A constituição da democracia em seus 35 anos

Ilustração: Frente Brasil Popular

Livro trata de debate público atual sobre importantes questões sociais, econômicas e políticas em tempos de dissolução de direitos, que há três décadas foram garantidos pela aprovação da Constituição Brasileira.

José Geraldo de Sousa Junior

Fonte: Estado de Direito
Data original da publicação: 28/09/2023

A constituição da democracia em seus 35 anos / (Orgs) Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Álvaro Ricardo de Souza Cruz. Belo Horizonte: Fórum, 2023, 656 p.

O lançamento dessa obra celebratória, aponta para um livro robusto e de uma rica pluralidade considerando os autores e autoras que dele participam. Uma mirada sobre o Sumário – aqui reproduzido somente na designação genérica sem o desdobramento analítico de conteúdo, já exibe a potência dessas contribuições e o fôlego autoral:

PREFÁCIO

Álvaro Ricardo da Souza Cruz

O ATESTADO TESTEMUNHADO POR 35 ANOS DA CONSTITUIÇÃO NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA METODOLOGIA DO DIREITO CIVIL NA LEGALIDADE CONSTITUCIONAL; DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRAS EM JULGAMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Luiz Edson Fachin

TRINTA E CINCO ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

Luís Roberto Barroso

FEDERALISMO COOPERATIVO ECOLÓGICO EFETIVO: COORDENAÇÃO, FINANCIAMENTO E PARTICIPAÇÃO

Rosa Weber

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO E OS SEUS REFLEXOS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Luiz Fux

ERRADICAÇÃO DA POBREZA E COMBATE À FOME À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Cristiano Zanin Martins

HANNAH ARENDT E A DEFESA DA DEMOCRACIA

José Antonio Dias Toffoli

AGREGAÇÃO E DESAGREGAÇÃO REGIONAIS – O FEDERALISMO BRASILEIRO

Paulo Dias de Moura Ribeiro

AS FRONTEIRAS DA NOÇÃO CONTEMPORÂNEA DA LEGALIDADE

Joel Ilan Paciornik, Valdir Ricardo Lima Pompeo Marinho

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E SUA PREVISÃO EM NORMA

EXPRESSA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Regina Helena Costa

ACESSO À JUSTIÇA E TRANSFORMAÇÃO DIGITAL: UMA PESQUISA SOBRE O AMBIENTE VIRTUAL EM QUE OCORRE A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Luiz Alberto Gurgel de Faria, Rodrigo Maia da Fonte

REFLEXÕES SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

Humberto Martins

OS 35 ANOS DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A

DEFESA DA DEMOCRACIA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Benedito Gonçalves, Camile Sabino

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO PENAL NOS 35 ANOS DE VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Marcelo Costenaro

RECLAMAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: UMA ANÁLISE EVOLUTIVA DO INSTITUTO A PARTIR DA RECLAMAÇÃO Nº 4.374/PE E À LUZ DO SISTEMA DE PRECEDENTES DO CPC/2015

Mauro Luiz Campbell Marques

OS 35 ANOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Luis Felipe Salomão, Mônica Drumond

O DIREITO À CONSULTA E PARTICIPAÇÃO DOS POVOS ORIGINÁRIOS E TRADICIONAIS NOS 35 ANOS DE CONSTITUIÇÃO

Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Diogo Bacha e Silva, Guilherme Ferreira Silva

35 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: UM ACERTO DE CONTAS COM O NEOLIBERALISMO

Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Bernardo Augusto Ferreira Duarte,

Bernardo Gomes Barbosa Nogueira

CONSTRUÇÃO DA INCLUSÃO SOCIAL E TRANSFORMAÇÃO PELA ALFABETIZAÇÃO: ANÁLISE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL DESDE A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E PERSPECTIVAS FUTURAS

Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Julia Laureano Belan Murta,

Ebe Fernandes Carvalho

O ESTADO DE DIREITO E O ESTADO DE EXCEÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A DEMOCRACIA BRASILEIRA

Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Daniel Guimarães Medrado de

O AMICUS CURIAE ESPECIALISTA NO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Sérgio Cruz Arenhart

