O trabalho remoto e as condições das mulheres no contexto da pandemia COVID-19

Uma das conclusões que a pesquisa permitiu extrair, foi a de que a modalidade do trabalho realizada no âmbito doméstico apresenta aspectos negativos que atinge ambos os sexos, mas não de forma igual. Prevalece a desigualdade na divisão do trabalho doméstico e de cuidados, levando as mulheres a jornadas superextensas de trabalho.

Maria Aparecida Bridi, Giovana Uehara Bezerra e Alexandre Pilan Zanoni

Fonte: REMIR Trabalho
Data original da publicação: 14/09/2020

A urgência de se compreender as transformações no mundo do trabalho atualmente faz necessitar um estudo sobre o trabalho remoto, tendo em vista que a pandemia provocada pelo COVID-19 impôs a necessidade do distanciamento social, fazendo com que empresas e instituições adotassem o trabalho remoto para 8,2 milhões de trabalhadores no Brasil, segundo a PNAD-Covid19. Dito isso, este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos resultados da pesquisa no que toca à transição, que se deu de forma quase imediata, para a modalidade remota em razão da pandemia. Os dados, de modo geral, salientam que mulheres e homens vivenciam o trabalho remoto de formas distintas e que as desigualdades entre homens e mulheres persistem no trabalho no contexto do trabalho remoto, uma vez que tarefas domésticas e de cuidado dos filhos permanecerem atribuídas assimetricamente às mulheres.

O presente artigo, traz portanto, os resultados da pesquisa “O trabalho remoto/home office no contexto da COVID-19”, consequência do esforço em conjunto de pesquisadores e discentes da UFPR (Universidade Federal do Paraná), vinculados ao GETS (Grupo de Estudo Trabalho e Sociedade) e em parceria com a REMIR (Rede de Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista).
A metodologia da pesquisa teve duas abordagens, uma quantitativa que envolveu a análise e descrição dos dados respondidos pelos 906 entrevistados na pesquisa realizada em maior de 2020. Os dados foram tabulados utilizando o software Microsoft Excel, o que permitiu o recorte e a separação das respostas de acordo com o sexo, filhos e avaliação do trabalho remoto. E uma análise qualitativa das respostas abertas, com o auxílio do software KH Coder. Este possibilitou a visualização das redes de coocorrência das palavras mais frequentes e centrais presentes nos relatos de experiência do trabalho remoto de mulheres e homens.

As condições do trabalho remoto entre mulheres e homens se distinguem

A pandemia da COVID-19 alterou bruscamente o cotidiano da sociedade como um todo, pois o isolamento/distanciamento social tornou-se a diretriz principal da Organização Mundial da Saúde (OMS) para minimizar a transmissão do vírus. Devido à surpresa e urgência da situação, milhões de trabalhadores passaram executar suas atividades laborais na modalidade remota, muitos sem planejamento algum quanto à infraestrutura do local de trabalho – que para a maioria é a própria casa –, quanto ao material e tecnologias, quanto à duração da jornada de trabalho, salários, entre outros. Somado a esse contexto, também foi necessário interromper o funcionamento presencial de instituições fundamentais para o cuidado, como creches e as escolas.

Assim, em meio a todas as mudanças nas várias dinâmicas da sociedade, são necessários estudos que identifiquem as condições de trabalho nos diversos segmentos e setores econômicos e como se dá a adaptação da mudança do trabalho presencial para o trabalho remoto. Além disso, faz-se necessário compreender como o trabalho remoto se configura em razão da assimetria entre os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres e que ainda prevalecem bem demarcados na sociedade, apesar dos mudanças culturais, politicas forcejadas pelas lutas sociais em torno da igualdade entre os sexos. Isto porque, historicamente, as mulheres são incumbidas ao trabalho reprodutivo e de cuidados, e, nesse momento em que o trabalho produtivo e o cuidado passaram a se reconcentrar nos domicílios, as mulheres ficaram ainda mais sobrecarregadas. Ou seja, as relações de trabalho e atividades domésticas (não remuneradas) se sobrepõem, fazendo com que elas trabalhem mais, pois as tarefas domésticas permanecem distribuídas desigualmente entre homens e mulheres.

Participaram dessa pesquisa, 906 pessoas que tiveram que trabalhar na modalidade remota (a partir de casa), sendo respondida por 614 (67,77%) mulheres e de 292 homens (32,23%).

Os resultados da pesquisa mostram que com relação ao perfil dos respondentes, a maior parte de trabalhadores concentram-se na faixa etária entre 31 a 50 anos, correspondendo respectivamente 65,07% do total de respondentes homens e 70,15% do total de respondentes mulheres. Quanto ao estado civil, o maior percentual está nos que responderam casados, sendo 52,05% dos homens e 43% das mulheres. Quase metade dos entrevistados declararam-se sem filhos, sendo 43,49% dos homens e 41,69% das mulheres. Declararam ter 1 filho, 23,63% dos homens e 26,38% das mulheres e os que declaram ter 2 filhos são 22,95% dos respondentes homens e 25,08% das mulheres. Quanto à escolaridade, os entrevistados e entrevistadas possuem elevada escolarização, uma vez que somado a porcentagem dos que possuem superior completo, especialização, mestrado e doutorado constituem 93,66% das respondentes mulheres e 90,4% dos respondentes homens.

