Terceirização e estabilidade no emprego: estudo sobre a hierarquia de valores laborais de trabalhadores terceirizados

Nancy Ramacciotti de Oliveira-Monteiro
Rodolfo Eduardo Scachetti
Thaís Hilário Vieira
Maria Aznar-Farias

Fonte: Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 17-28, 2016.

Resumo: Com funções de guiar o comportamento e expressar necessidades, os valores humanos emergem das interações entre as pessoas e seus contextos específicos, incluindo sistemas ambientais da vida no trabalho. Valores relativos ao trabalho podem ser definidos como fatores desejados pelas pessoas no contexto laboral, funcionando como metas a serem alcançadas nesse contexto. O objetivo deste estudo foi verificar a hierarquia de valores laborais em trabalhadores terceirizados, quanto a: “Estabilidade”, “Realização profissional”, “Relações pessoais” e “Prestígio”. Foram investigados 106 trabalhadores terceirizados de uma universidade pública, de diferentes ocupações, amostra com predominância do sexo feminino (68%) e média de idade de 34,58 anos (DP = 9,50), com uso da “Escala de Valores Relativos ao Trabalho” (EVT). Foram consideradas as variáveis: sexo, idade, escolaridade e classe econômica. Resultados indicaram a “Estabilidade” como o principal fator na hierarquia dos valores laborais. A flexibilização no trabalho no capitalismo contemporâneo caminha de forma contraditória com tendências dos trabalhadores terceirizados investigados em sua valorização da “Estabilidade”.

Sumário: Introdução | Método | Participantes | Instrumento | Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos | Procedimentos de análise de dados | Resultados | Discussão | Considerações finais | Referências

Introdução

Tema clássico das ciências humanas e sociais, o trabalho e o seu papel na vida dos indivíduos continuam gerando pesquisas e debates. Isso talvez se explique pela centralidade que passou a ocupar nos primórdios do industrialismo na vida social de modo geral, configurando uma formação sócio-histórica que tem se tornado foco de intensas polêmicas com a emergência, no século XX, da chamada Terceira Revolução Industrial. Pautada pela disseminação das máquinas cibernéticas e pelo surgimento de uma economia do conhecimento em que o trabalho aparece muito mais ligado ao processamento de informações do que à produção de bens tangíveis, tal revolução estaria, dentre outros fatores, na base de uma grande crise do trabalho (Gorz, 2003; Silva, 2014).

Segundo Silva (1995), foi justamente com a primeira Revolução Industrial que o trabalho “se tornou o princípio organizador fundamental das relações sociais e, portanto, o meio pelo qual os indivíduos adquirem existência e identidade social pelo exercício de uma profissão” (Silva, 1995, p. 170). Conforme Estramiana (1992), além de prover o necessário para a subsistência humana, o trabalho tem funções psicossociais que colaboram na definição do status assumido pelo indivíduo na sociedade e da sua própria identidade, permitindo a organização do tempo e possibilitando o enriquecimento de suas redes de relações sociais. Autores marxistas, dentre os quais é possível citar Ricardo Antunes (2015) como o mais proeminente no cenário nacional, seguem defendendo a centralidade do trabalho no contemporâneo, e sustentando-o, consequentemente, como importante categoria sociológica de análise e intervenção. Há, nesse sentido, uma corrente que denuncia a tese da crise, superação de importância ou mesmo fim do trabalho. Entretanto, se considerarmos que o lugar do trabalho ainda aparece com destaque nas sociedades industriais deste início de século XXI, as mudanças do capitalismo em sua associação com as chamadas tecnociências também geraram transformações substanciais no entendimento da própria noção de trabalho e consequências psicossociais cada vez mais visíveis. Sociedade do trabalho sem trabalho, sociedades de trabalhadores sem trabalho, sociedade do conhecimento, do imaterial e da informação sem trabalhadores. Tais expressões sobre o mundo do trabalho têm convivido, mostrando a complexidade da discussão. Ao lado do sonho ou pesadelo de uma fábrica totalmente automatizada, vemos desfilar imagens na mídia que valorizam a criatividade e a capacidade de inovação de trabalhadores dos setores tecnocientíficos de ponta, bem como, no extremo oposto, situações de trabalho precarizado ou até mesmo escravo, ou análogo a escravo, conforme trabalho de Filgueiras (2014).

