por Charles Soveral
Analisar e aprofundar o debate sobre a realidade de uma das categorias mais discriminadas na sociedade brasileira. Este é objetivo do livro Emprego doméstico no Brasil: raízes históricas, trajetórias e regulamentação, da editora LTR, escrito pelas economistas Cristina Pereira Vieceli, Julia Giles Wünsch e Mariana Willmersdorf sob a coordenação do economista e professor do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Carlos Henrique Horn.
A obra procura entender, com abordagem interdisciplinar, como uma atividade tão importante para a sociedade moderna permanece em uma vala de discriminação e preconceito. “Mesmo com a regulamentação legal e alguns avanços, a empregada doméstica permanece sendo tratada de forma diferenciada ao conjunto dos demais trabalhadores. Carregamos um grande preconceito com essa categoria de trabalhadores”, avalia Cristina Pereira Vieceli, uma das auroras do livro, que foi construído a partir de sua dissertação de mestrado.
Cristina Pereira Vieceli lembra que a intervenção do professor Carlos Henrique Horn, durante uma apresentação de seu estudo em um evento da Society for the Advancement of Socioeconomics (SASE) em 2015 juntou o trabalho dela à análise sobre legislação do emprego doméstico, feminismo e políticas públicas das pesquisadoras Julia Giles Wünsch e Mariana Willmersdorf Steffen. “Nós não nos conhecíamos e neste evento percebemos que os nossos estudos eram complementares. O professor Horn então percebeu que juntando nossos trabalhos poderíamos ter um bom livro sobre o tema”, explica ela.
De acordo com a Organização mundial do Trabalho (OIT), o Brasil tinha, em 2013, cerca de 7,2 milhões de empregados domésticos, sendo 6,7 milhões de mulheres e 504 mil homens. A maior população de trabalhadoras domésticas do mundo em números absolutos. Os dados da OIT foram levantados em 117 países e não incluíram a China, que provavelmente possui um contingente ainda maior que o brasileiro.
Cristina Pereira Vieceli conta que no caso Brasileiro, como ocorre também em outros países com grandes desigualdades sociais, a maioria dos trabalhadores domésticos é constituída de mulheres (93%) e, dessas, as negras são a maioria (61%). “Há uma relação com nossa história, com a construção de nossa sociedade, guardando a cultura que vem lá do Brasil Colônia e do Brasil escravocrata e da falta de políticas públicas para a inserção de negros e pobres no mercado de trabalho”, diz a economista.
Preconceitos raciais e de gênero são alguns dos recortes que o livro da LTR apresenta. Cristina Pereira Vieceli esclarece que, já na década de 1930, surgiu um movimento liderado por Laudelina de Campos Mello (1904-1991), mineira de Poços de Caldas, que dedicou grande parte de sua vida à luta pelos direitos dos negros, das mulheres e das trabalhadoras domésticas. Laudelina em 1936 criou a Associação das Empregadas Domésticas do Brasil, que foi fechada pelo Estado Novo em 1942.
A pesquisadora lembra que essa é uma luta que ainda persiste, passados todos esses anos, pois a legislação específica para as trabalhadoras domésticas só surge em 1972 com a Lei nº 5859, que trouxe alguns direitos como benefícios e serviços da previdência social, férias anuais e carteira de trabalho. Com a Constituição de 1988, houve um novo avanço como 13º salário, repouso semanal remunerado, licença maternidade, aviso prévio, aposentadoria por idade, tempo de contribuição e invalidez.
Apenas em 2015, com a Lei Complementar n0 150, conhecida como PEC das Domésticas, é que foram assegurados outros direitos, como jornada máxima de 44 horas semanais e não superior a 8 horas diárias, o pagamento de hora extra, adicional noturno, seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Mas ainda não equiparou as trabalhadoras domésticas aos demais. Ao definir o trabalho doméstico a partir de três dias por semana, essa lei excluiu todas as trabalhadoras diaristas. Com a reforma trabalhista a situação do mercado de trabalho, de uma forma geral, essa situação tende a piorar, o que vai afetar toda a classe trabalhadora, principalmente as categorias que estão na base”, explica.
Um aspecto interessante destacado pela pesquisadora é que, até os anos 1990, a maioria dos empregados domésticos era constituída por mulheres jovens. Com a melhora da economia nos anos 2000, muitas dessas trabalhadoras migraram para outras atividades no comércio e em serviços, onde as remunerações são melhores. O espaço foi ocupado por mulheres de mais velhas. Agora, com o retorno da crise, é provável que as jovens voltem a procurar no trabalho doméstico um meio de sobrevivência. “A atividade é muito sensível ao momento econômico. As dificuldades que se estabelecem no universo dos trabalhadores brasileiros nos fazem crer que o cenário tende ficar mais duro ainda”, conclui Vieceli.
A obra pode ser adquirida diretamente de sua editora, inclusive em formato digital (e-book), em livrarias como Livraria Cultura e Saraiva (versão e-book) ou sebos cadastrados no site Estante Virtual.