Daniela Muradas e Flávia Souza Máximo Pereira
Fonte: Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, 2018, p. 2117-2142.
Resumo: O artigo visa um diálogo entre decolonialidade do saber e a abordagem doutrinária dominante do núcleo protetivo do Direito do Trabalho Brasileiro: trabalho livre/subordinado. Busca-se extravasar continuidades de sujeições interseccionais estruturadas por uma divisão laboral racial-sexual, proveniente da colonização, nas relações de trabalho contemporâneas no Brasil, uma vez que tais sujeições permanecem invisibilizadas pela doutrina juslaboral prevalente.
Sumário: 1. Introdução | 2. A decolonialidade do saber nos estudos pós-coloniais | 3. Decolonialidade do saber no Direito do Trabalho brasileiro: visibilidade de sujeições laborais interseccionais contemporâneas | 4. Considerações finais
1. Introdução
O presente artigo tem como principal objetivo proporcionar, sob uma vertente jurídicosociológica1, um diálogo crítico entre o conceito de decolonialidade do saber e a abordagem doutrinária dominante do núcleo protetivo do Direito do Trabalho Brasileiro: o trabalho livre e subordinado. Sobretudo, busca-se extravasar continuidades de sujeições interseccionais2 estruturadas por uma divisão laboral racial-sexual, proveniente da colonização na América Latina, nas relações de trabalho contemporâneas no Brasil, na medida em que tais sujeições permanecem invisibilizadas pela doutrina juslaboral prevalente.
Este artigo se insere no paradigma das teorias do sul3 e se propõe, primeiramente, por meio de uma investigação téorica jurídica-interpretativa, analisar a concepção de decolonialidade do saber nos estudos pós-coloniais. Para tanto, parte-se do conceito central de colonialidade do poder elaborado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano (2005, p. 117), ressaltando a concepção de decolonialidade do saber como um movimento de desprendimento epistêmico do eurocentrismo, que é também intersectado por outros conceitos pós-coloniais, como a transmodernidade de Enrique Dussel (2005, p. 31), a crítica da noção de ponto zero de Grosfoguel (2005, p. 14) e a ideia de desobediência epistêmica de Walter Mignolo (2008, p. 288).
Posteriormente, tal concepção é relacionada com a abordagem doutrinária prevalente do núcleo protetivo do Direito do Trabalho brasileiro – o trabalho livre e subordinado – que reproduz o paralelo teórico-temporal de contraposição em face do trabalho escravo-servil, derivado do paradigma jurídico eurocêntrico, para exaltar a relação de emprego como a grande conquista advinda da sociedade moderna.
No entanto, tal abordagem transhistórica linear ignora que tais formas de trabalho na colonização da América Latina foram simultâneas e associadas à ideia de raça e gênero para naturalizar funções inferiores na divisão social do trabalho. Consequentemente, o desempenho de funções precárias e subalternas nas relações de trabalho contemporâneas no Brasil atinge trabalhadoras e trabalhadores periféricos, interseccionalmente oprimidos pela raça e gênero desde a colonização, e que continuam silenciados por uma narrativa única de matriz eurocêntrica de celebração da liberdade pelo trabalho subordinado, fruto da colonialidade do saber ainda presente no Direito do Trabalho Brasileiro.
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Daniela Muradas é Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Vice-presidente da Associação Latinoamericana de Advogados Trabalhistas (ALAL).
Flávia Souza Máximo Pereira é Professora Adjunta de Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e Doutora em Direito do Trabalho em Cotutela entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Università degli Studi di Roma Tor Vergata.