Um 1º de maio de incertezas, agravadas por um cenário de pandemia que traz à tona o pesadelo do desemprego. A taxa de desemprego no Brasil subiu para 12,2% no 1º trimestre, atingindo 12,9 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado representa uma alta de 1,3 ponto percentual (p.p) na comparação com o último trimestre de 2019 (11%). O número de pessoas na fila por um emprego aumentou em 1,2 milhão em 3 meses, em meio aos primeiros impactos da pandemia na atividade econômica e no mercado de trabalho.
O governo recebeu 804 mil pedidos de seguro-desemprego nesse período. E estima que cerca de mais 200 mil trabalhadores também perderam o emprego e ainda não solicitaram o seguro-desemprego, uma vez que as agências de trabalho de todo o país estão fechadas por conta do risco de contágio de Covid-19.
A pandemia revelou outra realidade cruel. A existência de 46 milhões de brasileiros que não eram reconhecidos sequer pelas estatísticas da informalidade no mercado de trabalho. Surgiram nos cadastros para obter o auxílio emergencial de R$ 600,00 definido pelo governo. Eram invisíveis até ao Cadastro Único.
Nas Varas do Trabalho, o impacto dos conflitos entre trabalhadores e empregadores também é visível. Só nos últimos sete dias, a Plataforma Emergencial de Videoconferências para Atos Processuais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registrou 4.032 audiências realizadas pela Justiça do Trabalho, 68% do total de audiências registradas pelo sistema desde o início da pandemia. Os juízes do Trabalho são responsáveis por 45,1% do total de videoconferências da plataforma monitorada pelo CNJ.
Sobre a expectativa de judicialização dos conflitos, apontada por muitos juízes do Trabalho, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Noemia Porto acredita que essa é uma consequência dos excessos. “Eventuais injustiças, imposições dão ao cidadão o direito de discutir no Poder Judiciário. A presença do diálogo social tripartite, com entidades coletivas, poderia servir como uma mediação para se evitar situações de abuso. Sem esse diálogo social prévio, os abusos eventualmente cometidos serão apreciados pelo Poder Judiciário. O Judiciário, com o predicamento da independência, tem o dever constitucional de analisar cada caso concreto à luz das suas especificidades, traduzindo, para a hipótese, o compromisso com a normatividade da Constituição e das normas internacionais ratificadas pelo Brasil. Todas essas normas têm como eixo o princípio estruturante da dignidade da pessoa humana. Nenhuma pandemia pode suspender esse princípio. Ao contrário, ele deve sempre ser reafirmado pelas instituições públicas”, destaca.
A situação da pandemia, que induz a inúmeras inseguranças não é a responsável pelo quadro fragmentado do mercado de trabalho no Brasil, segundo avalia Noemia Porto. “A pandemia apenas tornou visível e agravou sobremodo tal quadro. A concepção de trabalhador não está vinculada à figura clássica do empregado. Em situações de pobreza e de exclusão, a divisão juridicamente relevante entre formalizados e não formalizados no mercado não consegue se traduzir em referência indutora de igualdade para os cidadãos. Essa divisão (formalizados e não formalizados) esteve presente na elaboração de políticas públicas, traduzidas em medidas provisórias e leis, durante a pandemia, tornando mais evidente ainda que se trata de uma divisão que não promove nenhum tipo de igualdade. Embora todos sejam trabalhadores que precisem do trabalho para viver e sustentar as suas famílias, cada um recebe um tratamento jurídico, e ajudas emergenciais, diversas”, avalia.
O 1º de maio, num cenário de pandemia, segundo a presidente da Anamatra reclama uma visão mais abrangente, que englobe todos aqueles que necessitam viver do seu trabalho, ainda que tenham imensas dificuldades de inserção no mercado formalizado. Visibilidade e solidariedade podem ser os legados deste nosso tempo. “Também ficará para as reflexões sobre esse período o erro presente no pensamento de senso comum em torno da lógica de que haveria uma oposição simples a ser equacionada, ou seja, ou direitos trabalhistas ou crescimento econômico. No limite, a pandemia pode ter revelado que o valor humano, na saúde, no bem-estar, na segurança alimentar e familiar, é inestimável “, defende.
Com base em experiências anteriores, como as crises mundiais de 2008-2009, Noemia Porto avalia ser possível dizer que, sem políticas públicas de inclusão social, de renda mínima, de estímulo a empregos protegidos e de presença estatal em serviços essenciais, milhões podem ficar sem nenhum ocupação, com aumento da pobreza e da desigualdade e retração do consumo. Esses são elementos de riscos sociais potencializados.
Fonte: Anamatra
Data original da publicação: 01/05/2020