A Medida Provisória 808/2017, que altera pontos da lei que instituiu a Reforma Trabalhista, perde a validade nesta segunda (23/04). A menos que isso seja revertido e os pontos sejam alvo de nova MP, o episódio passa para a história como o caso em que o Senado Federal demonstrou ao eleitorado brasileiro que é dispensável.
Leonardo Sakamoto
Fonte: UOL
Data original da publicação: 21/04/2018
A Medida Provisória 808/2017, que altera pontos da lei que instituiu a Reforma Trabalhista, perde a validade nesta segunda (23/04), sem que a comissão mista do Congresso Nacional que a analisaria ter escolhido um relator – função que caberia a um deputado federal
A MP foi consequência de um acordo firmado entre os senadores da base aliada do governo federal e a Presidência da República no ano passado. Para evitar que mudanças levassem o projeto de novo à Câmara, Michel Temer, via senador Romero Jucá, prometeu algumas migalhas de concessão aos senadores que topassem jogar no lixo sua função de casa revisora.
Através de uma medida provisória, mudanças como condições de trabalho para grávidas e lactantes, trabalho intermitente e autônomo, jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, entre outros pontos, seriam amenizados. Os senadores da base se deram por satisfeitos e apertaram “sim” no dia 11 de julho do ano passado. Temer, com isso, conseguiu mostrar serviço a grandes empresários e ao mercado financeiro – que patrocinaram sua chegada e manutenção ao Palácio do Planalto.
Nem bem o corpo da reforma esfriou e o presidente da Câmara Rodrigo Maia avisou que iria barrar qualquer MP que tentasse mudar o projeto. Vale lembrar que as alterações originais eram insignificantes, mantendo o coração da reforma: a priorização da negociação entre patrão e empregado acima do que está na lei. Cerca de mil emendas foram sugeridas à Medida Provisória.
Agora, a Medida Provisória caduca. O governo federal deve emitir um decreto para alterar a contribuição para a Previdência Social relativa ao trabalho intermitente, mas a maioria daquilo que havia sido acordado com os senadores não deverá ser alvo de nova MP. Se isso se confirmar, para serem aprovados, esses pontos dependerão de projeto de lei.
Os senadores-empresários e senadores que representam empresários, que são a maioria, devem ter pensado como o palhaço do hambúrguer: Amo muito tudo isso.
De duas, uma:
1) Ou parte dos senadores da base do governo foi enganada por Michel Temer, que prometeu algo que não podia cumprir porque dependia de uma Câmara dos Deputados que não estava interessada em mudanças no texto que ela própria havia aprovado. Nesse caso, é preocupante que tenhamos como senadores políticos tão mirins que acreditam até em Temer.
2) Ou esses mesmos senadores fizeram parte de uma grande peça de teatro, combinando o jogo com Temer para fingir que realmente estavam interessados em fazer mudanças, quando – na verdade – precisavam apenas de uma justificativa para terem terceirizado seu papel de câmara revisora, deixando passar uma versão mais agressiva de uma Reforma Trabalhista que traz dores de cabeça aos empregados. Nesse caso, nada de novo em Pindorama.
Em qualquer uma das possibilidades, o resultado é que os trabalhadores perdem.
E, de qualquer forma, a menos que isso seja revertido e os pontos sejam alvo de nova MP, o episódio passa para a história como o caso em que o Senado Federal demonstrou ao eleitorado brasileiro que é dispensável.
Pois uma vez que abriu mão, por conta própria, de sua tarefa constitucional de revisar a decisão da câmara baixa do parlamento, trouxe argumentos para aqueles que defendem o seu fim e a transformação daquele espaço coberto de tapete azul sob o ”prato voltado para baixo” do prédio do Congresso Nacional em algo mais edificante, como uma casa de shows ou um ginásio poliesportivo.
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.