Trabalho e Produção 2020

O próximo governo argentino deverá apelar à convergência das forças do capital e do trabalho em um projeto de desenvolvimento sustentável.

Álvaro Ruiz

Fonte: El Destape
Tradução: DMT
Data original da publicação: 08/09/2019

A disputa eleitoral ainda não está definida, embora seja tolice ignorar os sinais crescentes que dão por certo um determinado resultado. Mas o que a realidade argentina indica, seja qual for o futuro das eleições, é que o governo que começa em dezembro deve apelar à convergência das forças do capital e do trabalho em um projeto de desenvolvimento sustentável. Nessa perspectiva, são levantadas as seguintes reflexões para discussão.

Balanço geral

Não é necessário fazer um extenso inventário das consequências que as políticas implementadas nos últimos anos tiveram no mundo do trabalho, todos os indicadores obtidos de diferentes fontes informam o quão devastadores têm sido e demonstram como podem desconstruir rapidamente os avanços que levam muitos anos para se concretizar.

Basta salientar que mais de 250.000 empregos formais foram destruídos, que uma grande proporção corresponde ao setor industrial, que semelhante – mas mais intenso – é o efeito gerado na pequena e média empresa que em dezenas de milhares desapareceram ou reduziram ao mínimo sua atividade.

Em contrapartida, surgiram as mais diversas estratégias de sobrevivência, todas fora do campo de trabalho protegido pelas normas trabalhistas, seja trabalho não registrado, de informalidade – total ou parcial – exibida como empreendedorismo, de prestação de serviços supostamente autônomos ou outros que nem atingem esses limites mínimos.

Como se chegou a uma situação dessas? Qual foi a razão pela qual, em três anos, o desemprego dobrou e ainda mais a subocupação? O que poderia ter causado a queda acentuada dos salários reais ou da renda básica?

A resposta é uma e uma palavra a resume eloquentemente: o Neoliberalismo. Suas teorias apresentadas como economistas, na verdade, constituem uma filosofia política baseada em um axioma, as riquezas não têm outra forma de distribuição além da decidida por aqueles que as possuem e que se apossam de seus frutos com o trabalho de outros.

A equidade não é um conceito próprio, muito menos um anseio, do Neoliberalismo. A democracia também não faz parte de sua ideologia; se serve de tal institucionalidade quando lhe é funcional, mas está sempre pronto para abandoná-la ou condicioná-la ao máximo na busca dos objetivos de lucro que são seu único objetivo.

O urgente e necessário

O nível de empobrecimento em um contexto recessivo e com altas taxas de inflação exige o estabelecimento de uma ordem de prioridades para reverter o estado social caótico e tender a reconfigurar as bases para o crescimento produtivo.

Um primeiro e inevitável compromisso é com aqueles que enfrentam as maiores expressões de vulnerabilidade, que devem ser traduzidas em medidas de bem-estar para a população que não possui renda regular, a fim de atender à classe passiva e aos que trabalham com salários de subsistência.

Planos sociais, programas de formação profissional, aumentos significativos na seguridade social e salário mínimo (SMVyM), deveriam, definitivamente,ser prioritários.

As pequenas e médias empresas também deveriam ser o centro das atenções do Estado, especialmente quando representam o maior potencial de criação de empregos e têm capacidade de recuperação rápida, ligada ao aumento do consumo interno. O redirecionamento do crédito com mecanismos de financiamento adequados, a redução de tarifas atreladas às metas de produção e uma política tributária específica que incentive a produtividade, poderiam muito bem ser um começo adequado.

Esforços dessa natureza exigem que sejam acompanhados de uma definição clara para o tipo de trabalho ou emprego que se pretende projetar, dando origem a um debate essencial sobre o sistema de relações de trabalho a que se almeja.

Acordos inadiáveis

O Diálogo Social se mostra como uma ferramenta essencial e ideal para alcançar um Acordo útil para iniciar a reconstrução dos laços rompidos. Diálogo que deve ser sério, consistente e incentivado pelo princípio da Justiça Social, que importa impor os maiores esforços àqueles que têm melhores condições para prover sustento.

