Crise profunda e incertezas sobre a recuperação

A crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19 atingiu o mercado de trabalho de maneira incomum e profunda. Expomos aqui uma visão sintética das alterações ocorridas nesse mercado ao longo do ano de 2020.

Por Carlos Henrique Horn e Virginia Rolla Donoso

Ao fim do ano de 2020, o mercado de trabalho brasileiro encontrava-se rodeado por incertezas. Apesar das manifestações do governo e de seus aliados, os dados sobre o nível da ocupação e outros indicadores, disponíveis até o terceiro trimestre, não permitiam sustentar qualquer conclusão otimista sobre uma efetiva recuperação do emprego. O que não poderia ser diferente. Enquanto não for superada a crise sanitária, a economia permanecerá oscilando num patamar inferior ao que se encontrava antes da pandemia. Assim, renova-se a necessidade de manter ativas as agendas de suporte aos mais prejudicados pela crise e das políticas de saúde pública com fundamento nas melhores orientações da ciência. É bastante provável que, nos países onde as decisões governamentais perseguirem tais agendas, a superação da crise será mais rápida e mais efetiva.

A crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19 atingiu o mercado de trabalho de maneira incomum e profunda. Expomos aqui uma visão sintética das alterações ocorridas nesse mercado ao longo do ano de 2020. Não obstante os indicadores serem de domínio público – e vários leitores deste site provavelmente já tiveram a oportunidade de avaliá-los –, permanecem alguns desentendimentos sobre sua interpretação. Assim, aproveitamos para repassar os olhos sobre as estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, que é o mais abrangente levantamento estatístico sobre a inserção da população na força de trabalho do Brasil. Em geral, nossa atenção incide sobre os dados dos três primeiros trimestres do ano e as mudanças ocorridas no mercado de trabalho.1 Em linhas gerais, o primeiro trimestre representa o momento anterior à disseminação da pandemia no país; no segundo trimestre, ocorreu o pico dos efeitos econômicos da crise; e no terceiro trimestre, houve a desaceleração no ritmo de crescimento do número de casos da doença e de mortes e uma retomada da atividade econômica. Essa retomada, conforme destacamos a seguir, esteve, todavia, longe de representar uma recuperação do mercado de trabalho.

O principal efeito da crise sanitária e econômica sobre o mercado de trabalho foi a colossal redução no número de pessoas ocupadas. Entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, quase 8,9 milhões pessoas (9,6% do total dos ocupados de janeiro a março) perderam seus rendimentos habituais. No terceiro trimestre, houve nova diminuição, estimada em 883 mil pessoas ou 1,1% do nível de ocupação anterior. Ao se comparar o nível de ocupação do terceiro trimestre de 2020 com o do mesmo período no ano anterior, o resultado é uma perda de 11,3 milhões de postos de trabalho (ou 12,1% do número de ocupados no terceiro trimestre de 2019). Estes dados oferecem uma medida do terremoto ocorrido no mercado de trabalho brasileiro e que pode ser visualizado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Número de ocupados no Brasil, jul.19-set.20 (mil pessoas)

Fonte: IBGE, PNAD Contínua. Elaboração dos autores.

A contração no nível da ocupação sucedida em 2020 foi bastante superior àquela causada pela recessão econômica de 2015-2016. Na recessão, a queda no número de ocupados entre o pico anterior (dezembro de 2014) e o vale (setembro de 2016) foi de 2.963 mil pessoas (redução de 3,2%), ao passo que no curso da crise sanitária, entre o pico anterior (dezembro de 2019) e o vale até o momento (agosto de 2020), a queda foi de 12.886 mil pessoas (redução de 13,6%). Esta quebra na dinâmica econômica pode ser claramente visualizada em gráficos que já se tornaram bem conhecidos dos analistas do mercado de trabalho e cujo segmento relacionado ao período recente costuma lembrar o declive de um precipício (gráfico 2).

Gráfico 2 – Número de ocupados no Brasil, jan.14-set.20 (mil pessoas)

Fonte: IBGE, PNAD Contínua. Elaboração dos autores.