A precarização do trabalho pode ser descrita como fenômeno mundial, resultante das transformações do trabalho como a individualização e flexibilização das atividades laborais (Araújo, 2013). O trabalho precário atinge diferentes categorias e apresenta aspectos variados, dependendo do segmento em que o trabalhador está inserido. O processo da precarização afeta, também, outros setores da economia, levando a classe trabalhadora, no plano coletivo, à perda de garantias e benefícios já conquistados historicamente e, no individual, produzindo “sentimentos humanos compartilhados de desproteção, empobrecimento, ausência de garantias” (Araújo, 2013, p. 579).

O trabalho precário está relacionado a uma série de privações que foram impostas como consequência da queda, ocorrida por volta dos anos 1970, da acumulação de capital proveniente do valor do trabalho tal como ocorria nos primórdios do industrialismo. O trabalho precário seria, nesse sentido, uma tentativa de recuperação dos processos de acumulação. Por ser um fenômeno multifacetado, o trabalho precário ainda pode ser enquadrado em diversas categorias, com nomes distintos. Exemplos disso são os termos flexibilização, informalização, terceirização e desregulamentação, que podem ser associados ao fenômeno da precarização (Araújo, 2013). Entretanto, a questão que se coloca aqui é: se o estatuto do trabalho muda e termina por acompanhar as transformações das sociedades, o que ocorre com trabalhadores que vivem justamente em “faixas residuais” de trabalho, ou seja, para os quais a situação é ainda muito próxima (apesar do discurso vigente entre muitos estudiosos de que a matriz do valor-trabalho no capitalismo contemporâneo mudou) daquela figura do trabalhador clássico que só dispunha de seu próprio corpo para oferecer ao empregador como mercadoria? Dito de outro modo, o que ocorre com aqueles que não puderam se adequar às mudanças que envolvem o mundo trabalho neste início de século XXI e que acabam por viver um cenário que em princípio parecia em vias de superação pelo advento das tecnologias de informação e comunicação? Notemos que a noção de “faixas residuais” aqui forjada não se refere a uma dimensão quantitativa, mas sim envolve a não participação desses trabalhadores nas mais destacadas fatias de produção de valor ou riqueza no capitalismo contemporâneo e, consequentemente, de alocação de benefícios, salários e direitos sociais. Participar desse perfil de trabalho que não se cruza diretamente com as tecnologias da informação e da comunicação é ainda o caso de muitos trabalhadores terceirizados, aqueles que têm uma participação periférica no mundo do trabalho neste contexto que autores como Manuel Castells (2008) chamam de capitalismo informacional. Nele, o principal traço seria, segundo o próprio Castells, que:

A geração de riqueza, através da produtividade e da competitividade de empresas, países, regiões, pessoas, depende, sobretudo, de informação e conhecimento e da capacidade tecnológica de processar essa informação e gerar conhecimento […] É informacional porque, além do mais, é um capitalismo global pela primeira vez, realmente, na história da humanidade, e que funciona em rede, quer dizer, tem uma nova forma organizacional, altamente flexível, altamente dinâmica, que, ao mesmo tempo, inclui o que vale e exclui o que não vale. É um mundo novo. Capitalista, sim, mas novo (Castells, comunicação pessoal, Julho 5, 1999)

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Nancy Ramacciotti de Oliveira-Monteiro. Universidade Federal de São Paulo (Santos, SP, Brasil).

Rodolfo Eduardo Scachetti . Universidade Federal de São Paulo (Santos, SP, Brasil).

Thaís Hilário Vieira . Universidade Federal de São Paulo (Santos, SP, Brasil).

Maria Aznar-Farias . Universidade Federal de São Paulo (Santos, SP, Brasil).

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