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 35 ANOS: AINDA UMA DISPUTA POR POSIÇÕES INTERPRETATIVAS

José Geraldo de Sousa Junior

“CONVÍVIO DEMOCRÁTICO”: UTOPIA INSTITUCIONAL E CHAVE HERMENÊUTICA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

José Rodrigo Rodriguez

A AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL E A CONSTITUIÇÃO

Gilberto Bercovici, Viviane Alves de Morais

APONTAMENTOS SOBRE A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

Leonardo de Araújo Ferraz, Daniel Martins e Avelar

A ATIVIDADE PARLAMENTAR E A REFORMA CONSTITUCIONAL: OS 35 ANOS DE ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL COMO CONSTITUINTE DERIVADO

Bárbara Brum Nery, João Trindade Cavalcante Filho,

Bonifácio José Suppes de Andrada

A EVOLUÇÃO DO CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS 35 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: AMPLIAÇÃO E EFETIVIDADE

Gustavo Costa Nassif, Mariana Bueno Resende

A PUBLICIDADE NO PROCESSO DELIBERATIVO DOS TRIBUNAIS: UMA ANÁLISE CRÍTICO-COMPARATIVA ENTRE O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DA ESPANHA E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO BRASIL

Gláucio Maciel Gonçalves, Valber Elias Silva

A ERA DO ALGORITMO E IMPACTOS SOBRE AS DECISÕES HUMANAS: OS DESAFIOS À DEMOCRACIA E AO CONSTITUCIONALISMO

José Adércio Leite Sampaio, Ana Carolina Marques Tavares Costa

O QUE DEIXAMOS DE FAZER: CONSTITUIÇÃO, SEGURANÇA PÚBLICA E FORÇAS ARMADAS

Daniel Sarmento, João Gabriel Madeira Pontes

A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Gustavo Tepedino

SOBERANIA ECONÔMICA, DIREITOS HUMANOS E OS TRATADOS DE INTEGRAÇÃO: POR UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DO ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

André de Carvalho Ramos, Denise Neves Abade

O ART. 167, IV (NÃO AFETAÇÃO), EM 35 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Fernando Facury Scaff

DESAFIOS PARA A DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Aurélio Virgílio Veiga Rios

O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE, RAZÕES DE SUA (IN)EFETIVIDADE E CAMINHOS PARA A SUA CONCRETIZ(AÇÃO)

Cristiana Fortini, Maria Fernanda Veloso Pires

DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À PROPRIEDADE RURAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988: IMPASSE QUE PERMANECE

Ela Wiecko V. de Castilho

DERROTABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

José Arthur Castillo de Macedo

A CONSTITUIÇÃO, O STF E A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Assusete Magalhães, Marco Túlio Reis

O Prefácio é assinado por Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Pós-Doutor pela UFMG. Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região. Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, também um dos co-organizadores da obra e, pelo menos no que me diz respeito, depois do convite que recebi diretamente do ministro Fachin, foi o diligente executivo para a finalização da edição, um trabalho que não é simples nem fácil, como sabemos os que já se dedicaram a esse mister editorial. A obra traz, a exemplo do que acabei de registrar relativamente ao desembargador Álvaro, uma suma biobibliográfica de todos os autores e de todas as autoras.

Detenho-me no prefácio, não obstante singelo, todavia apto a resumir o propósito e o alcance da obra:

Tempo é curso. Tempo é fluxo. Tempo é interrupção. Movimento e pulsão. Pausa e reflexão. Segundo Mia Couto, o tempo é um rio cujas margens transcendem quaisquer limites. Uma coisa suspensa que pende sobre nossas cabeças e sob nossos pés.

A pulsão de controle nos fez construir relógios e calendários. Cronos é a esperança de retê-lo na e pela episteme. “Compreendê-lo” em nosso cotidiano privado é “impossível”. Explicá-lo no plano coletivo e social é infinito (Kairós).

