O que gera empregos é uma economia que possui um mercado interno pujante, capaz de gerar boas perspectivas de demanda futura pela produção.
Victor Leonardo de Araujo
Fonte: GGN
Data original da publicação: 29/03/2022
A reforma trabalhista voltou à berlinda à medida que se aproxima a eleição presidencial, e depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República e líder nas pesquisas de intenção de votos, prometeu rediscuti-la, revê-la, ou até mesmo revoga-la. A promessa feita pelo principal patrocinador da reforma, o Ministro da Fazenda do governo Michel Temer, Henrique Meirelles, era de criação de mais de 6 milhões de empregos. Sob a lógica da livre-negociação entre patrões e empregados como um princípio norteador, a reforma ignorou a relação assimétrica existente no mercado de trabalho, que exige a regulação das suas relações, estabelecendo salário mínimo, jornada, condições de trabalho e direitos. A reforma, aprovada em 2017, reviu a Consolidação das Leis do Trabalho e se baseou nos três eixos seguintes (JUSTEN, GURGEL, 2021, p. 13): (i) as mudanças nas condições de trabalho introduziram contratações atípicas e precárias, como o trabalho intermitente, e promoveram o “rebaixamento da remuneração e alteração das normas de saúde e segurança do trabalho”; (ii) a introdução de dispositivo que faz prevalecer o acordado sobre o legislado, e de outro que dificulta a arrecadação sindical, provocou fragilização sindical; (iii) a quebra do princípio da gratuidade na Justiça do Trabalho provocou o seu desmonte por meio do agora mais difícil acesso dos trabalhadores a ela.
Pouco mais de quatro anos após entrar em vigor, os resultados da reforma são frustrantes para os que apelavam para a criação de empregos para justifica-la e defende-la: a economia brasileira segue estagnada, e os indicadores do mercado de trabalho são desapontadores, ostentando taxas ainda elevadas de desemprego, desalento, informalidade, e queda dos rendimentos reais do trabalho. Por outro lado, a reforma foi exitosa do ponto de vista dos objetivos inconfessos: as taxas de lucro foram restauradas, especialmente no setor não-financeiro da economia brasileira.
Esses resultados já eram esperados. O argumento segundo o qual a redução do custo do trabalho era requisito necessário para a recuperação econômica não tem qualquer sustentação. A redução do custo do trabalho (salário, encargos trabalhistas, direitos) somente gera empregos em situações muito específicas em que os custos de um empreendimento são elevados e não serão compensados pelas receitas decorrentes desta atividade, desencorajando o empresário a nela investir. Neste caso, redução de custos pode levar à viabilidade econômica do empreendimento e levar a contratações de trabalhadores. Mas ainda que sejam válidas estas condições, a sociedade precisa fazer uma reflexão profunda: são socialmente necessários os empreendimentos cuja sobrevivência requer o aviltamento das condições de seus trabalhadores? Que tipo de sociedade se está construindo se a viabilidade econômica dos empreendimentos requer trabalhadores com baixos salários e desprovidos de direitos? Neste caso, a prosperidade econômica, quando vier (e se vier) será quase inteiramente apropriada pelos empresários na forma de lucros, agravando o problema distributivo.
Mas, ao contrário do que supõem os apologéticos da reforma trabalhista, entre 2003 e 2014 o saldo líquido de geração de empregos formais no País foi de 14 milhões (conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do antigo Ministério do Trabalho e Emprego), sob a legislação trabalhista vigente até então, e a taxa de desocupação atingiu a mínima histórica em 2014. Empresários, em qualquer setor de atividade, contratam trabalhadores quando têm boas expectativas quanto à demanda crescente pela sua produção, o que os leva a expandi-la, e, se o crescimento da demanda for consistente, expandem também a capacidade produtiva. Sob tais condições, os empresários contratam trabalhadores dadas as condições salariais e normativas vigentes. Se, ao contrário, as perspectivas econômicas forem pessimistas e não houver demanda pela produção, a redução de custos do empresário (incluindo os custos de contratação dos trabalhadores) resultará não em mais empregos, mas sim em mais lucro para o mesmo nível de demanda vigente. Em suma, o que gera empregos é uma economia que possui um mercado interno pujante, capaz de gerar boas perspectivas de demanda futura pela produção, e não uma economia em que trabalhadores estejam empregados em condições aviltadas, com baixos salários, sem direitos e perspectivas.
Façamos, ainda assim, e com muita boa vontade, um exercício supondo que de fato o aviltamento das condições de trabalho expressos na reforma trabalhista tivessem condições de gerar os milhões de empregos prometidos por Henrique Meirelles, Michel Temer e Jair Bolsonaro (que, não nos esqueçamos, chantageou seus eleitores ao contrapor os empregos sem direitos aos direitos sem empregos). E também com muita boa vontade, suponhamos que esses milhões de empregos que de fato seriam gerados não o foram devido a uma combinação de efeitos negativos decorrentes das privatizações não realizadas, da ainda elevada dívida pública, das outras reformas que ainda são consideradas necessárias, enfim, toda a agenda neoliberal ainda inconclusa utilizada como pretexto para justificar as altas taxas de desemprego vigentes depois da reforma trabalhista. Ora, então o mínimo que se pode dizer é que se os impactos supostamente positivos advindos da reforma trabalhista podem ser tão facilmente compensados, é porque a promessa de geração de empregos condicionada a ela era frágil e falaciosa.
Neste caso, a reforma trabalhista pode e deve ser revogada, e os direitos que foram surrupiados dos trabalhadores devem ser devolvidos. A geração de empregos ocorrerá quando a economia brasileira for capaz de sustentar uma demanda interna crescente e consistente, compatível com a decisão de produção e de investimento dos empresários. Enquanto a economia brasileira estiver letárgica, somente uma força exógena poderá retirá-la destas condições: o gasto público, na forma da expansão das transferências de renda, de contratação de servidores, e principalmente da contratação de novos investimentos. A sustentação posterior do nível de atividade requererá um mercado interno pujante, para o qual contribuirá um mercado de trabalho em que os trabalhadores tenham empregos formais, com salários e direitos assegurados.
Referência
JUSTEN, Agatha; GURGEL, Claudio. Neoliberalismo, queda da taxa de lucro e política pública do trabalho no Brasil. Cadernos de Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 26, n. 85, pp. 1-20.
Victor Leonardo de Araujo é professor da Faculdade de Economia da UFF e coordenador do Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB).