Antonio Baylos
Tradução: Daniela Kern
O direito do trabalho europeu está estagnado desde antes do começo da crise. A publicação do “Livro Verde” para a reforma dos ordenamentos jurídicos trabalhistas nacionais, em 2006, e sua concretização na noção de “flexisegurança” como o molde ao qual os sistemas jurídicos de cada país deveriam se adequar, implicou no deslocamento do espaço regulamentar em direção ao âmbito estatal-nacional, que se apresentava como o espaço idôneo no qual se poderia aplicar as reformas sugeridas e propostas em documentos e recomendações não normativas, sem utilizar os mecanismos legislativos da União Europeia. Era mais uma manifestação da tendência à “renacionalização” como método de governança da UE, de modo que a orientação política das reformas do direito do trabalho – como, em breve, dos sistemas de pensão – eram dadas pelas autoridades europeias, mas eram os estados nacionais que deveriam colocar os processos de reforma pré-concebidos em nível global. O método se mostrava eficaz porque fragmentava e parcializava as resistências a “um só país”, enquanto os projetos “gerais” que buscavam alterar a regulação europeia vigente em matéria de direitos trabalhistas tinham mais dificuldades para ir adiante, uma vez “visibilizados” em nível europeu como uma regra de futura aplicação geral na UE.
A posterior adoção das políticas de austeridade e de equilíbrio financeiro rigoroso em torno do Pacto de Estabilidade e Crescimento no período 2010-2012, que obrigavam a realização de importantes “reformas estruturais” nos ordenamentos internos, não demandou tampouco a emanação de uma normativa trabalhista de âmbito comunitário, que teria suposto seguramente modificações regressivas dos textos legais vigentes. Em vez disto, foi escolhida a via da intervenção e controle das economias nacionais para “prevenir os desequilíbrios macroeconômicos e garantir a sustentabilidade das finanças públicas”, estabelecendo para tal fim um sistema de sanções para os países que incorrerem em “desequilíbrios excessivos” de maioria qualificada inversa, de duvidosa compatibilidade, por certo, com os mecanismos de tomada de decisão estabelecidos no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). Também desse modo se fragmenta em nível nacional o efeito das políticas de austeridade, que se aplicam de maneira diferente na Grécia, em Portugal e na Irlanda, na Itália ou na Espanha e onde a resistência cidadã e a mobilização social não conseguem articular uma resposta que transcenda as fronteiras desses países.
Contudo, há tendências contrárias. O Parlamento Europeu aprovou no dia 15 de janeiro uma resolução para regular as normas mínimas as quais deverão se submeter os processos de reestruturação de empresas durante a crise, a intervenção dos fundos estruturais em tais processos, a planificação mediante um processo de consultas, a repercussão sobre o emprego e as medidas possíveis de se adotar, o plano social e a regulação dos conflitos derivados. Inscreve-se na linha de desenvolvimento dos direitos de informação e consulta dos representantes na empresa que caracteriza o direito do trabalho europeu, residindo no poder público estatal-nacional importantes deveres de intervenção e de planificação dos processos de reestruturação industrial, aos que se faz acompanhar de financiamentos e apoios econômicos dos fundos europeus, principalmente o Fundo Social e o Fundo Europeu de Adaptação à Globalização. Isso quer dizer que vai na direção plenamente oposta àquela empreendida pela reforma da legislação trabalhista espanhola da Lei 3/2012. A diferença é que a iniciativa parlamentar europeia pretende realmente tutelar e controlar os processos de reestruturação empresarial frente à crise, submetendo-os a mediações coletivas e públicas. A lei espanhola debilita até à irrelevância a intervenção sindical, elimina qualquer responsabilidade pública na direção dos processos de destruição do emprego – salvo a que se deriva das prestações de desemprego como consequência de decisões empresariais nas quais não interfere – e considera, com manifesta vulnerabilização do marco constitucional, que a liberdade de empresa goza de uma consideração política e jurídica de supremacia plena sobre qualquer direito ou bem constitucionalmente protegido e, em especial, sobre o direito ao trabalho.
As consequências desta opção são evidentes. As discussões atuais na Espanha sobre se já foi ou se será alcançada em breve a cifra recorde de seis milhões de desempregados, deixam manifesto que a reforma trabalhista atua incentivando a eliminação de postos de trabalho, reduzindo os direitos e garantias sobre o emprego e ungindo como elemento imune frente a qualquer responsabilidade política ou social o empresário, um sujeito livre e onipotente que não reconhece a existência, nem compreende o significado, da cidadania política e social porque, para a figura social do mesmo que constrói a norma trabalhista, a democracia, o mercado e os direitos apenas têm sentido enquanto constituam uma oportunidade de ganho privado.
Antonio Baylos é doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS).