O cobertor é curto e as mulheres sentem mais frio

A presidente Dilma e o governo federal estão ‘puxando a coberta’ para um lado. Resta aos trabalhadores, e em especial às organizações protagonizadas por mulheres, puxá-la para o outro.

Juliane Furno

Fonte: Brasil Debate
Data original da publicação: 22/09/2015

O ano de 2015 parece encerrar um ciclo no qual os governos PT desafiaram a máxima da ciência política, que afirmava a impossibilidade de distribuir ganhos sem gerar conflitos de classe.

A melhora no cenário internacional e a opção por um modelo – ainda que incompleto – de desenvolvimento aliando crescimento econômico, melhora nos indicadores do mercado de trabalho e políticas públicas foi possível por condições conjunturais que permitiram ao Brasil maximizar suas vantagens comparativas e auferir taxas maiores de crescimento.

Ademais, a passagem recente de um modelo neoliberal demasiadamente precarizador das condições de trabalho e emprego contribuiu para que o ambiente político e econômico dos anos 2000 – com queda no desemprego e reajustes salariais com aumento real – reestruturasse o mercado de trabalho e construísse uma percepção subjetiva de que rumávamos para um novo momento na trajetória de superação das desigualdades no Brasil.

O Brasil, no entanto, parece estar em novo caminho de inflexão da política econômica, privilegiando a riqueza financeira e penalizando os trabalhadores. Isso, somado à crise internacional pela qual o capital passa desde 2007, fez com que o nosso cobertor ficasse mais curto, em um período gelado da economia mundial.

O professor Armando Boito já falou que a opção conciliatória dos governos petistas esbarra em condicionantes estruturais que os impedem de avançar, qual seja: a manutenção de uma política econômica neoliberal, representada pelo tripé macroeconômico.

Nos períodos de crise, os trabalhadores têm pagado a conta. Dentre eles, as mulheres sentem os retrocessos de forma mais significativa e no curto prazo. Do ponto de vista subjetivo, com o aumento do desemprego, as mulheres são chamadas a “retornar ao lar”, aliviando a pressão sobre a taxa de desocupação.

Programas como “salário-família” e auxílio à saída do emprego para dedicar-se à maternidade já têm sido implementados em diversos países europeus. Nos recentes dados de 2015 percebe-se que as mulheres seguem com o maior percentual de desemprego, superando a média nacional e ficando em torno dos 9,8%.

O diferencial de rendimento entre homens e mulheres também caiu nessa última década, associado à maior presença de mulheres auferindo rendimentos vinculados ao salário mínimo. Com a queda do crescimento e as perspectivas de cortes de gastos, o hiato salarial tende a voltar aos mesmos patamares.

Os anunciados cortes de gastos públicos – em uma clara política pró-cíclica – também recaem de forma mais significativa sobre as mulheres, que sofrem com a diminuição dos equipamentos públicos e das políticas de transferência de renda.

O avanço das pautas conservadoras e precarizantes também tendem a atingir as mulheres de forma diferenciada, como é o caso da possível aprovação do PL da terceirização. As mulheres são mais atingidas que os homens pelo trabalho precário, ausência de regulação, frequentes disputas judiciais pelo pagamento de direitos e outros elementos flexibilizadores da terceirização.

Além disso, percebe-se que o emprego doméstico é altamente correlacionado com o crescimento econômico, ou melhor, com a falta dele.

Se a trajetória recente tem apontado queda do percentual absoluto de mulheres ocupadas no emprego doméstico (formal ou não), a queda na presença de jovens e o aumento do rendimento, o ano de 2015 já apresenta reversão desse quadro, aumentando o contingente de mulheres que, ao ficarem desempregadas, encontram no emprego doméstico uma forma de inserir-se no mercado de trabalho.

Enfim, o cobertor ficou curto e parece que a estratégia de manter um modelo de desenvolvimento associado à distribuição e ao não conflito chegou a fim.

A presidente Dilma e o governo federal de forma geral estão “puxando a coberta” para um lado. Resta aos trabalhadores, e em especial às organizações protagonizadas por mulheres – puxá-la para o outro. Nessa queda de braço, a direita ainda tenta “tirar a coberta”, em uma clara oposição ao Brasil.

Juliane Furno é graduada em ciências sociais pela UFRGS, mestranda em desenvolvimento econômico na Unicamp e militante do plebiscito constituinte do comitê Unicamp.

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