O direito do trabalho por Evaristo de Moraes Filho: uma contribuição à compreensão da cultura jurídica trabalhista brasileira

Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva

Fonte: Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 18, n. 36, 2015.

Resumo: O objetivo do artigo é examinar as concepções de Direito do Trabalho presentes na obra de Evaristo de Moraes Filho, em especial o debate sobre as funções e sentidos deste ramo. Para tanto, apresenta o autor, com sua múltipla formação e dupla inserção – acadêmica e profissional – nas áreas de ciências jurídicas e sociais, e se referencia em estudos que o situam no âmbito do pensamento social brasileiro e da repercussão de sua obra na sociologia do trabalho e no direito coletivo. A partir das teses que o descrevem como um pensador não canônico nas ciências sociais, indaga se, no campo laboral, os referenciais analíticos presentes em sua obra jurídica denotam um caráter não hegemônico de suas concepções teóricas. Realiza tal percurso com uma revisão bibliográfica de e sobre Moraes Filho. Argumenta que a recursa à tese da outorga e do insolidarismo se faz acompanhada da afirmação de um caráter compromissório e de mediação do direito laboral. Conclui, destacando a singularidade metodológica do jurista. Encerra com um inventário de temas de pesquisa que permitem ampliar a compreensão sobre a contribuição de Evaristo de Moraes Filho para a cultura jurídica trabalhista.

Sumário: 1 Introdução | 2 Uma apresentação | 3 Contribuição à sociologia e ao direito coletivo do trabalho | 3 O direito do trabalho visto por Evaristo de Moraes Filho | 4 Considerações finais | 5 Referências bibliográficas

1. Introdução

Ao indagar sobre as razões de ser do Direito do Trabalho, em seu já clássico Direito do Trabalho e Ideologia, Manuel-Carlos Palomeque-Lopez observa que sua funcionalidade como disciplina jurídica independente reside na canalização ou institucionalização do conflito entre o capital e o trabalho assalariado sendo, pois, uma categoria cultural fruto do sistema capitalista industrial. À noção de categoria cultural se acresce a compreensão da profunda historicidade do direito laboral, de seu caráter ambivalente ou contraditório, que desempenha o papel de juridificação do conflito mediante conteúdos diversos, com variações autoritárias e democráticas.

A combinação de elementos em disputa e a dinâmica constitutiva na formulação de distintos desenhos sugerem a inexistência de uma modelagem prévia do sistema jurídico laboral, ao menos como forma de representação abstrata ou conceitual. Tal tensão perpassa de tal modo as narrativas das configurações dos modelos de Direito do Trabalho que uma aproximação crítica dos processos constituintes, ao lado da articulação entre modos de regulação e da cultura jurídica, a partir de uma noção compreensiva, apresenta-se como substancialmente adequada para captar os fundamentos de políticas legislativas concretas (BAYLOS GRAU, 2014).

Entre nós, este tipo de reflexão é pouco comum. Poucas são as pesquisas que indagam sobre as contribuições de nossos juristas para a formação do Direito do Trabalho. A esta escassez se soma certa tendência a um reverencialismo que permeia a assimilação da doutrina na área, com citações apresentadas com transcrições que se sucedem sem diálogo para abrilhantar, com pretensa erudição, os argumentos de autoridade que sustentam a lógica advocatícia da construção dogmática de manuais. Sabe-se que tal lacuna vem diminuindo, com um conjunto de investigações que advém da história do direito e da historiografia ou sociologia do trabalho. Contudo, um mapeamento das narrativas, das discussões entre os doutrinadores e de seus aportes para as opções e interpretações que o Direito do Trabalho assumiu ao longo de seu primeiro século de existência no país persiste como tarefa por realizar. Afinal, o papel dos juslaboralistas importa. Suas trajetórias e seus aportes para a configuração do Direito do Trabalho merecem ser estudadas.

Evaristo de Moraes Filho é um caso à parte. Há sólida produção sobre o arquiteto da sociologia e do direito do trabalho no Brasil (MOREL; GOMES; PESSANHA, 2007), sua contribuição à sociologia do direito e sua leitura sobre o problema do insolidarismo. Estudos se debruçaram sobre seu papel como “valorizador obstinado da contribuição das lutas sociais populares”, de “avanços como um balizador e formulador de princípios mais democráticos para as relações de trabalho no Brasil” (PESSANHA, 2005, p. 14). A vastidão da obra, a excelência das reflexões, a pluralidade de interesses e de campos de estudo, o rigor como investigador, o pioneirismo na arena universitária, a perseguição política, a prisão e o expurgo sofrido, o labor como procurador do trabalho, a atuação propositiva legislativa, o reconhecimento literário, são apenas alguns dos aspectos destacados quando se apresenta a obra e a vida do catedrático de Direito do Trabalho da Faculdade Nacional de Direito, atualmente professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Associação Brasileira de Letras (ABL).

O presente ensaio realiza um inventário das concepções sobre o Direito do Trabalho, seus fundamentos, objetivos e funções, pelo estudo da doutrina produzida por Evaristo ao longo de três décadas de consolidação e autonomização do ramo juslaboral no Brasil. Para tanto, traz elementos biográficos e se referencia em obras que avaliam sua importância para o pensamento social brasileiro. Apresenta o pioneirismo de suas abordagens no campo da historiografia do trabalho e das ciências sociais. Realiza tal percurso com uma revisão bibliográfica de e sobre Moraes Filho. Almeja-se explicitar aspectos que permitem situá-lo em posição singular na cultura trabalhista brasileira, diante da perspectiva metodológica interdisciplinar, em um viés comprometido com a democracia, de um socialista possibilista.

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Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva é Doutora em Ciências Jurídicas PUC-Rio, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional PUC-Rio. Foi bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq nível 2. Professora Adjunta da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em Direito.

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