Cinco de outubro de 2023. Já se vão 35 anos. Como e onde estávamos no dia em que Ulisses Guimarães disparou seu nojo à ditadura erguendo em suas mãos o texto da nova Constituição do Brasil. Como e onde estamos hoje? Qual a gramática falada pelos brasileiros? A cacofonia da multidão é capaz de se tornar uma sinfonia? Há ordem em nosso caos?

Cada qual de nós (autores) ouviu um acorde. Cada autor recebeu uma fração da verdade que traduziu em seu texto. Vivemos tempos difíceis. Já vivemos tempos fáceis? Arbítrio. Polarização. Crispação. Limites aos/dos poderes. Inclusão de marginais/ marginalizados.

Após tantas voltas que o mundo deu, cada autor trouxe aqui o retrato que vê da nossa casa brasileira. Uma casa chamada Terra, insiste Mia Couto. Um retrato batido agora. Um flash que ilumina pontos cegos do outro. Uma fotografia que pretende parar o tempo para que possamos lembrar o presente (divino?) que é estar vivo. Lembrar o presente passado. Atestar um testemunho único. Sonhar com o presente futuro.

Novas/velhas palavras. Ativismo ou democracia militante? Devemos tolerar a intolerância? Devemos marcar o tempo do marco temporal das terras indígenas? Devemos visibilizar os invisíveis? O que dizer da propriedade e dos tributos? E do papel da Administração? E da tal liberdade de expressão?

Trinta e seis textos. Cada qual a partir de si projeta a sua visão aos outros. Ministros, professores, advogados, promotores e magistrados. Homens e mulheres que doam sua visão ao Outro/leitor. Um doar de si para o Outro. Verdadeira evasão para a alteridade.

Esse foi o projeto que ajustei com os amigos Fachin e Barroso. Amigos que sempre tiveram paciência em me ensinar. E que o fazem republicanamente aprendendo no dia a dia no ofício de magistrados supremos desse país. Uma alegria compartilhar com todos/todas o esforço de visão do momento do turbilhão desse rio chamado tempo e dessa casa chamada Brasil.

Tive muito gosto em participar da construção desse trabalho. Desde logo pelo convite que recebi de um amigo dileto, com quem partilhei experiências de interpelação ao Direito para encontrar um fio crítico que o pudesse conduzir a uma senda de mobilização emancipatória, em condição de poder dar dignidade jurídica à política como mediação da consciência que se realiza na história e se faz apta a transformá-la de modo democrático e em direção à justiça que humaniza.

Desde o final dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, essa disposição se manifestou no ambiente acadêmico (remeto a congressos em que se armou a agenda da abertura crítica ao positivismo jurídico), profissional (basta consultar diversos anais de conferências nacionais da Ordem dos Advogados) e social (não posso deixar de registrar, em muitas situações, discussões como a que pudemos estabelecer com Roberto Aguiar, Carlos Marés, Miguel Baldez, Paulo Lôbo, Alexandre Bernardino Costa para contribuir com movimentos sociais no esboço de uma proposta de currículo para as turmas especiais de direito do Pronera). Nem ocultar, mesmo depois de assumir a cátedra do Supremo Tribunal Federal, sua disposição imediata na concordância em sentar com as expressões jurídicas de movimentos sociais num encontro a que veio na UnB, a meu convite, para dialogar em tese, com expressões ativas de moimentos sociais da cidade e sobretudo, do campo.

Conforme diz o Ministro Fachin, na carta que me enviou, “a Constituição de 1988 é inequivocamente um marco histórico na trajetória do país em direção à democracia e à garantia dos direitos fundamentais. A partir da promulgação da Constituição, a sociedade brasileira conquistou avanços significativos no que diz respeito à consolidação de um Estado de Direito Democrático, da participação popular na gestão pública e do reconhecimento de direitos fundamentais como o acesso à educação, saúde e moradia. A celebração dos 35 anos da Constituição brasileira é uma oportunidade importante para refletir sobre a relevância desses avanços e sobre os desafios que ainda precisam ser enfrentados para que esses direitos sejam efetivamente garantidos a toda a população brasileira”.

