Jacob Carlos Lima
André Ricardo de Souza
Fonte: Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 93, p. 139-168, set./dez. 2014.
Resumo: Este artigo propõe a discussão da solidariedade social, tendo como referência as transformações capitalistas das últimas décadas do século XX e o surgimento de formas alternativas de geração de renda, fora das relações de assalariamento formal, que estruturaram políticas sociais inclusivas. Tendo como referência o movimento de economia solidária no Brasil, abordamos algumas questões fundamentais do debate sobre a construção da solidariedade social que a configurou: o coletivismo laico e o católico, o Estado de Bem-Estar Social, a crise do trabalho e da chamada sociedade salarial.
Sumário: Retomando o conceito de solidariedade | Solidariedade social e condição salarial | Solidarismo cristão, conflitos e direitos sociais | Solidariedade social e economia solidária | Bibliografia
Neste artigo, analisamos a retomada do debate sobre solidariedade social, tendo como referências as transformações recentes nas relações de trabalho e o surgimento do movimento de economia solidária como proposta alternativa de ocupação e inclusão social. O ponto de partida é a reestruturação econômica a partir da década de 1970, a busca por redução de custos e flexibilização tanto das relações de trabalho, entendidas aqui em sua forma hegemônica, o assalariamento, quanto dos direitos incorporados ao contrato de trabalho. A condição salarial, de forma progressiva no século XX, passou a representar não apenas a forma de inclusão no mercado de trabalho, mas também o acesso a direitos sociais que garantiam a reprodução social dos trabalhadores, conferindo-lhes cidadania e representações simbólicas de cunho identitário, enquanto profissionais e membros de uma classe social. A fragilização desses direitos, com tentativas de desregulamentação das relações de trabalho, motivou o surgimento de movimentos de recuperação da solidariedade social para além do trabalho formalizado.
No Brasil, a partir da mobilização de entidades sindicais, eclesiais e universitárias, constituiu-se o movimento nacional de economia solidária, propondo organizações coletivistas e democráticas, sobretudo cooperativas, de trabalho (Singer e Souza, 2000). Tal movimento incorporou distintas referências do debate sobre solidariedade, indo da perspectiva socialista e suas variações, ao chamado solidarismo cristão. Esse movimento surgiu em meados da década de 1990, e deu ensejo a políticas públicas em diversos níveis governamentais, formalizando-se nacionalmente em 2003 com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, como uma política alternativa de inserção social e ocupação voltada a pessoas excluídas do mercado formal de trabalho.
Iniciamos o texto com uma introdução ao conceito de solidariedade social vinculado à noção de trabalho e direitos sociais, seguida por uma análise da constituição da chamada sociedade salarial e da solidariedade presente nas políticas do Estado de bem-estar social, discutindo seus referenciais teóricos; o corporativismo presente nas propostas de acesso aos direitos; e o Estado como mediador das relações capital-trabalho e agente da reprodução social. No item seguinte, recuperamos a discussão do solidarismo cristão que propunha o cooperativismo como terceira via entre o capitalismo e o socialismo, e por fim demonstramos o amálgama dessas referências na constituição da economia solidária no Brasil.
Jacob Carlos Lima é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Profissões e Mobilidades e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
André Ricardo de Souza é professor adjunto do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, coordenador do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política e da Associação Brasileira de Pesquisadores de Economia Solidária.