[…]o que é conhecido como Gestão Algorítmica […], não só facilita o controle disciplinar e a avaliação do desempenho ou capacidade profissional dos trabalhadores, mas também atua por meio de uma imensa coleta de dados pessoais das pessoas que trabalham na empresa e canaliza seu comportamento digital, com repercussões evidentes sobre a saúde ocupacional e riscos mentais, ou decisões relevantes sobre contratação e avaliação de acesso ao emprego.
Antonio Baylos
Fonte: Blog do autor
Tradução: DMT
Data original da publicação: 20/05/2021
O Real Decreto-Ley 9/2021 (RDL 9/2021), publicado em 11 de maio de 2021 na Espanha, garantiu os direitos trabalhistas das pessoas que se dedicam às entregas no domínio das plataformas digitais, não somente estabelecendo a presunção plena de contratação dos trabalhadores de entrega de alimentos através das plataformas digitais (como já foi analisado neste blog), mas também desenvolvendo um direito à informação a favor dos representantes dos trabalhadores sobre “os parâmetros, regras e instruções nos quais se baseiam os algoritmos ou sistemas de inteligência artificial” que determinam o conjunto das relações de trabalho.
Trata-se de uma prescrição original, que dá conta, conforme explicitado na exposição de motivos da norma, “da incidência das novas tecnologias no ambiente de trabalho e da necessidade de a legislação trabalhista levar em consideração esse impacto tanto nos direitos coletivos e individuais dos trabalhadores quanto à competência entre as empresas”. Esta é uma apreciação genérica relacionada aos direitos digitais que a nova Lei de Proteção de Dados Pessoais (Ley Orgánica de Protección de Datos Personales – LOPDP, de 5 de dezembro) formulou na época como manifestações reforçadas do poder de direção com o limite, configurado como um direito individual, do seu direito à privacidade na proteção dos dados digitais e como reiterado na referência à capacidade regulatória da matéria pelos coletivos de convênios nos termos do art. 91 da LOPDP sobre os “direitos e liberdades relacionados com o tratamento dos dados pessoais dos trabalhadores e a salvaguarda dos direitos digitais no âmbito laboral”.
A abordagem adotada pelo RDL 9/2021 é diferente. Com efeito, parte-se da importância que a digitalização assume progressivamente na determinação das condições de trabalho e emprego de um número crescente de empresas, mas desloca o eixo da sua intervenção para o campo dos interesses coletivos e da representação, eletiva ou sindical, das pessoas que trabalham em empresas e centros de trabalho. Desta forma, “as mudanças que estão sendo introduzidas na gestão dos serviços e atividades empresariais, em todos os aspectos das condições de trabalho” merecem que o legislador dirija sua atenção e análise para os algoritmos, “sobretudo porque as referidas alterações estão ocorrendo fora do esquema tradicional de participação dos trabalhadores na empresa ”, uma forma elegante de indicar o domínio unilateral por parte do empregador das medidas de controle do processo produtivo e da determinação das condições de trabalho.
O mecanismo escolhido pela norma tem sido o de ampliar os direitos básicos de informação dos órgãos representativos dos trabalhadores na empresa, acrescentando um novo parágrafo ao inciso 4º do art. 64 do Estatuto de los Trabajadores (ET) segundo o qual a comissão de trabalho “com a periodicidade adequada a cada caso” terá o direito de “ser informada pela empresa dos parâmetros, regras e instruções sobre os quais os algoritmos ou sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões e que possam vir a afetar as condições de trabalho, o acesso e a manutenção do emprego, incluindo a definição de perfis”. Trata-se de um preceito cujo significado inovador tem sido destacado por diversos comentaristas, visto que refere-se a uma mudança na perspectiva normativa, que nesta ocasião coloca a questão do controle digital dos rumos da organização do trabalho no espaço de interesse coletivo e, portanto, passa a incluir os sujeitos que o representam, tanto os órgãos representativos unitários e eletivos, quanto as seções sindicais e o delegado sindical.
É necessário também apontar que, face ao que constitui o elemento mais reconhecido da norma, a regulamentação laboral das pessoas que trabalham no setor de entregas de alimentos através de plataformas digitais, a regra prevista no art. 64.4 do ET não se limita a este setor, mas tem um alcance geral, para qualquer empresa que utilize esses instrumentos de inteligência artificial para a determinação da organização do trabalho e fixação das condições de trabalho ou emprego.