Trata-se de um debate público atual sobre importantes questões sociais, econômicas e políticas em tempos de dissolução de direitos, que há três décadas foram garantidos pela aprovação da Constituição Brasileira. E fica a reflexão de qual papel estratégico e político devem os movimentos sociais assumir neste projeto ainda em construção para romper o atraso neocolonialista do País. De minha parte, ele é uma continuidade da avaliação que fiz, em evento semelhante, a propósito de celebrar os 30 anos da mesma Constituição, ocasião em que focalizei minha leitura, com uma perspectiva interpelante, inscrita na indagação: Constituição 30 anos: Uma Promessa Vazia?

Comecei, pois, meu texto levado para o livro, tomando como ponto de partida a reflexão iniciada por ocasião dos 30 anos da Constituição, mas tendo em vista a proposta comemorativa de seus 35 anos e o faço para confidenciar um sentimento. Cada vez mais, em novos auditórios, expor acerca desse tema – isto é, o processo constituinte que legou a Constituição Cidadã – vai deixando de ser um exercício de memória para se constituir também um registro de História. Boa parte desses auditórios, hoje, é formada por uma geração nascida muito depois dos acontecimentos que demarcam o período no qual a Constituinte se realizou. Sabe-se dela pelos livros, assim como outros eventos do passado (  SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Constituição 30 anos: Uma Promessa Vazia? In Revista Humanidades nº 62 (Dossiê 30 Anos da Constituição Cidadã). Brasília: Editora UnB, dezembro 2018).

Eu, entretanto, vivenciei esses acontecimentos, com ampla participação nos debates e nas avaliações na Universidade, como membro da Comissão de Estudos e de Acompanhamento da Constituinte que a UnB instalou à época e como integrante do Grupo Pedagógico para a preparação do Curso a Distância “Constituinte & Constituição” (Suplemento encartado por semanas, como tabloide, na edição de sábado do jornal Correio Braziliense. Ver a edição completa reunindo em fac-símile os textos publicados em ABREU, Maria Rosa ed. Constituinte e Constituição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1987.

 Esse projeto permitiu aos participantes do curso levarem ao Congresso Nacional propostas para discussão, em entrega solene ao presidente da Assembleia Nacional Constituinte Ulisses Guimarães, e devidamente consideradas no debate, conforme atesta o relatório de uma das subcomissões que as examinou. Participei ativamente também na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como membro da Comissão de Acompanhamento da Constituição que a entidade criou para assessorar seus dirigentes e seu Conselho Episcopal de Pastoral. Na Comissão Brasileira de Justiça e Paz, fui indicado para prestar depoimento numa das 24 subcomissões criadas para organizar o trabalho propositivo dos parlamentares constituintes. Depois, nos anos que se seguiram, tive participação em mais de uma audiência pública em comissões mistas, nas quais se discutiram projetos de emendas para revisão parcial ou total da Constituição aprovada.

Essa combinação de memória e de história dá uma vivacidade singular ao significado político da realização constitucional como expressão de momentos marcantes da historicidade de um país e da maturidade de seu projeto de sociedade. Contribuí para discernir os sinais que indicam a emergência constituinte desses momentos singulares, quando as crises aceleram o perecimento das formas arcaicas de organização da política e tornam possível desabrochar as formas novas que a própria crise fecunda. É o momento constituinte que vai pavimentar o movimento formidável que as contradições desencadeiam quando do esgotamento das motivações corporativas, elitistas, intolerantes, odiosas, discriminatórias que atingem as multidões e que fazem com que elas se transformem em povo. Entretanto, os elementos dessa combinação de memória e de história, estão em boa medida, documentados (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. A Nova Constituição e os Direitos do Cidadão. Revista de Cultura Vozes (Que Brasil Emerge da Constituição?). Ano 82, volume LXXXII, nº2. Petrópolis: Editora Vozes, julho-dezembro 1988; Estudos CNBB 60 – Participação Popular e Cidadania. A Igreja no Processo Constituinte/CNBB. São Paulo: Edições Paulinas, 1990; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Obstáculos à Efetivação da Democracia no Brasil. In CNBB: Sociedade, Igreja e Democracia. São Paulo: Edições Loyola, 1989; BACKES, Ana Luiza, AZEVEDO, Débora Bithiah, ARAÚJO, José Cordeiro (Orgs). Audiências Públicas na Assembleia Nacional Constituinte: A sociedade na tribuna. José Geraldo de Souza Junior: Cidadania. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009, p. 107-108; e de modo mais analítico DULTRA, Eneida Vinhaes; MARQUES, Sabrina Durigon. O Legislativo Convida Professor José Geraldo de Sousa Jr – Tecendo o fio democrático da formação jurídica crítica no espaço política. In O Direito Achado na Rua. Contribuições à Teoria Crítica do Direito. v. 6 n. 2 (2022): Revista Direito.UnB |Maio – Agosto, nº 2. 2022).