A crise sanitária não apenas resultou na perda de ocupação de milhões de pessoas, como afetou de maneiras diversas a condição daqueles trabalhadores que permaneceram vinculados à sua situação laboral anterior. Duas dessas dimensões podem ser aferidas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD COVID19. Trata-se de um levantamento experimental sistemático realizado a partir do mês de maio, cujos dados, conquanto devam ser olhados com cautela em face de seu caráter experimental, auxiliam na observação de alguns fenômenos específicos da pandemia. Assim, em maio, a PNAD COVID19 estimou em 19,8% a parcela dos ocupados que estariam afastados do trabalho por motivo de distanciamento social e em 10,2% a parcela dos trabalhadores que realizavam trabalho remoto. Conforme se observa no gráfico 3, o número relativo de trabalhadores afastados diminuiu progressivamente até atingir 14,8% em outubro, ao passo que a proporção daqueles que se mantiveram em trabalho remoto permaneceu virtualmente sem alteração durante o período.

Gráfico 3 – Pessoas ocupadas afastadas do trabalho e pessoas ocupadas em trabalho remoto, no Brasil – 2020 (% do total de ocupados)

Fonte: IBGE, PNAD COVID19. Elaboração dos autores.

Em crises cíclicas da economia, o efeito esperado de uma redução no nível do emprego geral é o crescimento da desocupação ou desemprego. Assim se passou, por exemplo, durante a recessão econômica de 2015-2016. Porém, no contexto tão marcadamente diferente da pandemia da Covid-19, esse aumento não aconteceu. Bem longe disso, o número de desocupados chegou mesmo a declinar entre o primeiro e o segundo trimestre. Este foi um dos efeitos da crise sobre o mercado de trabalho que causou maior estranhamento no debate público e que continua gerando mal-entendido2. Afinal de contas, a pessoa que perde a ocupação não se torna um desempregado? Sob a ótica das estatísticas de mercado de trabalho, a resposta é: não necessariamente. A fim de entender esta questão e bem interpretar as estatísticas dos inquéritos populacionais sobre o mercado de trabalho, vale repassar a definição de desocupação. Em termos gerais, um indivíduo é classificado como desocupado (ou desempregado) quando não possui trabalho regular e, ao mesmo tempo, procura efetivamente por uma ocupação que lhe assegure renda. Já as pessoas que não exercem atividade laboral e não procuram ativamente exercê-la são consideradas como fora da força de trabalho.

A figura 1 mostra a classificação dos principais grupos da população segundo sua inserção na atividade produtiva (e informa os dados para o mercado de trabalho brasileiro no trimestre encerrado em setembro de 2020) com base na PNAD Contínua. Em síntese, temos que a população total divide-se, conforme a idade, em “população em idade de trabalhar” (também chamada “população em idade ativa” ou PIA) e “população abaixo da idade de trabalhar”. Na PNAD Contínua, a linha de corte está fixada na idade de 14 anos, de modo que o IBGE investiga as condições da inserção laboral das pessoas acima desta idade. No terceiro trimestre do ano, mais de 175 milhões de brasileiros constituíam a população em idade de trabalhar.

Figura 1 – Distribuição da população segundo grandes grupos do mercado de trabalho brasileiro.

Fonte: IBGE, PNAD Contínua. Elaboração dos autores.
Nota: dados em mil pessoas. Estimativas de jul.-set.2020.

Por sua vez, a população em idade de trabalhar divide-se em dois grupos: os que participam da “força de trabalho” como “ocupados” ou “desocupados” e os que estão “fora da força de trabalho”. No terceiro trimestre de 2020, havia 96.556 mil pessoas na força de trabalho brasileira, o que correspondia a 55,1% da população em idade de trabalhar. Esta proporção também é chamada de taxa de participação no mercado de trabalho. Já as pessoas que não participam da força de trabalho – porque não estão ocupadas, nem procuram ocupação – compõem a população fora da força de trabalho, que era de 78.565 mil pessoas no terceiro trimestre.

O que aconteceu durante o pico da pandemia? No segundo trimestre, houve uma saída em massa da força de trabalho. As milhares de pessoas que perderam sua ocupação deixaram, num primeiro momento, de procurar um novo trabalho e se tornaram, nas estatísticas oficiais, pessoas fora da força de trabalho. Com isso, a taxa de participação da PIA no mercado de trabalho desabou, passando de 61,0% no primeiro trimestre para 55,3% no segundo trimestre de 2020. Esta foi uma oscilação incomum, pois nem mesmo nas piores recessões da economia brasileira se observou tamanha redução da força de trabalho.

