Executivo regulamenta novo programa de suspensões contratuais e reduções salariais: nova portaria aprofunda as diferenças entre o programa original (Lei 14.020/2020) e o novo (MP 1.045/2021), mas mantém velhas deficiências

Em leitura apressada, a nova MP pode parecer ser mera repetição da lei decaída de aplicabilidade. Mas não é: há diversas modificações.

Rodrigo Trindade

Fonte: Revisão Trabalhista
Data original da publicação: 01/06/2021

Em seguida à edição da Medida Provisória 1.045/2021, o Poder Executivo lançou sua regulamentação, com a Portaria SEPRT/ME, n. 6.100. Da mesma forma que a MP 1.045 corresponde à Lei 14.020/2020, a Portaria n. 6.100/2021 equivale à Portaria n. 10.486/2020. E também na mesma toada, há repetições de texto, adaptações às inovações, aportes originais e velhas obscuridades.

Explicamos. A MP 1.045/2021 foi formalmente apresentada como renovação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Estabeleceu-se originalmente na MP 936, converteu-se na Lei 14.020 e foi regulamentado pela Portaria 6.100. Mas, finalmente, encerrou-se em razão da não renovação do prazo formal de duração da pandemia da COVID-19, definida no Decreto Legislativo n. 6 e na Lei 13.979/2019.

Chamamos atenção que, apesar de liminar do Supremo Tribunal Federal, proferida na ADI 6.625 ter ampliado temporalmente a aplicabilidade de diversos artigos da Lei n. 13.979, não tratou dos dispositivos de referência ao Decreto Legislativo n. 6. Por consequência, não mais foi possível aplicar disposições de suspensão contratual e redução proporcional de salário e jornada, com pagamento de benefício emergencial, após 31/12/2020. Encerradas condições de aplicação da Lei 14.020, foi necessário, no ano legislativo seguinte, a repetição da matéria, por meio da edição da MP 1.045. E, também por consequência, viu-se fundamental também retomar a regulamentação por meio de portaria do Ministério da Economia.

Em leitura apressada, a nova MP pode parecer ser mera repetição da lei decaída de aplicabilidade. Mas não é: há diversas modificações, entre as quais destacamos as seguintes:

  • redefinição dos marcos de temporalidade aplicativa;
  • exclusão de trabalhadores intermitentes;
  • validação de comunicações digitais;
  • afastamento de recolhimentos previdenciários complementares;
  • esclarecimentos sobre hipóteses de termo final em suspensão e redução salarial;
  • restrições de parcelamentos nos períodos do programa;
  • redefinições de favores fiscais incidentes sobre pagamentos efetuados pelo empregador;
  • elucidações de questões de intertemporalidade das “garantias de emprego”, fixando diálogo com a lei antiga;
  • alterações nas hipóteses de indenização tarifada por dispensa antecipada;
  • majorações dos valores salarias autorizadores de acordo individual;
  • aclaramentos sobre a inaplicabilidade a novos empregados;
  • disposições sobre compensações e restituições de pagamentos indevidos;
  • novas regras e condições para acordos sucessivos.

Além disso, a MP 1.045 apresentou disposições completamente inovadoras em relação à Lei n. 14.020/2020. Realçamos as seguintes:

  • autorização para o Executivo diferenciar prazos de prorrogação, conforme modalidade do programa, e observando disponibilidades orçamentárias;
  • opção de não tratamento da matéria do art. 476-A da CLT (lay-off), deslocada para a MP 1.046/2021;
  • dispensa de licitação da instituição financeira de operacionalização;
  • abandono da disposição original de retroação de normas coletivas com a temática;
  • afastamento da regra sobre repactuação de empréstimos consignados;
  • possibilidade de recebimento do Benefício Emergencial em conta poupança;

Por fim, a novíssima Portaria SEPRT/ME, n. 6.100 também trouxe suas revisões, e que se efetivam tanto na instrumentalização das novas disposições da MP, como apresentam detalhamentos diferenciados para temas compartilhados pelos normativos de 2020 e 2021. Sublinhamos os seguintes inovações na nova portaria:

  • Definição da impossibilidade de alteração no tipo de acordo informado, entre as modalidades de suspensão e redução proporcional de jornada e salário, bem como em relação ao percentual aplicado. Assim, caso a empresa pretenda modificar o tipo de acerto (passar de suspensão para redução de jornada, ou o contrário), precisará entabular novo acordo com o empregado e submeter à análise do Ministério da Economia.
  • Soma da hipótese de recebimento de benefício de salário-maternidade para cessação do benefício emergencial.
  • Possibilidade de devolução de valores recebidos indevidamente pelo empregado também por via de compensação com parcelas de abono salarial ou seguro desemprego.

Há, todavia, diversas questões controvertidas, já muito bem identificadas ao tempo da MP 936, repetidas na Lei 14.020 e sua portaria, e que seguiram sem qualquer esclarecimento nos novos normativos. Permanecem dúvidas sobre:

  • existência de efetiva garantia de emprego, com direito à reintegração;
  • consequências de não informação ao sindicato sobre pactos individuais;
  • garantias de intangibilidade de benefício emergencial e ajuda de custa mensal;
  • hipóteses de recebimento do benefício em boa-fé do empregado e responsabilidade de restituição;
  • composição do complexo salarial para fins de pagamento de ajuda de custo mensal;
  • esclarecimento sobre modalidades de benefícios a serem mantidos a empregados afetados;
  • efeitos de obtenção de novo emprego ou realização de outra atividade econômica durante período do programa;
  • módulos temporais possíveis para redução de jornada;
  • consequências de horas extras habituais durante redução proporcional;
  • Amplitude de beneficiados com parcelamento;
  • Direito, cálculo e composição de férias e 13º salário para empregados com contrato suspenso ou salário e jornada reduzidos.

Embora o lugar comum seja creditar a diversidade de interpretações judiciais às diferentes opções individualizadas de julgadores, as obscuridades dos textos normativos recentes vêm apontando outras origens para a crescente insegurança jurídica. É bastante compreensível que normativos de emergência não sejam os de mais apurada produção e “deixem escapar” questões importantes. Mas se trata de compreensão bem menos segura quando o mesmo normativo é essencialmente repetido, experimentado e com claríssimos alertas de deficiências.

Rodrigo Trindade é professor universitário, ex-Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – AMATRA IV, juiz do Trabalho na 4ª Região.

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