Nossa hipótese de que as condições se trabalho se revelariam mais intensificadas seja em termos de jornadas seja em de dias trabalhados se confirmou. O recorte sobre o número de filhos demonstrou que, para as mulheres com dois filhos, há tendência crescente de trabalhar mais dias por semana, e decrescente nas mulheres sem filhos. O mesmo não se observa em relação aos homens com filhos. Dentre as mulheres que trabalham sete dias por semana, as que possuem dois filhos representam a maioria com 35,51%. Inferimos desta análise que as mulheres, devido ao acúmulo de tarefas domésticas e de cuidado dos filhos, são mais interrompidas durante suas jornadas de trabalho e necessitam de mais dias para realizarem as mesmas atividades que seus colegas homens.

Com relação às horas diárias de trabalho presencial, 38,11% das respondentes mulheres e 41,78% dos respondentes homens, apontaram que trabalhavam oito horas diárias em média, 19,86% dos homens e 14,33% das mulheres trabalhavam mais de oito horas diárias, 28,99% das mulheres e 19,52% dos homens informaram que trabalhavam seis horas diárias, enquanto 12,38% das mulheres e 11,30% dos homens indicaram que trabalhavam sete horas diárias e 6,19% das mulheres e, por fim, 7,53% dos homens apontam que trabalhavam menos de seis horas diárias.

Segundo os dados da pesquisa, com relação aos dias de trabalho durante a semana antes da pandemia, a maioria dos respondentes homens (78,42%) e mulheres (82,57%) respondeu que trabalhavam cinco dias por semana. 7,65% dos homens e 9,93% das mulheres trabalhavam seis dias por semana. 1,47% das mulheres e 4,11% dos homens trabalhavam sete dias por semana. Já durante a pandemia, o percentual de trabalho cinco dias por semana caiu para 56,84% das mulheres e 55,48% dos homens, o que, por outro lado, fez subir o percentual dos que trabalham seis dias (18,89% mulheres e 16,44% homens) e sete dias (17,43% mulheres e 18,49% homens) de trabalho.

No que tange ao ritmo de trabalho, 50,98% das mulheres e 43,15% dos homens passaram a laborar em um ritmo mais acelerado na modalidade remota em razão da pandemia. Ademais, 32,88% dos homens e 31,92% das mulheres perceberam uma diminuição no ritmo de trabalho. Há também aqueles que não tiveram seu ritmo de trabalho alterado na modalidade remota, inclusive afirmaram que o ritmo se manteve o mesmo do que o presencial.

A análise das respostas abertas, isto é, dos depoimentos dos entrevistados sobre a experiência do trabalho realizado no domicilio, realizada por software de análise textual, partiu do recorte e da comparação de homens e mulheres com objetivo de captar se haviam diferenças quanto ao recorte de sexo. A recorrência de palavras entre ambos apresentou distinções significativas, evidenciando a ausência nas respostas dos homens de menção aos termos centrais respondidos pelas mulheres, sugerindo uma assimetria quanto às atividades de cuidado dos filhos e da casa em relação ao sexo. Para os homens são centrais os termos “tempo”, “contato”, “pandemia” e “casa”, sendo que o termo “casa” se associa à questão de gestão do tempo de trabalho e não a do cuidado com filhos e ao trabalho doméstico. Para as mulheres, apareceu com frequência expressiva, termos relacionados à dificuldade de concentração e às interrupções que sofrem durante a atividade laboral em casa. Já para os homens, o termo “dificuldade” aparece conectado à questão de falta de contato com os colegas.

A análise dos dados, portanto, revela uma divisão sexual do trabalho que embora não corresponda exatamente a um modelo tradicional, onde o papel na família e doméstico eram assumidos inteiramente pelas mulheres, e o papel de provedor sendo dos homens, no modelo atual, de conciliação, cabe quase que exclusivamente às mulheres conciliar vida familiar e vida profissional, sobretudo quando estão reunidos no espaço doméstico.

Uma das conclusões que a pesquisa permitiu extrair, foi a de que a modalidade do trabalho realizada no âmbito doméstico apresenta aspectos negativos que atinge ambos os sexos, mas não de forma igual. Prevalece a desigualdade na divisão do trabalho doméstico e de cuidados, levando as mulheres a jornadas superextensas de trabalho, o que sugere a necessidade de repensarmos o trabalho remoto, que provavelmente será uma tendência nos próximos anos, e de propormos formas alternativas e mais justas de reorganizar a sociedade, o trabalho e a economia.

Referências

ZANONI, Alexandre Pilan; BEZERRA, Giovana Uehara; BRIDI, Maria Aparecida. Banco de dados gênero: “Trabalho remoto/home-office no contexto da pandemia COVID-19”. Curitiba: GETS/UFPR; REMIR, 2020. BRIDI, Maria Aparecida; BOHLER Fernanda R.; ZANONI, Alexandre P. Relatório técnico da pesquisa: Trabalho remoto/home office no contexto da pandemia COVID-19. Curitiba: GETS/UFPR; REMIR, 2020.

Maria Aparecida Bridi é socióloga, professora do Despartamento de Sociologia (DECISO) e do Programa de Pós Graduação em Sociologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Giovana Uehara Bezerra é advogada, mestranda em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP. Cursa a Especialização: “Políticas de cuidado com perspectiva de gênero, realizada pelo Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO) e pela FLACSO Brasil com o apoio da CEPAL.

Alexandre Pilan Zanoni é graduado em Ciências Sociais pela UFPR. Mestre e doutorando em Sociologia pela mesma instituição.

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