Juíza do Trabalho denunciou não só o machismo, mas o desmonte do Estado

Valdete Souto Severo, juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, protagoniza uma entrevista no Sul 21, publicada na segunda-feira (16/01), que denuncia os ataques recheados de machismo e misoginia por causa de uma decisão que prejudicou os interesses do governo do Rio Grande do Sul. Mas não só isso. A reportagem deu a Severo espaço para que ela apontasse, sem economia de palavras, a gravidade dos golpes aos direitos sociais desferidos pela gestão de Michel Temer na Presidência – que tem sido conivente com tentativas de se esvaziar a Justiça do Trabalho.

Severo passou a ser atacada nas redes sociais no últimos dias com xingamentos como “puta”, “juíza de merda” e “vagabunda” por ter suspendido a demissão de funcionários de cinco fundações que foram extintas pelo governo de José Ivo Sartori (PMDB) no apagar das luzes de 2016. Esses funcionários foram contratados por concurso público, mas o Estado tentou demitir a todos, com a votação de um projeto na calada da noite, sem passar por negociação coletiva com sindicatos.

Uma página nas redes sociais especializada em difamar ideais progressistas criou um meme sobre a juíza que espalhava a seguinte mensagem: “Sou mesmo uma bitch. Essa juíza de Porto Alegre proibiu o governo de demitir funcionários de ONGs que recebem para não faz nada. Esse é o Judiciário que nos ferra.”

Mas Valdete Severo, que recebeu apoio de diversas entidades em defesa dos magistrados e do Tribunal onde atua, não se calou. Em entrevista ao Sul21, ela avaliou que a “intensidade e a agressividade das manifestações contra a decisão, sem sequer fazer alusão aos termos dela, mas centrando forças em ofensas pessoais e misóginas mostra que o direito social realmente enfrenta um período de franca oposição e todos aqueles que o defendem estão na mira de quem o quer destruir.”

“Esse episódio que ocorreu comigo já se repetiu com outros colegas. Estamos vivendo um momento de caça às bruxas bem perigoso. Temos que ter atenção a isso. É o fenômeno da reação da massa, que Hannah Arendt enfrenta tão bem em sua obra, acaba criando legiões de imbecis. Pessoas que ofendem sem conhecer, criticam sem ler, reproduzem pensamentos prontos, muitos dos quais as atingem, ou seja, concretamente significam perda até mesmo de direitos de liberdade, tipicamente liberais (ou de direita como querem alguns)”, disparou.

Em outra passagem, ela apontou que o Orçamento 2016 feito pelo hoje ministro da Saúde, deputado federal licenciado Ricardo Barros (PP), teve o intuito de estrangular a Justiça do Trabalho com um corte de recursos que nenhum outro braço do Judiciário sofreu.

“Existe uma tentativa de eliminar, de extinguir a justiça do trabalho, o corte do orçamento que a gente viveu no ano passado é uma clara demonstração disso. Especialmente porque nos seus motivos o, hoje ministro, então relator, Ricardo Barros, deixa muito claro que está fazendo corte de gastos em função da atuação da justiça do trabalho. É um discurso que além de ser mentiroso tem uma visão muito estreita das coisas. Eu até tenho amigos empresários que comentam, será que eles estão se dando conta que se eliminam a justiça do trabalho não tem mais contenção, não tem mais espaço de diálogo, não tem mais ambiente de conciliação entre capital e trabalho, e que isso talvez seja muito pior pra quem emprega, do que pra quem depende do trabalho para sobreviver? (…) O momento agora é de perceber que é uma instituição necessária tanto para quem trabalha, quanto para quem explora o trabalho.”

A juíza também criticou a reforma trabalhista em elaboração pelo governo Temer, que já acenou com simpatia para terceirização de atividade fim, negociações entre empregado e empregador à revelia das leis, entre outros pontos que afrontam os direitos dos trabalhadores. Para ela, apesar da marcha contra garantias sociais, a parte positiva é que a sociedade pode se conscientizar disso e lutar para evitar o desmonte.

“A vantagem agora é que as cartas estão na mesa, não tem mais disfarce. É algo ostensivo. Se é ostensivo, nos dá elementos para lutar com mais força. Então agora nós sabemos qual é o objetivo, nós temos elementos e temos racionalidade suficiente para isso, muitas obras, muitos artigos, muitas manifestações de pessoas ligadas ou não à área de direito do trabalho. Me parece que agora temos condições de criar um discurso que demonstre, inclusive com fato históricos, a falácia dessa tentativa de retirar direitos trabalhistas e desse discurso que diz se tirar direitos a economia melhora. Historicamente não é assim. A economia se sustenta principalmente em direitos sociais fortes que permitam que as pessoas consumam, andem pelas ruas, sem o terror da barbárie sempre à espreita.”

Já no Facebook, a magistrada afirmou que não se sentiu ofendida pelos ataques machistas.

“(…) Nas palavras de ódio a mim endereçadas foram atacadas todas as mulheres que lutam pelo que acreditam e tem a coragem de enfrentar os desafios que a realidade lhes impõe todos os dias”, comentou.

Segundo a juíza, os ataques tinham como pano de fundo “uma sórdida tentativa de aniquilação do que o outro representa em sua condição humana. E por trás dessa misoginia escancarada esconde-se a outra face do recurso de exaltação do ódio. O projeto de descaracterização do Estado Social, com eliminação de direitos sociais, é uma realidade cada vez mais presente e perversa. E a Justiça do Trabalho está na mira desse movimento de desmanche.”

“O ataque, portanto, também se endereça ao Direito do Trabalho e a todos aqueles – e são tantos – que acreditam na necessidade de preservação de um mínimo de direitos capazes de permitir uma existência minimamente digna na realidade capitalista. A fúria destruidora daqueles que, sem argumentos, ofendem, deve servir de alimento para nossa resistência.”

Valdete atua na defesa dos direitos trabalhistas, é pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e da Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social (RENAPEDTS). Além disso, é Coordenadora e Diretora da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul (FEMARGS).

Fonte: Revista GGN, com informações do Sul 21 e Justificando
Data original da publicação: 16/01/2017

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