16 de julho de 1968: começa greve de Osasco, último levante operário antes do AI-5

Duramente reprimido, movimento seria o último grande ato paredista por quase 10 anos no Brasil.

Exército retira lideranças da greve de Osasco da sede da Cobrasma Foto: Memorial da Democracia

Guilherme Daroit

Ano de grande ebulição social no Ocidente, após a deflagração dos diversos atos que agitariam o mês de maio na França, 1968 foi um marco, também, para o movimento operário brasileiro. Naquele ano, em julho, os metalúrgicos de Osasco, na Grande São Paulo, paralisariam suas atividades, contrapondo-se à Ditadura Militar que fechava o cerco contra opositores. A greve, que resistiria por três dias, acabaria sem conquistas e com centenas de presos, demarcando o último levante sindical antes da decretação do Ato Institucional nº 5, em dezembro, e que não seria seguida por outra no país por praticamente uma década.

Meses antes, em abril, outra greve em um polo industrial metropolitano já havia assolado os militares. Coordenada por fora do sindicato oficial, a paralisação dos metalúrgicos em Contagem (MG) havia deixado sequelas na política econômica da Ditadura, que acabaria obrigada a conceder aumento para todos os trabalhadores brasileiros, em maio, como forma de arrefecer os ânimos. Nesse rescaldo, uma nova greve em Osasco, que se desenhava como centro de uma nova esquerda nascente, encontraria uma resposta ainda mais dura.

Ao contrário do acontecido em Contagem, entretanto, a greve em Osasco seria puxada pelo próprio Sindicato dos Metalúrgicos da cidade, dirigido por grupos de esquerda desde 1967. No município, a luta de estudantes, trabalhadores e outros movimentos sociais se misturava, com a união de todos em um mesmo grupo. A direção do sindicato, inclusive, era dominada por jovens ligados ao movimento estudantil, que se organizavam na comissão de fábrica de uma das maiores metalúrgicas da cidade, a Cobrasma, que admitia empregados a partir dos 14 anos de idade.

Com pensamentos diferentes da maioria dos sindicatos à época, tutelados pelos militares ou dirigidos pelo peleguismo, Osasco radicalizava posições. No ato de 1º de Maio, por exemplo, os metalúrgicos do novo município defendiam novas greves, além de haver expulsado, com pedras e ovos, os governantes biônicos da Ditadura, tensionando a relação com as outras entidades, que não os seguiram. A maior bandeira, no momento, referia-se ao arrocho salarial, imposto pelos militares desde sua ascensão ao poder, que corroera os salários.

O sindicato de Osasco, então, não esperaria a data-base da categoria, em novembro, para agir, e prepararia a sua paralisação já em julho. Não por coincidência, seria na Cobrasma que a greve teria seu início. Entre 8h e 9h, um toque extra da sirene da empresa era um sinal para a paralisação, imediatamente iniciada em setores mais combativos, como a limpeza e o acabamento. Em questão de minutos, uma assembleia geral já havia sido convocada, que decidiria pela ocupação de toda a fábrica por tempo indeterminado. Chefes e engenheiros seriam feitos reféns, como forma de evitar ataques policiais, e os trabalhadores se dividiriam para a guarda dos portões.

No fim da manhã, o mesmo movimento aconteceria na empresa Barreto Keller e, logo depois, na Lonaflex. Ganhando em escala rapidamente, os quadros da Delegacia Regional do Trabalho compareceriam ao sindicato no mesmo dia para negociação. Informados de que as conversas deveriam ser feitas com o comando de greve, os representantes do governo iriam até as fábricas ocupadas, onde seriam vaiados.

Derrotado na greve de Contagem, entretanto, o regime militar não cederia. Ainda no dia 16, declararia a greve ilegal, e enviaria tropas para cercarem as saídas de Osasco. À noite, começaria a repressão. Após desocuparem a Lonaflex à força, as tropas de choque fariam o mesmo na Cobrasma, derrubando as barricadas construídas pelos operários e adentrando a fábrica à caça dos trabalhadores, que desligariam as luzes para tentar escapar, sem sucesso.

O conflito generalizado acabaria com feridos de todos os lados, centenas de grevistas detidos e pelo menos 60 deles, presos para novas averiguações. Líder da fábrica, José Campos Barreto, o Zequinha, não seria solto por mais de três meses, período no qual seria torturado.

No dia seguinte, mesmo com a cidade sitiada e a barbárie da Cobrasma, novas fábricas seriam paralisadas, em empresas como a Brown Boveri, Braseixos e Eternit. O movimento não duraria muito. Na madrugada do dia 18, o Exército invadiria o Sindicato, prendendo dezenas de dirigentes e líderes da greve que, isolada nas fábricas, definharia no mesmo dia, sem conquista de qualquer benefício.

No fim daquele mês, o governo decretaria a intervenção no Sindicato e cassaria seus diretores, dos quais boa parte migraria para organizações clandestinas. Em dezembro, o acirramento da repressão atingiria seu ápice com o decreto do AI-5, que suspenderia os direitos políticos no país, também nos sindicatos. Novo levante relevante só aconteceria dez anos depois, em 1978, na Scania, em São Bernardo do Campo (SP).

Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

 

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