Ainda neste trimestre, os indicadores básicos sobre a desocupação mostraram resultados diametralmente opostos. Enquanto o número de desempregados, como mencionamos acima, diminuiu em relação ao primeiro trimestre num total de 59 mil pessoas (0,46%), a taxa de desocupação aumentou de 12,2% para 13,3% da força de trabalho. É um resultado curioso, mas facilmente explicável. A taxa de desocupação é calculada pela divisão do número de desocupados (numerador) pela força de trabalho (denominador). Na passagem entre o primeiro e o segundo trimestre, houve uma redução de 0,46% no numerador (desocupados), mas a contração no denominador (força de trabalho) foi muito maior (8,50%), causando um aumento no quociente (taxa de desocupação). O resultado é um efeito estatístico decorrente da maneira como se calcula a taxa de desocupação. No pico da pandemia, insistimos, não houve impacto relevante sobre o desemprego. O que ocorreu foi uma brutal queda do nível de ocupação e do tamanho da força de trabalho, expandindo o contingente de pessoas fora da força de trabalho.

Com o afrouxamento das regras de distanciamento por governos estaduais e municipais, a conduta temerosa de pessoas mais jovens na população – cuja taxa de letalidade à Covid-19 é bastante menor do que a dos idosos – e a retomada da atividade produtiva em diversos setores, o mercado de trabalho passou a apresentar movimento diverso no terceiro trimestre de 2020. Conquanto o nível de ocupação tenha registrado nova redução entre o segundo e o terceiro trimestre, a comparação entre os trimestres móveis encerrados em agosto e setembro já mostrou crescimento no número de ocupados – o que se repetiu no trimestre encerrado em outubro. A reativação do mercado de trabalho atraiu as pessoas que se encontravam fora da força de trabalho. A intensificação da busca por trabalho acarretou, agora sim, uma elevação tanto na taxa de desocupação (de 13,3% para 14,6% da força de trabalho), quanto no número de desocupados (de 12.791 mil para 14.092 mil pessoas). O gráfico 4 mostra a evolução do desemprego no ano de 2020.

Gráfico 4 – Número de desocupados (em mil pessoas) e taxa de desocupação da força de trabalho (em %), Brasil – dez.19-set.20

Fonte: IBGE, PNAD Contínua. Elaboração dos autores.

O desemprego não é a única forma de subutilização da força de trabalho registrada na PNAD Contínua. Dentre as outras formas, merece atenção, para fins de análise dos impactos da Covid-19 no mercado de trabalho, a parcela da população fora da força de trabalho chamada “força de trabalho potencial”. No contingente das pessoas classificadas como fora da força de trabalho, há grupos com diferentes expectativas em relação à atividade laboral. De um lado, há as pessoas que, por motivos variados, não procuram efetivamente uma ocupação que lhes ofereça rendimentos, congregando estudantes, idosos, pessoas sem condição de trabalho por motivo de saúde etc. De outro lado, estão os que manifestam interesse em exercer trabalho, mas não chegam a buscá-lo ativamente ou, dentre os que fazem essa busca, informam sua desistência no momento em que respondem ao questionário do inquérito domiciliar. Este grupo constitui a força de trabalho potencial, entendida como uma forma de subocupação de pessoas.

Durante o pico da pandemia no segundo trimestre, houve um extraordinário crescimento da força de trabalho potencial, que oscilou de 8.303 mil para 13.542 mil pessoas. O salto de 63,1% fez com que a força de trabalho potencial aumentasse seu tamanho relativo, de 12,3% para 17,4% do total da população fora da força de trabalho, o que ajuda a tornar mais preciso o entendimento do modo como a pandemia impactou as formas de inserção da população em relação à atividade laboral. A maior parte das pessoas que perderam ocupação e deixaram o mercado de trabalho no ápice da crise sanitária, abandonando provisoriamente a procura de trabalho, continuaram revelando, como esperado, interesse e necessidade por uma atividade remunerada. Os motivos por que deixaram de fazê-lo no segundo trimestre são vários, incluindo desde o simples fato de que não havia trabalho à procurar, ao temor por contrair o vírus, ao suporte do seguro desemprego, e à ajuda emergencial de R$ 600,00 por mês aprovada pelo Congresso Nacional – o qual se insurgiu contra a proposição do governo federal de uma ajuda de apenas R$ 200,00 por mês.

