As propostas do vice-presidente, Michel Temer, para tirar o país da crise econômica em seu eventual governo, caso a presidenta Dilma Rousseff tenha de enfrentar o processo de impeachment, foram duramente criticadas na quarta-feira (26/04) no seminário “Trabalhadores e Trabalhadoras em Tempos de Crise: Construindo Alternativas”, realizado em São Paulo pela UGT e pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lena Lavinas mostrou preocupação principalmente com a proposta de desindexação dos benefícios previdenciários pelo salário mínimo. “O salário mínimo tem de manter a vinculação ao piso previdenciário. Temos de impedir que a mudança aconteça, porque vai levar ao empobrecimento da classe trabalhadora. Em vez disso, precisamos defender o fim das desonerações de capital, o fim da Desvinculação de Recursos da União (DRU) sobre a seguridade social e elevar a produtividade no trabalho para os salários poderem crescer”, afirmou. A DRU é um dispositivo de gestão do orçamento, que tem permitido ao governo aplicar 20% de seus recursos em áreas diferentes daquelas definidas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
O pesquisador do Cesit e professor da Unicamp José Dari Krein alertou para os riscos de a proposta permitir que os acordos em convenção coletiva prevaleçam sobre as nomas legais, um dos itens que também é defendido por Temer no documento que o PMDB tornou público no fim do ano passado, chamado “Uma ponte para o futuro”, quando começaram a avançar as discussões sobre o impeachment na Câmara Federal. “Essa é a busca de se compatibilizar os direitos trabalhistas com a situação do capital atualmente. É uma nova ordem dada pela hegemonia neoliberal, com base no padrão da flexibilidade”, afirmou, destacando que as empresas querem maior liberdade para definir jornadas e formas de contratação.
O pesquisador disse que a reforma trabalhista com caráter de retrocesso, tema que originalmente começou a ser discutido nos anos 1980 nos países avançados, ganha força no contexto atual do Congresso Nacional, onde tramitam 55 projetos que ameaçam direitos trabalhistas. “É uma ofensiva para desconstruir a proteção social dos assalariados”, afirmou, ao reconhecer que as empresas usam o argumento da flexibilização de normas para que possam conquistar mais competitividade. Krein também considera que a flexibilidade pretendida fortalece a negociação coletiva e ao mesmo tempo enfraquece a representação sindical.
Ele vê ainda entre as ameaças de retrocesso o avanço da terceirização em todas as áreas, o fim do aumento real de salário e a extinção dos mínimos regionais. “Flexibilizar é reduzir direitos”, disse o pesquisador, ressaltando que não existe estudo que comprove a tese de que a flexibilização do mercado de trabalho seja capaz de produzir mais empregos. “É um quadro complicado que se avizinha. A crise é profunda, o nível de descontentamento da sociedade começa a se exacerbar”, afirmou.
Ao mesmo tempo, Krein reconheceu que tem surgido fora das instituições uma resistência aos retrocessos, e citou a mobilização estudantil contra a reforma do ensino público em São Paulo, que marcou o ano passado. Lembrou ainda a atuação política das torcidas organizadas e disse que 2015 foi o ano de maior nível de mobilização do movimento sindical desde os anos 1990 por conta dos ataques aos direitos trabalhistas promovidos pelos parlamentares. “A luta contra a terceirização foi o grande tema de 2015”.
Segundo o professor, a questão mais profunda que está por trás das tensões entre trabalhadores e empresas é que em vez de construir uma economia dinâmica, como querem as empresas, é preciso pensar em “construir uma nação” e por isso, os direitos e a cidadania são fundamentais.
Também pesquisador do Cesit e professor da Unicamp, Anselmo Luís dos Santos fez uma retrospectiva das razões que levaram a economia do país à crise atual, observando que a partir de 2012 o ciclo internacional de alta de preços das commodities, a expansão do crédito no país e o consumo mostraram sinais de esgotamento. “Tínhamos de passar do ciclo de consumo para o investimento, mas isso não aconteceu”, afirmou, destacando que seria preciso ter mantido o papel do Estado como indutor do crescimento, mas “isso não foi conseguido pelo governo e a desaceleração da economia tem sido brutal”.
O professor disse também que o PT não teve um projeto político e econômico para transformar o país desde que assumiu o governo. “A reforma tributária não foi feita, os juros continuaram altos e, assim, como se pode induzir o crescimento”, indagou. Para Santos, faltou ao governo promover algum tipo de ruptura para efetivamente poder transformar a realidade do país, o que não aconteceu. “Sem o contexto internacional das commodities, a renda e o crédito no país se esgotaram. E nós não fizemos nenhuma ruptura, não fizemos também a reforma agrária e a reforma urbana”, afirmou.
Santos lembrou que na atual crise, o desemprego já cresceu 40% e que isso também ameaça a coesão e força dos movimentos sindicais. O pesquisador não vê outra solução para o país sem que o governo baixe os juros. “Juros mais baixos liberam dinheiro para o país investir, mas é preciso fazer uma reforma tributária progressista e cobrar impostos dos mais ricos”, defendeu. Ele avalia que essa reforma permitiria melhorar a capacidade de financiamento da economia, retomando os investimentos. Mas ao mesmo tempo ele admite a dificuldade dessa pauta, por conta do momento político delicado. “É difícil ter força política para fazer, o governo nesses anos, desde Lula, aceitou o receituário neoliberal.”
Processo de ‘financeirização’
A professora da UFRJ Lena Lavinas disse que o capitalismo passa atualmente por um processo de “financeirização” que está também levando a uma mudança no modelo de atuação do Estado. Segundo ela, historicamente, depois da Segunda Guerra Mundial, os países europeus puseram fim à mercantilização da educação, saúde e moradia para criar um sistema de proteção social e garantir a cidadania. É o que ela chama de “Estado provedor”, modelo que foi necessário para que o mundo se recuperasse dos problemas da grande guerra.
Lena destaca, no entanto, que a partir dos anos 1980 e 1990, a atuação do Estado começou a mudar para assumir um papel de “promotor” do desenvolvimento até chegar aos dias atuais, “em que o Estado é fiador” do desenvolvimento. Ele cita como exemplo o programa do Fies, que financia cursos superiores para estudantes em universidades particulares, sendo que ao término do curso o estudante tem uma dívida com o sistema financeiro. Ela diz também que o Bolsa Família segue a mesma lógica, transformando cada beneficiário em uma pessoa com inclusão bancária. “Todo mundo vai ter uma renda básica e o resto vem com acesso ao mercado financeiro”, disse.
Fonte: Rede Brasil Atual
Texto: Helder Lima
Data original da publicação: 26/04/2016