No entanto, constatou-se que o reconhecimento deste direito encontra-se em um nível de participação mais fraco, aquele que se refere aos direitos à informação, sem que, por conseguinte, se tenha tentado estabelecer o dever de iniciar um processo de consulta sobre esta matéria, como acontece em casos mais importantes como a alteração das condições de trabalho, transferência de empresas, sucessão de empresas ou demissões coletivas, por exemplo. No entanto, o reconhecimento desse direito à informação tem um grande potencial se for bem interpretado. De fato, embora a informação seja restrita no próprio art. 64 do ET à transmissão de dados pelo empregador ao conselho de empresa para que este tome conhecimento de determinado assunto, sem que isso implique a abertura de diálogo com o mesmo, que é o que caracteriza o direito de consulta, o certo é que o parágrafo 6 do mesmo artigo indica que as informações devem ser fornecidas “em um momento, de determinada forma e com um conteúdo apropriado” que permita aos representantes dos trabalhadores “realizar um exame adequado e preparar, se for o caso, a consulta e o relatório”. O relevante é o reconhecimento desse direito de informação que transfere para o empregador o dever de informar sobre o assunto. Na verdade, não existem compartimentos estanques na graduação dos direitos de representação, todos eles convergem no final de um processo de negociação e, para isso, o preceito previsto no RDL 9/2021 é diretamente direcionado.
Deve-se considerar que o que é conhecido como Gestão Algorítmica e que reforça o poder de direção e controle por meio de sofisticados instrumentos tecnológicos de supervisão digital, não só facilita o controle disciplinar e a avaliação do desempenho ou capacidade profissional dos trabalhadores, mas também atua por meio de uma imensa coleta de dados pessoais das pessoas que trabalham na empresa e canaliza seu comportamento digital, com repercussões evidentes sobre a saúde ocupacional e riscos mentais, ou decisões relevantes sobre contratação e avaliação de acesso ao emprego. O elemento decisivo e original proporcionado por este direito à informação reconhecido na norma recentemente publicada é a transparência dos parâmetros e critérios utilizados na tomada de decisão do empregador tanto nas condições de trabalho como nas de emprego. Isso implica questionar a neutralidade desses parâmetros como discriminatórios ou impeditivos do exercício dos direitos fundamentais, como já foi feito perante os juízes pelos sindicatos italianos, e este blog tem ecoado a questão. Mas a este problema de enorme relevância acrescenta-se a determinação, através dessas ferramentas digitais, das condições concretas de prestação de trabalho, o impacto nas condições de trabalho.
Por isso, o direito à informação sobre o algoritmo visa diretamente a sua utilização sindical no âmbito da negociação coletiva. Dito de outra forma, é evidente a idoneidade da negociação coletiva para impor e regular os critérios, regras e instruções da inteligência artificial que afetam os processos decisórios sobre a organização do trabalho e seus efeitos sobre as condições de desenvolvimento da oferta de trabalho. A importação de um princípio de transparência informativa que permita o “conteúdo apropriado” que facilite e oriente a intervenção coletiva da representação dos trabalhadores é o eixo desta faculdade, e dentro do programa de ação da Confederação Europeia de Sindicatos deseja-se que essa proposta seja levado ao projeto de norma europeia sobre Inteligência Artificial.
Certamente, o reconhecimento deste direito, cuja omissão por parte do empregador é uma ofensa grave nos termos do art. 7º da Ley sobre Infracciones y Sanciones en el Orden Social (LISOS), podendo ser objeto de litígio coletivo, exige a sua efetiva utilização na prática de negociação sindical. Em princípio, pareceria particularmente voltado para a negociação coletiva na empresa, o que coloca o problema da dupla legitimação, unitária e sindical, para a elaboração do acordo coletivo, embora também abra, nesse mesmo espaço, a possibilidade de acordos informais de empresas. Porém, além disso, os acordos setoriais podem estabelecer regras de caráter geral, a adoção de um princípio de transparência e a eliminação de elementos discriminatórios previsíveis ou obstáculos ao exercício de direitos fundamentais, sem prejuízo de especificidades subsequentes ao nível da empresa. A estratégia sindical sobre negociação coletiva no período pós-Covid deve levar essas possibilidades em consideração.
Antonio Baylos é doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid, professor catedrático de Direito do Trabalho e diretor do Centro Europeu e Latinoamericano para o Dialogo Social (CELDS) da Universidade de Castilla-La Mancha.