Em artigo sobre o desempenho do mercado de trabalho no segundo trimestre, divulgado no site Democracia e Mundo do Trabalho em debate (O trimestre em que desabou o mercado de trabalho), percebemos que a melhora das condições sanitárias ao exercício mais amplo do trabalho seria suficiente para atrair pessoas ao mercado e, curiosamente, disso resultaria aumento concomitante na ocupação e no desemprego. Com efeito, no terceiro trimestre de 2020, houve aumento no número de desocupados. Uma parte substancial desse aumento é explicada pela movimentação de pessoas antes classificadas como força de trabalho potencial, que voltaram a procurar ativamente trabalho. Como resultado, a força de trabalho potencial diminuiu em 665 mil pessoas (equivalente a pouco mais de 50% do crescimento no número de desocupados).

O gráfico 5 registra as variações nos contingentes dos grandes grupos associados à subutilização da força de trabalho, no segundo e terceiro trimestres de 2020. Além dos desocupados e da força de trabalho potencial, o gráfico mostra um terceiro grupo, formado pelos ocupados que informam trabalhar um número de horas menor do que desejaria (“subocupados por insuficiência de horas”). Os resultados são bastante diferentes num e noutro trimestre.

Gráfico 5 – Variação em grupos da subutilização da força de trabalho, Brasil – 2020 (mil pessoas)

Fonte: IBGE, PNAD Contínua. Elaboração dos autores.

Um indicador de síntese das variações nesses grupos é a “taxa composta de subutilização da força de trabalho”. Esse indicador corresponde à parcela da “força de trabalho ampliada” – ou seja, do total das forças de trabalho efetiva e potencial – que se encontra subutilizada. O gráfico 6 apresenta a rápida mudança de posição na taxa de subutilização durante o ano de 2020. Antes disso, na recessão de 2015-2016, a taxa já oscilara bruscamente para cima, passando de cerca de 15% em 2014 para um patamar próximo a 25%, onde permaneceu até o fim de 2019. Com a crise da pandemia, a taxa de subutilização deu novo salto, situando-se acima de 30%, e o número de pessoas nessa condição era de mais de 33 milhões em setembro.

Gráfico 6 – Número de pessoas na condição de subutilização da força de trabalho (em mil pessoas) e taxa composta de subutilização da força de trabalho (%), Brasil – dez.19-set.20

Fonte: IBGE, PNAD Contínua. Elaboração dos autores.

No terceiro trimestre de 2020, em relação ao mesmo período do ano anterior, o quadro dos efeitos da pandemia era tal que: (i) 11,3 milhões de brasileiros haviam perdido ocupação e renda do trabalho (queda de 12,1%), (ii) o número de desocupados crescera em 1,6 milhão de pessoas (aumento de 12,6%), totalizando pouco mais de 14 milhões de desempregados; e (iii) 33,2 milhões de pessoas se encontravam em condição de subutilização da força de trabalho (nelas, incluídos os desocupados), após aumento de 5,7 milhões de pessoas (20,8%).

A magnitude destes números reforça a necessidade de medidas efetivas voltadas para a recuperação do mercado de trabalho. Entretanto, no início do ano de 2021, o país ainda está povoado por incertezas decorrentes não apenas da evolução da condição sanitária, mas, sobretudo, da paralisia do governo federal em formular e executar uma política de saúde pública. Enquanto diversos países já realizam campanhas de vacinação em massa, o Brasil segue vítima das querelas dogmáticas e anticientíficas que são uma das marcas mais eloquentes da atuação presidencial e do comportamento dos grupos sociais que lhe dão sustentação. Em algum momento, por força das circunstâncias e da ação de governos estaduais e municipais, há de começar a vacinação, ancorada num sistema de saúde pública (SUS) dos mais abrangentes do mundo, fruto de políticas e investimentos de tantos que, no passado, se engajaram em sua criação e fortalecimento.

