Um mosaico assustador e inspirador do trabalho pós-pandêmico

Em Os laboratórios do trabalho digital: entrevistas, o cientista social Rafael Grohmann traça um panorama dos estudos sobre trabalho e tecnologia por meio de 38 entrevistas com os principais pesquisadores da área no Brasil e no mundo.

Ruy Braga

Fonte: Blog da Boitempo
Data original da publicação: 18/06/2021

Após o advento da epidemia do novo coronavírus, profissionais e trabalhadores passaram a enfrentar um mundo do trabalho em estado ainda mais acelerado de transformação: o home office generalizou-se, as lives multiplicaram-se e o trabalho por aplicativos redefiniu nossa relação com o tempo e o espaço, consolidando um amplo setor de novos infoproletários formado por motoristas, entregadores, professores, empreendedores populares e trabalhadores de microtarefas virtuais.

Para além, como fica claro em vários capítulos de Os laboratórios do trabalho digital: entrevistas, a precariedade das condições de vida e de trabalho desses setores tem revelado o problema mais geral do aumento das desigualdades entre trabalhadores protegidos e desprotegidos, trabalhadores brancos e negros, homens e mulheres, trabalhadores nativos e migrantes indocumentados.

Daí a importância de buscar compreender como formas de dominação social presentes em relações de classe, raça e gênero vêm sendo reconfiguradas pela explosiva mistura entre a desconstrução da proteção social do trabalho, a financeirização do capital, a ideologia do Vale do Silício e o empreendedorismo neoliberal, que caracteriza o desafiador capitalismo de plataforma.

Por meio da combinação entre aquilo que há de melhor na produção teórica nacional e internacional sobre os desdobramentos sociais e políticos da plataformização do trabalho e estudos empíricos criteriosamente selecionados e analisados por especialistas renomados, Rafael Grohmann nos oferece um mosaico ao mesmo tempo assustador e inspirador a respeito do presente e do futuro do trabalho em um mundo pós-pandêmico.

Assustador por expor os riscos que todos que vivem do trabalho correm caso não consigamos regular a atual gig economy; e inspirador por demonstrar, uma vez mais, que cada reestruturação capitalista cria seu próprio antagonista e as formas de resistência ao trabalho plataformizado tendem a se multiplicar em um mundo dilacerado pela conjunção de financeirização, dataficação e neoliberalismo autoritário.

Nesse sentido, os laboratórios do trabalho digital são, antes de tudo, um campo de experiências de mobilização e de reconfiguração das identidades coletivas dos trabalhadores plataformizados. O livro Os laboratórios do trabalho digital: entrevistas é parte desse processo necessário e atual de desenvolvimento das lutas de classes em escala global.

O trabalho mediado por plataformas está presente em toda a sociedade. Termos como “plataformização”, “uberização”, “dados” e “algoritmos” são vocábulos definitivos na gramática do capital contemporâneo. Em contrapartida, as lutas dos trabalhadores também ganharam novos contornos, em artifícios como o cooperativismo de plataforma, o sindicalismo digital e as plataformas de propriedade dos trabalhadores.

Em Os laboratórios do trabalho digital: entrevistas, o cientista social Rafael Grohmann traça um panorama dos estudos sobre trabalho e tecnologia por meio de 38 entrevistas com os principais pesquisadores da área no Brasil e no mundo, como Virginia Eubanks, Jamie Woodcock, Ursula Huws, Ludmila Costhek Abílio e Ricardo Antunes.

Uma das várias lições deste livro é que o cenário atual do trabalho em plataformas não é inevitável como aparenta ser; é, pelo contrário, um laboratório. Se, por um lado, o capitalismo experimenta novos mecanismos de subjugação da classe trabalhadora, por outro é possível formular alternativas, construir projetos prefigurativos e lutar pela não precarização do trabalho gerido por algoritmos e realizado por milhares de trabalhadores em todo o mundo.

Os laboratórios do trabalho digital, organizado por Rafael Grohmann, tem texto de orelha de Ruy Braga, quarta capa de Edemilson Paraná, Muniz Sodré e Nuria Soto e capa de Antonio Kehl. O livro faz parte da coleção Mundo do trabalho da Boitempo e contou com o apoio do MPT-Funcamp.

Ruy Braga é professor titular do Departamento de Sociologia da USP, onde dirige o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic). É autor, entre outros livros, de Por uma sociologia pública (Alameda, 2009), em coautoria com Michael Burawoy, e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (Xamã, 2003). 

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