, o que já colocava em xeque os argumentos ricardianos.
- Teoria estática – O modelo clássico não leva em conta os efeitos dinâmicos do comércio internacional. Países com menor grau de industrialização, ao abrirem seus mercados, tendem a sofrer desindustrialização e perda de empregos qualificados devido aos efeitos cumulativos da concorrência externa.
- Suposição de pleno emprego – A teoria pressupõe que todas as economias operem em pleno emprego, o que raramente se observa na realidade. Essa premissa compromete a aplicabilidade do modelo teórico.
- Universalização dos interesses nacionais – Smith e Ricardo confundiram os interesses da Inglaterra com os interesses globais. Segundo List, eles não distinguiram adequadamente os interesses nacionais dos efeitos gerais das políticas de comércio.
Nesse contexto, a percepção de Trump sobre a necessidade de reindustrializar a economia americana possui algum grau de realismo e pragmatismo — características comuns ao mundo empresarial. Sua intuição, portanto, não está equivocada. Contudo, suas políticas tendem ao fracasso se não forem acompanhadas por um plano de ação mais bem estruturado e coerente.
A seguir, algumas poucas e úteis sugestões de políticas inspiradas na obra de Friedrich List que poderiam nortear uma estratégia eficaz de reindustrialização nos Estados Unidos:
- A política tarifária deve ser aplicada de forma seletiva, focada em setores estratégicos da indústria nacional;
- A proteção comercial deve ser acompanhada de uma política industrial ativa, com incentivos à inovação e à capacitação tecnológica;
- A proteção deve ser temporária e progressivamente substituída por competição doméstica, a fim de evitar a consolidação de monopólios nacionais;
- O livre comércio deve ser retomado apenas quando as indústrias locais estiverem suficientemente fortalecidas, e preferencialmente com países com grau de industrialização semelhante.
Essas diretrizes estão em sintonia com as teses da Indústria Nascente e com a tradição mercantilista. Vale lembrar que esse argumento foi amplamente adotado por países asiáticos que obtiveram sucesso em seus processos de industrialização.
E o Brasil? Por aqui, o debate ainda gira em torno do controle das contas públicas e do combate à inflação, em um contexto de baixa taxa de investimento. No entanto, um modesto aumento na taxa de investimento poderia dobrar a renda per capita do país em menos tempo, promovendo um crescimento sustentável e duradouro. Reindustrializar o Brasil exige ir além do curto-prazismo fiscal e recuperar a capacidade estratégica do Estado em articular crescimento, produtividade e inclusão.
Henrique Morrone é professor de economia da UFRGS