Felipe Burle dos Anjos
Ana Magnólia Bezerra Mendes
Fonte: Revista Laborativa, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 35-55, abr. 2015.
Resumo: Concurso é o processo seletivo para ocupar um cargo público. As condições oferecidas têm atraído interessados preocupados com a precarização do trabalho no setor privado. A pesquisa analisa a subjetividade de um grupo de concurseiros. Mais especificamente: identificar o que é ser concurseiro; descrever as estratégias de defesa; analisar o momento na vida deles. A psicodinâmica do trabalho é a melhor alternativa para o estudo da intersubjetividade. Realizou-se uma entrevista semi-estruturada com três concurseiros que dedicam-se integralmente ao objetivo de ser aprovado na seleção. Identificou-se estratégias como automedicação e a psicodinâmica do não-trabalho.
Sumário: 1. Apresentação | 2. Pesquisas com concursos e/ou concurseiros | 3. A psicodinâmica do trabalho | 4. Psicodinâmica do trabalho do desempregado | 5. A corrida pelo ouro brasiliense | 6. Método | 7. Resultados e discussão: a psicodinâmica do não-trabalho | 8. Considerações finais: cultura do concurso? | Referências
1. Apresentação
A Reforma Constituinte de 1988 legislou-se, entre outras questões, sobre o processo seletivo do concurso público. Desde então, oficializou-se uma filosofia que vem se desenrolando no atual quadro trabalhista e cultural. Qual o impacto dessa tendência emergente de transformação do trabalho no serviço público na subjetividade dos aspirantes a um cargo público? Este artigo objetiva analisar a subjetividade de alguns concurseiros entrevistados. Mais especificamente: identificar o que é ser concurseiro; descrever as estratégias de mediação do sofrimento utilizadas; e analisar o impacto desse momento na vida deles.
O trabalho começa antes mesmo do começo! Esse é mais um dos paradoxos do trabalho na pós-modernidade. Trabalhar não é algo contingenciado pelos muros da instituição; ele transborda essa geografia e acompanha o trabalhador no caminho para casa, nos momentos com a família e até nos sonhos (DEJOURS, 2008). E o tempo do trabalho também se espalhou. Mesmo após a aposentadoria, muitos trabalhadores continuam vinculados (física, jurídica ou subjetivamente) com o trabalho, repetindo hábitos, valores e formas de pensar. Nem mesmo o início do vínculo empregatício marca o começo do trabalho. Desde o modelo japonês que a qualificação do trabalhador virou responsabilidade do próprio.
Essa inversão de atribuições na forma de se planejar o trabalho (tanto na perspectiva da produção quanto do indivíduo) provocou o crescimento da busca por educação formal, na expectativa de aumentar as chances de empregabilidade do trabalhador (ou aspirante ao trabalho). Assim, um treinamento que seria parte do trabalho já está sendo executado antes do trabalho propriamente dito começar. No aspecto subjetivo há todo um investimento do indivíduo num trabalho que não é garantido, apenas prometido. Isso mudou a forma como as empresas selecionam pessoas e também a forma como as pessoas buscam empregos.
A popularização das novas formas de gestão impôs ao mundo do trabalho uma organização do trabalho padronizada nascida nas indústrias (ADORNO & HORKHEIMER, 1944/1985). Empresas, escritórios, escolas, hospitais, comércio, e até o serviço público, passaram a adotar esses princípios. No caso do serviço público, esses princípios científicos se adaptaram a aspectos estruturais do Estado para instituir o processo seletivo do concurso público.
O conceito de trabalho nunca foi uma unanimidade, da sua etiologia com um instrumento de tortura (CUNHA, 1982) aos mais diversos sentidos, de emancipação ou sacrifício. Para fins deste artigo escolhemos a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho para analisar o fenômeno, por entender que esta é a melhor alternativa para o estudo da subjetividade do trabalhador. A pergunta que direciona a abordagem é: como fazem os trabalhadores para se manterem normais e saudáveis no trabalho?
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Felipe Burle dos Anjos é mestre e doutorando em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela UnB; psicólogo do trabalho; psicólogo clínico; professor do UniCEUB, Brasília/DF.
Ana Magnólia Bezerra Mendes é doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela UnB; psicóloga do trabalho, professora da Universidade de Brasília, Brasília/DF.