A Justiça do Trabalho vive um momento delicado no Brasil. Além do corte das verbas, o que pode paralisar suas atividades antes do fim do ano, a Justiça trabalhista convive com a possibilidade de ver suas regras alteradas. Recentemente, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que o governo planeja uma reforma trabalhista.
Apesar da promessa de Padilha de manter os direitos básicos do trabalhador, a questão não agrada magistrados da área. Para o ministro Lelio Bentes Corrêa, do Tribunal Superior Trabalho, o situação econômica brasileira não é o momento para desproteger o trabalho. “Preservar o emprego, sim, mas a que custo?”, questionou durante sua palestra na 16ª edição do Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, que acontece em Paulínia (SP), promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
O ministro ressaltou que é preciso, principalmente nesses momentos de crise, proteger o trabalhador. Segundo Corrêa, foi justamente esse o motivo pelo qual a primeira legislação trabalhista que se tem registro foi criada, o Moral and Health Act, promulgada na Inglaterra por iniciativa do então primeiro-ministro, Robert Peel, em 1802.
Segundo Corrêa, não por acaso, desde aquela época a legislação trabalhista é criticada por alguns setores e vem acompanhada de um discurso segregador, que prejudica o pobre. “É nossa função intervir para mitigar os efeitos da oscilação do pêndulo do poder”, afirma Corrêa. Para ele, a flexibilização das garantias trabalhistas é uma opção política que amplia a liberdade econômica em detrimento dos direitos sociais. “Preserva o lucro em detrimento às garantias e direitos dos trabalhadores”, complementa.
Com um posicionamento firme em defesa da dignidade do trabalhador, o ministro afirmou “dormir tranquilo” ao saber que protegeu o empregado. Conforme Corrêa, o que incomoda é saber o que não fez, os milhares de trabalhadores que não pôde proteger. “Quando condenamos uma empresa por danos morais devido às condições indignas, desculpe, não estamos sendo protecionistas, estamos sendo justos, cumprindo nossa missão”, afirmou.
Reflexos no Direito do Trabalho
A crise econômica, política e social que assola o país também norteou o discurso do presidente do TRT-15, Lorival Ferreira dos Santos. O desembargador lembrou que a questão econômica está relacionada ao Direito do Trabalho.
Um desses reflexos é o aumento na demanda. Conforme dados apresentados, o TRT da 15ª Região recebeu 13% a mais de demandas no primeiro quadrimestres deste ano se comparado ao mesmo período de 2015. E a tendência é que este número se intensifique ainda mais nos próximos meses em virtude da crescente taxa de desemprego.
Para o desembargador, é preciso uma atuação firme da Justiça do Trabalho neste momento para que seja possível atravessar essa tormenta mantendo direitos e empregos. “A Constituição Federal de 1988 é um porto seguro. Os direitos fundamentais ali cristalizados devem funcionar como âncoras, de forma que não sejam suplantados pelo vendaval econômico”, complementou.
Lorival dos Santos registrou durante o evento que já teve o dissabor de ouvir de parlamentares que a desconstrução da Justiça do Trabalho é aceitável neste momento de crise, como uma espécia de solução para os problemas.
Em sua visão, contudo, o Direito do Trabalho deve continuar protegendo o trabalhador de hoje, como protegia o de ontem. “Afinal, a despeito da modernidade, ainda vigora hoje a mesma disparidade econômica que inspirou as primeiras leis trabalhistas”, justifica.
Cortes no orçamento
A redução da verba trabalhista, que já vem causando impactos na Justiça do Trabalho desde o início do ano, voltou a ser criticada pelo desembargador. Segundo Lorival, com a verba planejada até o fim do ano o tribunal deve parar de funcionar em meados de agosto.
Isso porque, explica o presidente do TRT-15, não haverá mais verba para custear as despesas do dia a dia, como pagamentos de contas básicas de energia e água. Além disso, o Processo Judicial Eletrônico também é colocado em xeque. Segundo Lorival dos Santos, o PJe-JT necessita de uma manutenção mensal, e com o corte nas verbas não haverá mais como sustentar essa ferramenta. O presidente lembra que, no caso do TRT-15, essa questão do PJe-JT se torna ainda mais grave, uma vez que 100% do tribunal funciona com o processo eletrônico.
Apesar do futuro próximo assustador, o desembargador segue confiante em um final feliz. De acordo com Lorival, já há uma tratativa da Justiça do Trabalho com o presidente interino Michel Temer, e a perspectiva é que a questão seja resolvida.
Pensar com o coração
Francisco Giordani, diretor da Escola Judicial do TRT-15, alertou que o momento de crise pode ser encarado como um “perigoso avanço para o passado”. Para ele, muitos estão enxergando a questão pelo lado do lucro, das vantagens. Porém, pondera que essas vantagens provocam uma perda muito grande no aspecto humano.
O desembargador citou uma experiência vivida por Carl Gustav Jung, em uma viagem a um pueblo do Novo México (EUA), onde um chefe indígena despertou sua atenção para a importância de os seres humanos aprenderem a “pensar com o coração mais do que com a cabeça”.
Fazendo um paralelo com a atual situação por que passa a Justiça do Trabalho, em que se discute a flexibilização dos direitos trabalhistas em favor de uma maior valorização do poder econômico, o magistrado conclamou a todos que operam com o direito do trabalho que “pensem mais com o coração”.
“Isso quer dizer saber das dificuldades que o trabalhador tem, as dificuldades de sobrevivência em um mundo no qual perder o emprego é praticamente perder a condição de cidadão, ser excluído. Temos que procurar o equilíbrio, e isso não dispensa pensar com o coração”, afirma.
Fonte: Consultor Jurídico
Texto: Tadeu Rover
Data original da publicação: 10/06/2016