Trabalho doméstico em condições análogas ao de escravo: a invisibilidade que decorre do afeto

Alline Pedrosa Oishi Delena

Fonte: DELENA, Alline Pedrosa Oishi. Trabalho doméstico em condições análogas ao de escravo: a invisibilidade que decorre do afeto. Revista do Tribunal do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, v. 17, n. 33, p. 198-214, jan./jun. 2025.

Resumo: O presente artigo explora a complexa relação entre afeto e exploração no trabalho doméstico no Brasil, abordando como o vínculo emocional entre empregadores e trabalhadoras domésticas pode invisibilizar condições de trabalho análogas à escravidão. A análise começa com casos de vítimas que, apesar das condições de exploração, relutam em sair da casa dos empregadores por causa de laços afetivos. No sistema jurídico, o afeto torna-se um fator que dificulta o reconhecimento da exploração, pois testemunhos de trabalhadoras que afirmam ser “como da família” tendem a ser aceitos como prova suficiente de uma relação de convivência, ignorando evidências de exploração, como a ausência de salário e os direitos trabalhistas violados. O objetivo é, portanto, evidenciar como o “afeto” serve para mascarar e normalizar situações de exploração com a ótica colonialista remanescente do período colonial, revelando a necessidade urgente de mudanças na percepção e na legislação para proteger efetivamente essas trabalhadoras.

Sumário: 1 Introdução | 2 Trabalho doméstico, trabalho domesticado, trabalho em ambiente doméstico | 3 Afeto | 4 Lei Maria da Penha e trabalho doméstico – quando quem é quase da família sofre as violências do ambiente doméstico | 5 Trabalho decente das trabalhadoras domésticas: da Convenção 189 ao Projeto de Lei Sônia Maria de Jesus | 6 Conclusão

Quando escrevi pela primeira vez alguma coisa sobre o tema, o ano era 2022 (Delena; Colares, 2022) e a primeira Ação Civil Pública sobre o assunto havia sido julgada em 2021 (Brasil, 2020).

Aquele caso, diferentemente de outros tantos que se sucederam, já não tinha mais o afeto como fator de vínculo entre as partes. A vítima queria apenas receber algum dinheiro para poder ir embora e refazer sua vida. Mas seus empregadores, que já não lhe pagavam nada há cerca de 20 anos, haviam se mudado algum tempo antes, sem lhe deixar o paradeiro. Ela havia ficado para trás, junto com a casa, à venda. Mesmo assim, a interferência do Ministério Público do Trabalho na situação não era vista com bons olhos pela vítima, que repetia o tempo todo que isso era um assunto dela, e que ninguém tinha nada a ver com isso.

Anos depois, fomos chamados para outra ocorrência. A suposta vítima seria registrada como atendente de farmácia, mas na verdade trabalhava como doméstica sem qualquer direito, inclusive salário, sofrendo ameaças de ter que voltar para sua terra e “comer areia”.

Durante a inspeção, ficou claro que havia uma relação de dependência emocional entre a empregadora e a empregada. Anos de convivência, muita dedicação de uma pela outra, mas nenhum direito assegurado.

Diante dessa relação afetiva estabelecida, o resgate tornava-se inimaginável para a vítima, que jamais se percebeu como tal. Ela não queria sair dali.

 

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Alline Pedrosa Oishi Delena é procuradora do Trabalho. Vice-coordenadora da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho em São Paulo. Membra do GT Trabalho Doméstico no MPT. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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