No meu texto, parto do fundamento que a Constituição não é o texto no qual se representa, mas aqueles fatores que a promovem (conforme indicava no século XIX Ferdinan de Lassale) e que por isso ela se realiza ao impulso da “Disputa por Posições Interpretativas”.  Daí o desdobramento que organizei para desenvolver o tema: “O que a Constituição ainda tem a oferecer? Impasses atuais: Reformas trabalhista e previdenciária – Como compreender essa mudança de rumo?  Em direção a um constitucionalismo achado na rua”.

Claro que pressuponho que essa disputa é movida diretamente no social, por isso constitucionalismo achado na rua, algo que procurei demonstrar recentemente, ao prestar depoimento, como convidado, na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), para examinar a questão agrária brasileira e os conflitos que dela decorrem. A propósito, para além do depoimento seguido de debates que pode ser recuperado nos arquivos de mídia da Câmara dos Deputados, requisitei a juntada de texto-base da minha apresentação, que também publiquei para evitar que fosse adrede recortado para servir a interpretações enviesadas, conforme já constatei no relatório lido na sessão convocada para esse fim. Remeto, pois, ao meu texto íntegro (cf.  https://www.brasilpopular.com/cpi-do-mst-contexto-e-diagnostico-da-situacao-agraria-brasileira/).

Mas há, igualmente, interpretações construtivas, que expandem o alcance da promessa constitucional em sua disposição de realizar direitos e ter cumpridas as suas promessas. Certamente para a compreensão dessa possibilidade é indispensável abrir-se a exigências próprias à disputa narrativa de realização da Constituição e de categorias que dêem conta de aferir as aberturas que a política proporcione para projetar as disposições constitucionais para o futuro.

É assim, portanto, que se pode compreender a decisão do Ministro Fachin um dos coordenadores esta obra, para repensar a dimensão política da função judicial  e reconhecer que “são os sujeitos coletivos que conferem sentido à soberania popular”, e que, afirmam uma ‘participação política da comunidade [indígena]’ expressão dessa subjetividade coletiva que se faz titular de direitos em perspectiva inter-sistêmica, juridicamente plural”, conforme seu voto no TSE (segundo semestre de 2022), por ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral (Processo Número: 0600136-96.2020.6.17.0055 – Pesqueira – Pernambuco

E desse modo, completa o seu entendimento, agora valendo-se de consideração sobre “a dimensão política da função judicial, apontada por Antônio Escrivão Filho e José Geraldo Souza Junior (Para um debate teórico-conceitual e político sobre os direitos humanos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016)” para, não só afastar  “o mito de neutralidade e buscando processos de democratização da justiça a partir, inclusive, da sua reorientação aproximada da realidade brasileira”, mas para afirmar, nesse passo, que são os sujeitos coletivos que conferem sentido à soberania popular”, e que, afirmam uma “participação política da comunidade [indígena]” expressão dessa subjetividade coletiva que se faz titular de direitos em perspectiva inter-sistêmica, juridicamente plural.

