Reforma trabalhista precisa, sim, ser revista

Fotografia: Alan White/Fotos Públicas

Futuro governo deve avaliar efeitos nefastos da Lei 13.467/17 sobre mercado de trabalho.

Cássio Casagrande

Fonte: Jota
Data original da publicação: 31/01/2022

A campanha eleitoral para a Presidência da República já está em curso e um tema que já suscita controvérsias é a reforma trabalhista aprovada no governo Michel Temer (MDB). O Partido dos Trabalhadores anunciou inicialmente, pela sua presidente Gleisi Hoffmann, que a plataforma do seu candidato incluiria a revogação da Lei 13.467/17. Mais comedido, o próprio Luiz Inácio Lula da Silva afirmou pretender apenas uma “revisão” do diploma.

As declarações – ainda que desencontradas — dos líderes petistas causaram certo rebuliço e os seus oponentes no campo da direita (inclusive o presidente Jair Bolsonaro) atacaram a manifestação como uma possibilidade de “retrocesso” econômico. Quem ouve essas críticas poderia ser levado a acreditar que a reforma é um sucesso retumbante, mas a realidade é bem diferente.

Se o leitor se der ao trabalho de ler a exposição de motivos do projeto legislativo que resultou na reforma trabalhista, ou de simplesmente recorrer às declarações do então ministro da Economia do governo Temer, recordará que os principais objetivos da reforma eram a redução do desemprego, o aumento da formalidade e a “modernização” das relações de trabalho.

De novembro de 2017, quando a Lei 13.467/17 entrou em vigor, até o presente, não houve qualquer melhora sensível no nível de emprego no país. A taxa de desocupação no último trimestre de 2017 era de 11,9%, segundo o IBGE, e nos últimos quatro anos variou em torno de uma média de 12%, alcançando picos de 15% durante os piores períodos da pandemia, tendo retornado no final do ano passado a 11,6%. Ou seja, o efeito da reforma trabalhista foi completamente nulo e é bom lembrar que seus defensores, entre eles o então ministro Henrique Meirelles, previam a criação de até 6 milhões de empregos no curso de dez anos, ou 600 mil novos empregos ao ano, o que não aconteceu.

O suposto crescimento da “formalização” do trabalho tampouco ocorreu. Hoje a taxa de trabalhadores informais é simplesmente maior do que a do final de 2017. As mudanças na lei trabalhista tiveram ainda um efeito deletério sobre os salários da classe trabalhadora. No último trimestre de 2017, o rendimento médio do trabalhador brasileiro era de R$ 2.604 e no final do ano passado atingiu R$ 2.444. Não se pode culpar a pandemia por isso, pois em diversos países europeus e nos EUA, os níveis de emprego já voltaram aos patamares do período pré-pandêmico e a renda dos trabalhadores está em crescimento.

Para além das estatísticas que demonstram o fracasso retumbante da reforma trabalhista, é preciso avaliar os seus efeitos do ponto de vista de seu impacto sistêmico sobre o modelo de relações de trabalho brasileiro, para se perceber que não houve “modernização” alguma, ao contrário, ocorreu um grande retrocesso nas normas de proteção sindical e tutelar dos empregados com carteira assinada.

A pretendida “modernização” do Direito do Trabalho brasileiro estava baseada no conceito de prevalência do negociado sobre o legislado. A ideia de fortalecer a negociação coletiva diante da norma positivada não é, em si, ruim e pode dar bons frutos se bem concebida. Ocorre que, apesar de a Lei 13.467/17 enunciar que acordos e convenções coletivas devem se sobrepor à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a norma simplesmente esvaziou a negociação coletiva, ao dispensar a intervenção sindical em temas como compensação da jornada, banco de horas, terminação coletiva, entre outros.

Além disso, um modelo de “negociado sobre o legislado” pressupõe sindicatos fortes e bem estruturados financeiramente, com capacidade de se contrapor ao capital. Não há dúvida de que o modelo anterior de imposto sindical era ruim, um resquício da era corporativa do Direito do Trabalho, incompatível com os dias que correm, pois vincular sindicato ao aparelho estatal nunca é bom.

No entanto, o correto teria sido substituir esse modelo por outro em que os sindicatos pudessem estabelecer contribuições compulsórias de todos os empregados que se beneficiam da negociação coletiva, evitando os “free riders”, que auferem aumentos salariais decorrentes de campanhas sindicais, sem concorrerem para seu custeio. Ou, alternativamente, estabelecer que apenas trabalhadores sindicalizados se beneficiariam de condições estabelecidas em acordos ou convenções coletivas. O modelo tal como saiu da reforma trabalhista resultou em sindicatos à beira da falência e queda brutal no número de instrumentos normativos, como atestam estatísticas do próprio Ministério do Trabalho.

Outro aspecto que merece maior consideração pelo futuro governo e novos legisladores, ainda no tema da “modernização”, é aquele que diz respeito à forma como a terceirização foi regulada, pois a norma pouco clara e indulgente acabou incentivando a contratação de trabalhadores como “pessoa jurídica”, em termos claramente fraudulentos. O Direito do Trabalho brasileiro nunca “proibiu” a terceirização, apenas estabeleceu parâmetros jurisprudenciais para evitar a intermediação de mão de obra ilícita. Esses critérios foram afastados pela reforma e nada veio no seu lugar. É preciso repensar esse modelo, não só para a inclusão de uma responsabilidade solidária dos contratantes, como também em relação aos efeitos nefastos que a proliferação de “PJs” gera para o financiamento da previdência social.

Para além destes inúmeros problemas relativos aos contratos de trabalho e à representação sindical, a reforma também produziu efeitos funestos sobre o direito processual do trabalho, como, por exemplo, normas excessivamente permissivas para acordos extrajudiciais. Mas essa conversa fica para outro dia.


Cássio Casagrande
 
é doutor em Ciência Política, professor de Direito Constitucional da graduação e mestrado (PPGDC) da Universidade Federal Fluminense – UFF. Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro.

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