
O aumento no valor do Auxílio Brasil, em agosto de 2022, permitiu que pessoas em vulnerabilidade – principalmente mulheres com responsabilidades de cuidado – abandonassem trabalhos precários e com baixa remuneração. É o que afirma uma nota técnica publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O estudo encontrou um pequeno efeito de redução na probabilidade de participação na força de trabalho, entre 2,2 e 4,7 pontos percentuais. Não foi encontrado efeito estatisticamente significante sobre o número de horas trabalhadas daqueles que seguiram trabalhando e nem sobre a informalidade.
Utilizando dados longitudinais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), os pesquisadores Ricardo Campante e Fábio Veras, da Diretoria de Estudos Internacionais (Dinte/Ipea), analisaram o efeito causal do aumento do piso do benefício de R$ 400 para R$ 600.
Em agosto de 2022, o piso do Auxílio Brasil aumentou 50%, para R$ 600. Com isso, o benefício médio por família passou de R$ 408,80 para R$ 607,88. Em 2023, o Programa Bolsa Família manteve o valor do piso, mas reintroduziu a arquitetura de benefícios variáveis atrelados à composição familiar. Assim, o benefício médio subiu 10,2%, para R$ 670 em março de 2023.
“Antes da pandemia, os estudos sobre o Bolsa Família mostravam que ele não impactava significativamente a participação na força de trabalho. Mas os benefícios do Bolsa Família antes da pandemia tinham um valor mais baixo relativamente à renda da população brasileira do que têm hoje. Isso gerou uma nova preocupação, de que esses valores mais altos no pós-pandemia desincentivassem a oferta de trabalho. Desde então, alguns especialistas investigam se isso aconteceu”, explica o técnico de planejamento e pesquisa Ricardo Campante. “Os resultados contradizem as expectativas de que haveria um grande efeito sobre a oferta de trabalho, pois o impacto é pequeno e concentrado em pessoas que tinham ocupações de trabalho mais precárias, como os trabalhadores por conta-própria informais, empregadas domésticas sem carteira e aqueles que auxiliavam a família sem remuneração.”
A metodologia usada pelos pesquisadores permitiu o acompanhamento dos mesmos indivíduos antes e depois da majoração do benefício, isolando o impacto do aumento do benefício de outras dinâmicas macroeconômicas e das características idiossincráticas dos beneficiários.
“Essa metodologia é uma das grandes contribuições do estudo. Ninguém tinha olhado para os dados em painel para responder essas perguntas”, afirma Campante.
A análise do perfil sociodemográfico daqueles que deixaram o mercado de trabalho mostra que a evasão foi muito maior entre as mulheres. Elas representam 43% do total dos beneficiários que estavam na força de trabalho antes do aumento, mas 61% dos que saíram do mercado. A proporção é ainda maior entre as mulheres responsáveis pelo cuidado de crianças de até 10 anos – 24% das beneficiárias, mas 38% das que deixaram a força de trabalho.
A necessidade de cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos ou de outros parentes foi a principal razão declarada pelos indivíduos que se tornaram inativos, 34,4%. Para os pesquisadores, não houve desincentivo generalizado ao trabalho. No caso de muitas mulheres, o aumento do benefício atuou como um seguro de renda que permitiu que elas redirecionassem seu tempo do mercado de trabalho para as tarefas não remuneradas de cuidado doméstico.
“Esses resultados contrariam crenças de que as pessoas hoje não querem procurar emprego para viver de bolsa família. Na verdade, o aumento fez com que algumas pessoas que já tinham uma inserção mais precária saíssem do mercado de trabalho”, diz o pesquisador.
Fonte: IPEA
Data original da publicação: 09/09/2025