Uber Files: história da plataforma é repleta de escândalos, sonegação, pirataria, lobby e espionagem

A história da plataforma de transporte Uber, criada em 2010, é marcada por escândalos de assédio, lobby, pirataria, sonegação de impostos, espionagem industrial e disputas judiciais. Além do que já se sabia, a publicação, nesta segunda-feira (11), do Uber Files, uma ampla investigação jornalística internacional baseada no vazamento de milhares de documentos internos da empresa, revela detalhes das ilegalidades já cometidas pela gigante californiana. 

Na França, o presidente Emmanuel Macron é acusado por um consórcio de jornalistas de ter facilitado a instalação da empresa californiana Uber no país, no período em que foi ministro da Economia, de 2014 a 2016. Reportagens publicadas nesta segunda-feira (11) pelo jornal Le Monde e pelo grupo de emissoras públicas Radio France mostram que Macron agiu como uma espécie de relações públicas do grupo americano, a fim de convencer o governo francês a abrir o mercado de táxis ao serviço de motoristas privados.

Esse escândalo francês não é, contudo, a única pedra no sapato da empresa, segundo documentos obtidos por jornalistas do jornal britânico The Guardian com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e seus parceiros, incluindo a Radio France. 

A intensa estratégia de lobby posta em prática pela empresa americana para se desenvolver também foi aplicada na Rússia. A multinacional procurava se aproximar do círculo próximo a Vladimir Putin, por vezes no limite da legalidade, sem contudo conseguir se estabelecer de forma permanente no país.

O vazamento de documentos chamados Uber Files revela, também, que a multinacional tem praticado a otimização fiscal à escala global, repassando o imposto aos seus motoristas e seus clientes, com o apoio da Holanda, e em detrimento de vários países.

No início de 2015, enquanto a Europa planejava regular melhor os gigantes de tecnologia dos EUA (Google, Apple, Facebook e Amazon), acusando-os de concorrência desleal e de não pagar impostos suficientes, os executivos da Uber Technologies Inc. temiam que seu negócio fosse o próximo da lista.

E por um bom motivo: os Uber Files mostram que a gigante do transporte de veículos de passageiros com motorista encontrou uma maneira de economizar mais de US$ 500 milhões (R$ 2,6 bilhões) em impostos em todo o mundo, canalizando seus lucros através das Bermudas e outros paraísos fiscais.

Uma frase resume o medo do grupo: “Nossa estrutura tributária, em termos de política europeia, é o calcanhar de Aquiles da empresa”, escreve Mark MacGann, lobista-chefe da Uber para a Europa, ao chefe do departamento fiscal da Uber.

Independentes ou assalariados?  

Desde o início, a Uber tem se destacado por suas práticas trabalhistas em dezenas de países. A gigante norte-americana defende vigorosamente o uso do status de trabalhador independente, mas decisões judiciais em vários países a obrigaram a conceder o status de empregado aos seus trabalhadores.

Em 2021, a justiça britânica encerrou cinco anos de julgamentos e determinou que a Uber deve garantir um salário mínimo e férias pagas aos seus motoristas, uma novidade mundial.

Dois meses depois, um acordo “histórico” permitiu que os 70 mil motoristas da plataforma Uber sejam representados por um sindicato.

Pouco depois, as justiças francesa e holandesa consideraram que os motoristas são regidos por um contrato de trabalho.

Em 2019, a Califórnia também considerou os motoristas da empresa assalariados. Mas, em 2020, a Uber lançou uma contra-ofensiva ao aprovar um referendo sobre o status dos trabalhadores independentes. No entanto, um juiz considerou o referendo inconstitucional e a Uber, então, apresentou um recurso.

Após uma forte regularização fiscal na Dinamarca, a plataforma de reservas foi processada por cumplicidade em atividades ilegais e teve de pagar uma multa de € 3,3 milhões (R$ 17,7 milhões) em 2020 para evitar processos.

Assédio e cultura machista

Em 2017, a Uber, acusada de tolerar uma cultura machista e violenta, abre uma investigação interna. Seu cofundador, Travis Kalanick, é forçado a renunciar por encorajar práticas de gestão brutais.

Além disso, a empresa demite 20 trabalhadores após 215 reclamações de comportamento inadequado e intimidação de funcionários em todo o mundo.

Na Índia, um dos líderes da empresa é demitido após tentar desacreditar o depoimento de uma mulher estuprada por um motorista, em 2014.

Em 2018, a Uber disse que não usava mais a mediação em casos de agressão sexual ou assédio sexual, o que preferia antes de o caso ir a tribunal.

No mesmo ano, um ex-engenheiro apresentou uma queixa em São Francisco depois que a plataforma lhe negou um aumento salarial depois que ele denunciou discriminação e assédio sexual contra mulheres na empresa.

Aparentemente, ele desistiu de um acordo confidencial no qual o Uber pagou US$ 10 milhões (R$ 53 milhões) a vários funcionários para evitar uma ação legal.

Espionagem industrial

Em 2017, a justiça norte-americana investigou suspeitas de corrupção no exterior e o uso de programas ilegais para espionar a concorrência ou fugir do controle das autoridades.

A Uber implementou “uma estratégia sofisticada para destruir, ocultar, disfarçar e falsificar registos ou documentos com a intenção de impedir ou interferir nas investigações governamentais (…)”, explica a procuradoria norte-americana.

O ex-chefe de “inteligência” da Uber afirmou ter recebido US$ 4,5 milhões (R$ 24 milhões) para não criticar a empresa.

No início de 2018, a Waymo, subsidiária do Google que desenvolve veículos autônomos, a acusa de ter roubado segredos tecnológicos sobre o sistema de direção autônoma.

A Uber tem que interromper seus testes por vários meses após a morte de uma mulher atropelada por um carro autônomo da empresa, no Arizona, em 2018.

Para resolver o processo, a Uber paga à Waymo US$ 245 milhões (R$ 1,3 bilhão).

Invasão de privacidade

Em novembro de 2017, a Uber admitiu que os dados de 57 milhões de seus usuários, clientes ou motoristas, foram hackeados. A empresa sabia disso desde novembro de 2016, mas depositou US$ 100.000 (R$ 535 mil) aos hackers para manter o silêncio.

Em 2018, a França condenou o Uber a uma multa de € 400.000 (R$ 2,1 milhão)  por ter ocultado esse hack. A empresa também deve pagar duas multas de mais de  € 1 milhão (R$ 5,3 milhões) na Holanda e no Reino Unido.

Fonte: RFI
Texto: Paloma Varón
Data original da publicação: 11/07/2022

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