Direitos são promessas, mas não podem se tornar promessas vazias, e o apelo democrático do artigo 5o leva a essa consciência, ou seja, a de que é a cidadania protagonista, ativa, insurgente, achada na rua, o núcleo de uma subjetividade coletiva (sujeitos coletivos de direito), em movimento (movimentos sociais emancipatórios), a razão legitimadora do processo político e realizadora contínua do processo de afirmação de direitos já conquistados e de criação de novos direitos. E essa compreensão ficou ainda mais nítida, na relatoria do Ministro Fachin, acolhida com apenas duas defecções, no julgamento concluído no Supremo Tribunal Federal. Conforme consta da página oficial do STF, que traz um bom resumo dos elementos da decisão (https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514552&ori=1#:~:text=O%20Supremo%20Tribunal%20Federal%20(STF,da%20terra%20por%20essas%20comunidades): “O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, nesta quinta-feira (21), a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Por 9 votos a 2, o Plenário decidiu que a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral (Tema 1.031”.

Revelo que me inspirei muito declaradamente na posição de J.J. Gomes Canotilho, em parte manifestada a partir de provocação que lhe fiz, quando o entrevistei para o Observatório da Constituição e da Democracia (nº 24, julho de 2008, UnB/SindjusDF, p.  12-13): “A multiplicidade de sujeitos que se movem no debate constitucional contemporâneo tende a abrir expectativas de diálogo político estruturado na linguagem do Direito. Para usar uma expressão sua, quais as principais “posições interpretativas da Constituição” que emergem desse processo?”.

A resposta completa e os instigantes aportes que o notável constitucionalista oferece podem ser seguidos no exame por inteiro na matéria. Vou direto ao recorte da resposta:

Boa pergunta! Em trabalhos anteriores demos conta de que a “luta constituinte” era (e é) uma luta por posições constituintes e de que a lógica do “pluralismo de intérpretes” não raro escondia que essa luta continuava depois de aprovada a constituição. A interpretação seria afinal um “esquema de revelações” de pre-compreensões políticas. Continuamos a considerar que a metódica jurídica reflecte todas as dimensões de criação e aplicação das normas jurídicas e a prova disso é a de que as diferenças entre legislação (legislatio), jurisprudência (jurisdictio) e doutrina (jurídica e política) surgem cada vez mais imbricadas e flexíveis. De qualquer forma, o elemento central da nossa posição reconduz-se ainda à ideia de conformação constitucional dos problemas segundo o principio democrático e não de acordo com princípios a priori ou transcendentais.

Se vemos bem as coisas, as dificuldades da metódica jurídica residem mais na sua rotina e falta de comunicação com outros horizontes de reflexão como as da sociologia e da filosofia do que nos seus pontos de partida quanto à investigação e extrínsecação do sentido das normas para efeito da sua aplicação prática.

Para concluir, agrego ao que enunciei num argumento celebratório, que é objetivo do meu texto, a mesma convicção que me conferiu o nosso patrono constitucional Paulo Bonavides, em entrevista que me concedeu também, para o Observatório da Constituição e da Democracia (nº 22, maio de 2008, UnB/SindjusDF, p. 13-14), sob o título: “Democracia, Sim, mas do Cidadão Participativo”.

Quando lhe propus a questão: “O senhor é, dentre os constitucionalistas mais destacados, quem trouxe para o Direito Constitucional a perspectiva da democracia participativa, constituindo-se no principal intérprete e defensor da democracia direta inscrita na Constituição de 1988. Após 20 anos da sua promulgação como avalia a “Constituição Cidadã”, a sua resposta foi quase epifânica: “É uma grande Constituição. É a mais formosa. Todos os reacionários deste país a combatem. Combatem-na porque ela tem as chaves de solução para problemas que eles não querem que sejam resolvidos. Pior para eles. Como ela própria prevê, é o povo que os vai resolver. A Constituição de 1988 é a primeira Constituição principiológica de toda a nossa história Constitucional. Mas, princípios com normatividade, com juridicidade, que podem ser, portanto, concretizados. Cabe ao povo tomá-la para si e lhe imprimir avanços, galgando degraus no patamar da democracia e do constitucionalismo”

Álvaro Ricardo de Souza Cruz é professor-adjunto da PUC/MG, mestre e doutor em Diteito Constitucional, PHD em História, mais de 30 livros publicados, ex-procurador regional da República e atual desembargador federal no TRF-6.

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