O convite ao diálogo deve ser amplo, buscando interlocutores legitimados e legitimantes ao chegar a acordos, com a presença inevitável do Estado que não apenas o coordena, mas também oferece garantias de conformidade, implementando mecanismos de controladoria com a participação de atores sociais.

Para esse fim, e como coadjuvante, complementando ou suplementando as diretrizes resultantes deste acordo, é necessário promover a reativação da negociação coletiva.

O modelo coletivo concentrado convencional, que responde ao sistema de organização sindical em vigor em nosso país, é particularmente apto a atender ao objetivo acima mencionado. Sem desvalorizar sua combinação com a descentralização que exige o reconhecimento das peculiaridades que ofereçam realidades específicas, desde que acordadas em um escopo maior, contem com a proteção dos padrões mínimos acordados e não prescindam do enquadramento nessa representação sindical.

Regulações normativas

As reformas trabalhistas que se vêm promovendo – e que, em alguns casos, foram realizadas – não têm congruência com os propósitos de modernização declarados ou com o aumento do crescimento do emprego, somente correspondendo ao desejo de maximizar os lucros das empresas ao custo da precarização das condições de trabalho, redução de salários e da flexibilização devido ao aumento do desemprego.

Os estágios da crise não são combatidos ou neutralizados pela redução dos níveis de proteção normativa, pelo contrário, impõem reforçá-los para mitigar os maiores desequilíbrios que ocorrem entre as forças do Capital e do Trabalho.

A tarefa legislativa deve ser direcionada para restaurar a proteção necessária a fim de eliminar as iniquidades causadas pelas políticas neoliberais; à análise de novas formas de organização do trabalho e ao impacto de mudanças tecnológicas para promover ajustes regulatórios quando necessário; como também à recriação das tradicionais metodologias distributivas restritas à variáveis salariais diretas, promovendo mecanismos de participação nos lucros e de ampliação dos conteúdos da negociação coletiva com impacto na qualidade de vida das trabalhadoras e trabalhadores.

O Direito do Trabalho se distingue por nutrir-se de normas originárias da autonomia coletiva, que assumem seu verdadeiro sentido desde que signifiquem uma consagração efetiva do princípio da progressividade. Assim como a lei garante mínimos inderrogáveis e indisponíveis, a negociação coletiva permite – dentro dos limites que definem a capacidade empreendedora e o poder sindical – avançar em novos ou melhores direitos, em adaptações normativas às demandas de produção e na realização de objetivos perseguidos por empreendimentos produtivos.

O desenvolvimento e a decolagem da economia devem atender aos requisitos de negócios de uma maior produtividade, competitividade e rentabilidade razoável, associados aos riscos de investimento de capital. O Estado deve assumir a responsabilidade de fornecer os instrumentos necessários, sem prejuízo dos direitos trabalhistas.

Esse objetivo também pode ser parcialmente atendido por acordos coletivos, cujas possibilidades são ampliadas na medida do possível para compartilhar, em igual medida, esforços e participação nos resultados que se pretendam alcançar, com presença sindical e interlocução permanente que permita o acesso a certos controles do grau de conformidade com o acordado.

É hora de permear as práticas democráticas no campo da empresa, garantindo a participação nos lucros do setor trabalhista com controle de produção e colaboração gerencial. Longe de ser um discurso utópico, não é mais – nem menos – do que operacionalizar mandatos constitucionais consagrados desde 1957 no Artigo 14 Bis da Constituição Nacional [Argentina].

É com base nessas premissas e com a decisão de estimular a democratização das relações de trabalho, que será possível vislumbrar a recuperação da cultura de negociação na Argentina; assim como o enriquecimento do conteúdo das convenções coletivas, respondendo às necessidades e interesses dos empregadores e trabalhadores, mas em busca de maior inclusão e igualdade e melhor distribuição da riqueza gerada pelo trabalho.

Álvaro Ruiz é advogado trabalhista com experiência na assessoria de sindicatos.

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