O atraso em adotar medidas efetivas para o tratamento da saúde dos brasileiros há de cobrar um custo na forma de continuidade da crise econômica. Diga-se, uma vez mais e sempre, que não há cenário de recuperação desta crise econômica sem solução da crise sanitária, o que, dado o conhecimento vigente, implica realizar ampla campanha de vacinação. No curto prazo, portanto, a recuperação dos níveis de emprego e renda – não as flutuações ocasionais decorrentes do afrouxamento das regras sanitárias – exige que o país se libere da anomia reinante, o que provavelmente acontecerá aos trancos e barrancos por decisões de governos subnacionais e do poder judiciário. A economia brasileira, portanto, candidata-se a ser uma das últimas a se recuperar da crise econômica.

Neste meio tempo, um dos principais desafios à economia será o da sobrevivência de milhões de pessoas que perderam ocupação e renda. Passados nove meses da eclosão da pandemia no Brasil, o quadro se afigura diferente e, de certa maneira, mais difícil. Por ocasião do choque adverso no mercado de trabalho no segundo trimestre de 2020, os meios de sobrevivência dessas pessoas incluíam, em geral, reservas financeiras próprias, suporte de parentes, seguro-desemprego e, nos casos mais graves, o auxílio emergencial aprovado pelos congressistas. Com o passar dos meses, esses meios se tornaram provavelmente mais escassos (reservas e suporte), ou tiveram encerrado seu prazo de fruição (seguro-desemprego), ou, a contar de janeiro de 2021, deixaram de ser oferecidos por decisão do governo federal (auxílio emergencial). A dimensão do impacto desta última decisão pode ser associada, ainda que parcialmente, aos números que analisamos neste artigo: havia 14 milhões de pessoas desempregadas e mais de 33 milhões de pessoas em condição de subutilização da força de trabalho em setembro.

Tão logo crescentes parcelas da população tenham sido vacinadas, ocorrerá uma natural retomada do mercado de trabalho, agora assentada em bases sanitárias sólidas – diferente, pois, da retomada que se observou mais para o fim do terceiro trimestre de 2020 e que contribuiu para prolongar o estado de crise. A procura de trabalho deverá ser intensificada e, com isto, é provável que o desemprego continue em elevação diante da insuficiente oferta de postos de trabalho. Assinale-se que esse provável aumento no desemprego – medido, sobretudo, pelo ritmo de alta no número de desempregados, nem tanto pela taxa de desemprego – não significará uma piora das condições do mercado de trabalho em relação ao contexto anterior. Isto porque o “novo” desempregado será provavelmente o “antigo” indivíduo fora da força de trabalho, porém com esperança de obter uma ocupação. No entanto, passado o choque positivo inicial decorrente da vacinação, qualquer conjectura sobre a continuidade do processo de recuperação – em especial sobre a capacidade da economia brasileira em elevar seus níveis de ocupação da força de trabalho e reduzir a taxa de desemprego para patamares anteriores à recessão de 2015-2016 – depende de inúmeros fatores. Dentre esses fatores, figura a política econômica que o governo federal executará já em 2021. À luz das informações disponíveis ao fim de 2020, não há boas expectativas. Talvez ele “não dê bola para isso” também.

Notas

1 Os dados da PNAD Contínua correspondem a médias móveis trimestrais. Assim, por exemplo, a estatística referente ao mês de setembro de 2020 retrata a média mensal do indicador entre julho e setembro desse ano, e assim por diante. Neste artigo, as principais comparações são feitas com base nos trimestres fixos de jan.-mar., abr.-jun. e jul.-set.

2 A título de ilustração, encontramos o verbete “desemprego” no dicionário do ano de 2020, publicado no caderno EU&FIM DE SEMANA do jornal Valor Econômico, de 23/12/2020, onde se lê: “Um dos efeitos mais devastadores da pandemia foi a alta do desemprego, no Brasil e no mundo. Em outubro, a taxa, medida pelo IBGE, chegou a 14,6%, o que corresponde a 14,1 milhões de pessoas. Menos da metade da população em idade de trabalhar está empregada no país. Já nos Estados Unidos, a pandemia causou uma alta rápida no desemprego, que chegou a 14,4% em abril” (grifo nosso).

Carlos Henrique Horn é economista e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Industrial Relations pela London School of Economics and Political Science.

Virginia Rolla Donoso é economista e trabalha no site Democracia e Mundo do Trabalho. É mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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