Sem dúvida, projeta-se melhoria do ambiente de negócios, mas leia-se bem: O negócio da fraude trabalhista. E seus delinquentes mandam um salve.
Rodrigo Trindade
Fonte: Revisão Trabalhista
Data original da publicação: 03/11/2019
Combater a criminalidade? Diminua penas e facilite solturas.
Perseguir sonegadores de impostos? Acabe com fiscalização e não reponha o surrupiado.
Lutar contra a corrupção? Esconda negociatas e legalize propinas.
No clássico Mundo-Bizarro das histórias em quadrinhos tudo é grotesco e ao contrário; e é isso mesmo que parece a anunciada intenção do governo federal de reduzir a correção dos débitos trabalhistas. Lutar contra a delinquência trabalhista? Estimule inadimplementos.
Segundo reportagens de Estadão e UOL, o Executivo estuda reduzir pela metade a correção das dívidas trabalhistas. Atualmente é utilizado o IPCA-E (inflação) somado a módicos 12% ao ano. Com isso, o passivo dobra a cada cinco anos. A pretensão anunciada é de manter o atualizador da inflação e agregar mais 6% da poupança, fazendo com que o passivo demore quase dez anos para dobrar.
Em um planeta redondo, combate-se a delinquência impondo penas pesadas e medidas que efetivamente dissuadam a ilicitude. Fornecedores de produtos inseguros recebem multas pesadas até que consertem suas práticas e não repitam os erros; criminosos recorrentes são mantidos enjaulados e sem direito à progressão; corruptos, fraudadores e sonegadores têm penas pesadas, cassação de direitos e sofrem outras medidas punitivas que sejam pedagógicas, desestimulem e sirvam de exemplo a todos.
Mas talvez nem todos os delinquentes devam ser punidos. Pretende-se atualizar o débito trabalhista com muito menos que uma aplicação financeira razoável possa oferecer no mesmo período. Ou seja, se o infrator deveria ter pago, não pagou e houve condenação, basta colocar o valor do débito em uma aplicação medíocre e ainda sair no lucro quando finalmente for executado. Para evitar a procrastinação de débitos é que inventaram juros e multas. Se eles forem baixos, vale mais chutar para frente e lucrar no mercado financeiro.
O combate à delinquência de direitos trabalhistas devia seguir a lógica do combate aos demais transgressores. Se o valor da pena for praticamente igual ao que deveria ter sido normalmente pago ao tempo correto, o efeito de desestímulo fica praticamente zerado. Definitivamente, é um mundo bizarro. Os infratores que conseguem ser pegos ficam com suas condenações inefetivas, ampliam-se os estímulos da fraude, desencoraja-se o cumprimento voluntário e enfraquece-se a justiça concorrencial ao prejudicar a maioria dos empresários que escolhem cumprir a lei. Os bons são punidos e os maus laureados.
Sem dúvida, projeta-se melhoria do ambiente de negócios, mas leia-se bem: O negócio da fraude trabalhista. E seus delinquentes mandam um salve.
Rodrigo Trindade é Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (2007), Especialista en Derecho Laboral pela Universidad de la Republica, Uruguai (2013), Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Unibrasil (2004). Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da IV Região, desde 2002.