Discutir a CLT é válido. Usá-la para embrulhar peixe que é o problema

É mais fácil arrancar sinceridades sobre antropofagia da boca de políticos do que sobre CLT e Previdência. Se bem que devorar o trabalhador enquanto ainda respira é antropofagia.

Leonardo Sakamoto

Fonte: Blog do Sakamoto
Data original da publicação: 13/05/2016

A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas e a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem as regras do jogo no meio de uma partida e atendam a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.

Contudo, essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois essas medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo.

Por exemplo, falar em imposição de uma idade mínima para aposentadoria sem considerar que os mais pobres começam a trabalhar mais cedo é desconhecer a realidade – para ser polido.

Dois projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, que devem contar com o apoio do governo Michel são vistos como graves retrocessos para os direitos dos trabalhadores, podendo – sob a justificativa de “destravar” o crescimento econômico – causar impactos na qualidade de vida de milhões de pessoas.

O primeiro (PL 4330/2004) legaliza a contratação de prestadoras de serviços para executarem atividades para as quais outras empresas foram constituídas (atividades-fim) e não apenas serviços secundários, como é hoje.

É claro que a terceirização precisa de regras melhores no Brasil, porque muita gente fica ao relento. Mas a aprovação da terceirização da atividade-fim do jeito que propõe o projeto, dando a possibilidade de contratar por PJ praticamente qualquer função de uma empresa, pode causar sérios danos à qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do país.

Se os defensores desse novo projeto topassem a terceirização da atividade-fim acrescentando a garantia de contrato coletivo de âmbito nacional para manter a responsabilidade do setor econômico para os subcontratados, a conversa seria outra. Mas daí a ampliação da terceirização não cumpriria seu objetivo que é diminuir os custos empresariais.

Até o lamaçal desta crise, o Brasil teve uma queda contínua do desemprego por muitos anos. Se utilizarmos como referências os dados de outros países no momento de aquecimento do mercado de trabalho, poderemos notar que, quando isso acontece, há também uma redução na quantidade de solicitações de seguro-desemprego. Mas, por aqui, esse número continuou aumentando. Afinal, boa parte dos empregos que foram criados são de baixa qualidade, frágeis, envolvendo pouca qualificação profissional e organização precária dos trabalhadores. E isso precisa mudar, urgente.

Informatizar, desburocratizar, reunir impostos e contribuições e tornar mais eficiente a aplicação da legislação trabalhista é possível, desejável e certamente irá gerar boa economia de recursos para empresários e governo e de tempo para trabalhadores.

E ajudará a combater os sonegadores que, por aqui, crescem maravilhosamente bem. Pois se temos grandes números girando no “impostômetro” temos também no “sonegômetro” que não fica atrás.

Mas o problema é que, por trás do discurso do “vamos simplificar”, estamos ouvindo hoje propostas de tirar do Estado o papel de regulador nesse processo, deixando os compradores e vendedores de força de trabalho organizarem suas próprias regras.

Daí vem o segundo projeto (PL 4193/2012), que permite que convenções e acordos coletivos de trabalho negociados entre patrões e empregados prevaleçam sobre a legislação trabalhista, mesmo que isso signifique perdas aos trabalhadores.

Quando um sindicato é forte e seus diretores não jogam golfe com os diretores das empresas nem recebem deles mimos, ótimo, a briga é boa e é possível obter mais direitos do que aquele piso da lei. Mas, e quando não, faz-se o quê? Senta e chora?

E antes de tudo isso acontecer, seria importante melhorar a regulação do mercado de trabalho (aliás, regulação é algo péssimo por aqui), desenvolver a qualificação profissional de forma a gerar empregos mais sólidos, melhorar o sistema de ingresso no mercado de trabalho (o que inclui dar efetividade ao serviço nacional de intermediação de mão de obra, pois o que existe em boa parte do país é o bom e velho “gato” intermediando) e, é claro, a redução na jornada – pleiteada pelos trabalhadores e empurrada há anos.

Esse assunto deveria ter sido debatido intensamente durante as campanhas eleitorais. Claro que para o caso de Michel e seu grupo, que nunca teriam chegado à Presidência sem o impeachment, a discussão não é aplicável. E é exatamente um governo que não foi eleito que vai tocar uma agenda que não seria eleita.

O cidadão deveria ter o direito de escolher um mandatário de acordo com a agenda que ele propõe para os direitos trabalhistas e previdenciários. Infelizmente, os candidatos com chance real de vitória sempre vão esconder suas reais intenções quanto a esses direitos sob medo de serem ignorados pelos eleitores. Alguns vão até mentir para chegar lá, como aconteceu…

É mais fácil arrancar sinceridades sobre antropofagia da boca de políticos do que sobre CLT e Previdência. Se bem que devorar o trabalhador enquanto ainda respira é antropofagia.

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