Negociação coletiva e extensão de seus resultados no Brasil: permanências e rupturas

Adalberto Cardoso

Fonte: Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, 2018, p. 2117-2142. Dados, Rio de Janeiro, v.67, n. 1, 2024, p. 1-35

Resumo: O artigo analisa mecanismos e práticas da negociação coletiva e da extensão de seus resultados no Brasil, e procura sanar lacuna na literatura especializada sobre o tema, que não esteve, até aqui, atenta a ele. Prática corriqueira até a reforma decretada pelo regime militar em 1967, a extensão dos acordos coletivos a terceiros, ausentes das negociações, permanece vigente ainda hoje, embora com escopo bastante limitado, nem por isso desimportante. Além da contribuição específica ao debate, o artigo traz também olhar alternativo à literatura convencional sobre negociação coletiva no Brasil, segundo a qual esse mecanismo de solução do conflito de classe teria sido suspenso durante a ditadura de 1964, retornando à cena das relações de trabalho com a emergência do “novo sindicalismo” no fim da década de 1970. E mostra como a Justiça do trabalho “abdicou”, lentamente, de seus poderes na mediação do conflito de interesse entre capital e trabalho, apesar dos muitos instrumentos disponíveis de proteção de direitos difusos e subjetivos, inclusive os direitos humanos.

Sumário: Introdução | Por que estender resultados de negociação coletiva? | A Justiça do Trabalho: breve excurso histórico | Negociação coletiva x dissídios: duas formas de resolução de conflitos | As partes em negociação | A negociação na prática | A reforma constitucional de 1988 | A negociação na prática depois de 1988 | Conclusão

A reforma trabalhista decretada pelo governo do marechal Humberto Castelo Branco em 1967 é mais conhecida e estudada em razão do fim da estabilidade no emprego, e sua substituição pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)2 . Quase nenhuma atenção foi dada, contemporaneamente ou depois, a outra mudança crucial introduzida pelo Decreto- -Lei nº 127/1967: a distinção entre Acordo Coletivo de Trabalho, previsto no desenho original da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) na forma de “Contrato Coletivo”; e Convenção Coletiva de Trabalho, novidade do Decreto-Lei. Até ali, os resultados das negociações coletivas entre patrões e empregados valiam apenas para os trabalhadores e empregadores filiados a suas respectivas instituições representativas. Com a nova redação, tanto os Acordos Coletivos (celebrados entre uma ou mais empresas e o sindicato representativo de seus trabalhadores) quanto as Convenções (celebradas entre os sindicatos — incluindo federações e confederações — de uma e outra parte) passaram a ter validade erga omnes na(s) empresa(s), no caso dos Acordos, ou na base territorial dos sindicatos, no caso das Convenções. Isso representou uma mudança completa e profunda no papel desempenhado até ali pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho na regulação das relações trabalhistas entre nós.

De fato, até então um Contrato Coletivo, enquanto válido apenas para as partes contratantes, podia ter suas cláusulas estendidas a membros da mesma categoria profissional e/ou atividade econômica, desde que na mesma jurisdição dos contratantes, a critério seja do ministro do Trabalho, seja do juiz que tivesse lavrado sentença normativa após a instalação de um dissídio coletivo, ou homologado o acordo judicial por ele mediado. Ou seja, a autoridade pública desempenhava papel central na regulação do mercado de trabalho, não apenas na validação da lei — fato largamente conhecido — como também na efetivação dos resultados da negociação coletiva, que era outro espaço de produção de normas trabalhistas com valor de lei. A literatura sobre o tema no Brasil ignorou inteiramente tanto o papel que a extensão de acordos coletivos desempenhou na regulação das relações de trabalho antes de 1967, quanto as consequências de sua extinção (parcial, como pretendo mostrar aqui) pela reforma daquele ano.

O objetivo deste estudo é suprir essa lacuna existente na literatura sobre as relações de trabalho no Brasil, por meio da elucidação do papel da Justiça do Trabalho (JT) antes e depois da Reforma de 1967, no que respeita ao seu poder de estender o conteúdo do que era negociado entre patrões e empregados a outros trabalhadores e empresas não participantes das negociações coletivas. E ao contrário do que se possa imaginar, a extensão de acordos coletivos permanece prevista pela CLT, ocorrendo sob condições bastante restritas, porém.

Clique aqui para continuar a leitura deste artigo no site da Revista Dados

Autor é  ….

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *