Empresas minam vínculos empregatícios e esvaziam pertencimento sindical e identidades. Isso requer novas estratégias de luta.
Marcio Pochmann
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 08/08/2022
Após trezentos anos de predomínio do sistema colonial europeu entre 1500 e 1800, a passagem do agrarismo para o capitalismo industrial terminou por confirmar o Ocidente como centro dinâmico mundial. Por mais de dois séculos, as revoluções tecnológicas assentadas no paradigma mecânico-químico tenderam a substituir o labor humano sem garantir, naturalmente, a elevação das condições de vida e trabalho.
Neste contexto, as instituições de organização e representação dos interesses das classes trabalhadoras atuaram em três posições distintas. A primeira, associada à negação de futuro promissor nos marcos do capitalismo, orientada pelas lutas de caráter revolucionário no âmbito do anarquismo, comunismo e comunitarismo alcançou parte importante dos países.
A segunda posição está vinculada à compreensão de que a exploração do trabalho poderia ser contida por regulações que permitissem melhorar as condições materiais do exercício do labor humano. Seja por legislações social e trabalhistas conduzidas pelo Estado, seja pela contratação laboral exercida pelo poder sindical, a trajetória histórica de proteção e elevação do padrão de vida laboral avançou por arranjos acomodativos no interior do desenvolvimento capitalista em várias nações.
Por fim, a terceira posição está relacionada ao conjunto das lutas pela contenção do tempo trabalho heterônomo, em busca da libertação da vida para outras atividades (política, social, lazer, religiosa e outras). Com isso, a expectativa de que a remoção do fardo do trabalho alienado seria possível na compatibilidade da menor jornada laboral com o embalo da automação também fez parte da experiência adotada em várias economias capitalistas.
Durante o primeiro quarto do século 21, os sinais de confirmação da nova Era Digital apontam para o deslocamento do centro dinâmico do mundo para o Oriente. Concomitantemente, revoluções tecnológicas pautadas pelo paradigma informacional, os impactos sobre o labor humano proliferam, muitas vezes, de forma distintas do passado.
Ao contrário do que converge grande parte da produção teórica aliada às consultorias patronais, o trabalho parece ser impactado para além dos limites da substituição imposta pelo progresso tecnológico. Na realidade, a Era Digital altera profundamente a natureza do trabalho, cada vez menos submetido ao paradigma mecânico-químico, cujo efeito era, até então, substituir o labor humano.
No trabalho analógico predominante no capitalismo industrial, a empresa reconhecia os seus empregados, dispondo de contratos formais de exercício do labor humano acompanhado do acesso a direitos sociais e trabalhistas. No trabalho digital, a empresa tende crescentemente a extrair o valor do trabalho humano sem admitir e assumir o emprego do trabalhador, o que tem esvaziado as possibilidades de identidade e pertencimento sindical e acesso aos direitos sociais e trabalhistas.
Sob o capitalismo informacional, a empresa se afasta do trabalhador, não assume deter empregados, desconhecendo as suas condições e necessidades de vida. Sem ruptura, o capitalismo segue mobilizando quaisquer recursos disponíveis de mobilização, sobretudo a posse na forma de dados para serem transformados em lucro e, por sua vez, concentração de riqueza e poder.
Marcio Pochmann é economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004.