O Governo brasileiro deve tomar medidas efetivas que garantam o amplo direito à negociação coletiva. Essa é a conclusão do relatório da Comissão de Peritos em Aplicação de Normas Internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento leva em conta as informações prestadas por entidades representativas de trabalhadores e de empregadores, bem como do próprio Governo brasileiro sobre as medidas tomadas em relação a violações identificadas pela OIT a convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
O “caso Brasil” vem sendo discutido pela OIT desde 2017, durante a tramitação final da proposta legislativa que daria origem à reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), que alterou mais de 100 artigos da CLT afetando, entre outros direitos, o da negociação livre e autônoma, bem como princípios básicos do Direito Internacional do Trabalho. Entre as convenções ratificadas pelo Brasil e que continuam sob exame da Comissão estão as de números 98 e 141, relativas ao direito de organização e de negociação coletiva.
“A Comissão faz um estudo técnico das informações prestadas pelos países membros sobre as convenções ratificadas dentro de ciclos (de três anos para as Convenções fundamentais, como a Convenção 98, ou cinco anos, para as demais Convenções), quando os assuntos são revistos”, explica o ministro Lelio Bentes Corrêa, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que é membro da Comissão desde 2006. No caso do Brasil, o relatório foi encaminhado ao Governo Federal via Ministério da Economia (Secretaria Especial de Previdência e Trabalho) e deve ser examinado pela Comissão de Aplicação de Normas Internacionais do Trabalho na 108ª Conferência da OIT, em Genebra, nos meses de maio e junho deste ano.
No caso da Convenção nº 98, o relatório solicita que o Governo brasileiro tome medidas que coíbam atos antissindicais; que revise os artigos da CLT alterados pela reforma que permitem a negociação coletiva ampla, inclusive contrariando a lei (arts. 611-A e 611-B, CLT) e a negociação direta entre empregados e empregadores sem a participação dos sindicados (art. 444, CLT); bem como que tome medidas para facilitar a negociação coletiva dos “trabalhadores autônomos” (art. 442-B, CLT).
Com relação à possibilidade de negociação direta entre empregados e empregadores, o diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Anamatra, Marcos Barberino, observa que Lei 13.467/2017 criou institutos jurídicos controversos e de difícil manejo no sistema jurídico. “A figura do hiperssufuciente (art. 507-A, CLT) chega a agregar preconceitos sociais à renda como critérios para aferir a liberdade de consciência. A associação entre grau de educação formal e renda como critérios de certificação da cidadania remonta ao voto censitário do século XIX”, critica o magistrado.
Ainda em relação à Convenção nº 98, a Comissão aponta que o Governo não respondeu a duas questões: quais medidas foram tomadas para se garantir que os compromissos firmados pelas convenções coletivas sejam garantidos nos acordos (art. 620, CLT); e sobre a necessidade de se alterar a CLT (art. 623) de forma que a política econômico-financeira do Governo não represente entrave à negociação de convenções e acordos coletivos.
Já com relação à Convenção nº 141, a Comissão de Peritos dirige suas preocupações, em especial, ao direito de representação sindical dos trabalhadores rurais. Ainda segundo a OIT, restam pendentes de adequação à referida norma internacional dispositivos da CLT que afetam o direito à liberdade sindical, entre eles o que proíbe a constituição de mais de uma organização sindical da mesma categoria profissional ou econômica em dada base territorial, a chamada unicidade sindical (art. 516, CLT).
MP 905
Na contramão das orientações da OIT, o Governo Federal criou, pela Medida Provisória 905/2019, o Programa Verde e Amarelo, entre outros problemas, impactando de forma negativa na autonomia negocial dos sindicatos. Isso porque a medida estabelece que as normas previstas em convenções e acordos coletivos de trabalho prevalecem sobre a legislação ordinária e sobre Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho.
“Na prática, a MP enrijece a possibilidade de negociação coletiva, indo na contramão da plasticidade das fontes do Direito do Trabalho e da possibilidade de incremento da condição social do trabalhador, conforme prevê a própria Constituição Federal”, alerta a presidente da Anamatra, Noemia Garcia Porto.
Clique aqui e confira a íntegra do relatório
Fonte: Anamatra
Data original da publicação: 09/03/2020