Márcia Lima
Flavia Rios
Danilo França
Fonte: MARCONDES, Mariana Mazzini et al. (Orgs.). Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. p. 53-80.
Sumário: 1 Introdução | 2 Raça e gênero no mercado de trabalho | 3 Mulheres negras e educação | 4 Quadro geral da participação no mercado de trabalho | 5 Posição ocupacional e rendimentos por gênero e raça | 6 Considerações finais | Notas | Referências | Bibliografia complementar
1 Introdução
A análise das desigualdades sociais, a partir da perspectiva sociológica, tem como um de seus principais objetivos compreender os processos de estratificação social considerando sua origem e seus mecanismos de produção e reprodução. Neste escopo interpretativo, raça e gênero ganham destaque na explicação deste fenômeno, porque, em primeiro lugar, tais atributos implicam em desvantagens históricas para determinados grupos sociais e atuam de maneira decisiva na definição da posição social dos indivíduos. Em segundo lugar, porque ajudam a compreender os mecanismos e processos de produção e reprodução das desigualdades, ao evidenciar a relação entre atributos individuais e estrutura social (Grusky, 1994; Sernau, 2000). Gênero e raça são, portanto, nos termos de Fraser (2001), paradigmas de coletividades bivalentes, pois abarcam dimensões econômicas e dimensões cultural-valorativas, implicando problemas de redistribuição e de reconhecimento.
Delineia-se, então, o binômio adscrição e aquisição, que, na dinâmica da sociedade de classe, se torna o nó górdio das desigualdades, nos termos de Sernau (2000). Os atributos adscritos atuam na hierarquização da diferença e influenciam a posição social dos indivíduos no sistema de estratificação. O preconceito e a discriminação estão associados à competição por posições na estrutura social, refletindo-se em desigualdades entre os grupos sociais na apropriação de posições na hierarquia social.
Circunscrevendo esse debate ao caso brasileiro, há que se considerar que, embora o cenário atual seja de redução das desigualdades sociais, ainda persistem padrões diferenciados de participação na educação e no mercado de trabalho que afetam de forma específica as mulheres, os negros e, em especial, as mulheres negras.
No caso das desigualdades de gênero, embora as mulheres apresentem um melhor desempenho educacional (média de anos de estudos mais elevada, maiores taxas de escolarização em todos os níveis de ensino e uma maior proporção de pessoas com nível superior concluído), elas ainda enfrentam desafios no que diz respeito aos retornos esperados pelo investimento educacional: seus rendimentos são inferiores aos dos homens, sua participação nos postos de comando e na condição de proprietárias-empregadoras ainda é restrita. Estas desigualdades também estão relacionadas à condição de gênero, como a média de horas trabalhadas das mulheres ser inferior a dos homens, dada a necessidade de dupla jornada, além de estarem concentradas nos setores de atividade com salários mais baixos, como saúde e educação. Ressalta-se, ainda, que sua concentração e participação em setores específicos é fruto de um forte viés de gênero nas carreiras universitárias. As mulheres, embora mais escolarizadas, frequentam cursos menos valorizados no mercado de trabalho. O desafio para as mulheres mais escolarizadas é participar de forma equitativa nas carreiras consideradas guetos ocupacionais masculinos, em que há salários mais altos, e alcançar posições de comando nos diferentes setores do mundo do trabalho (Lima, 2009).
No que diz respeito às desigualdades raciais, observa-se que, apesar da reconhecida rigidez de classe no Brasil, os estudos apontam que esta rigidez social ganha aspectos de rigidez racial nas tentativas de aquisição ou manutenção de status elevado. A rigidez racial aparece nas chances de mobilidade, na maior desigualdade racial entre mais escolarizados, em posições ocupacionais de maior status e na maior probabilidade de perder posição social (Ribeiro, 2009; Osório, 2004). Em resumo, as desigualdades raciais se revelam tanto na busca pelo emprego – com elevada taxa de desemprego para os negros – como na competição social por espaços e posições de poder – como a condição de empregador, de proprietários, posições de comando e chefia.
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Márcia Lima é professora de sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).
Flavia Rios é doutoranda em sociologia na Universidade de São Paulo (USP), bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e visiting student researcher collaborator junto à Princeton University.
Danilo França é mestre em sociologia e assistente de pesquisa no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).