Vitor Araújo Filgueiras
Sávio Machado Cavalcante
Fonte: Revista da ABET, v. 14, n. 1, p. 15-36, jan./jun. 2015.
Resumo: Apesar de a terceirização ser objeto de grandes controvérsias, existe um consenso acerca do conceito que a define. O objetivo deste texto é problematizar esse consenso e apontar suas contradições, demonstrando que a precarização do trabalho relacionada à terceirização não é uma contingência, mas corolário da natureza dessa forma de contratação de trabalhadores, que reduz as chances de limitação da exploração do trabalho. Destarte, tentativas de discriminar tipos de terceirização, como “verdadeira” ou “falsa”, “boa” ou “má”, ignoram a própria lógica do fenômeno. O maior risco de adoecimento e morte, e a incidência muito mais elevada de trabalhadores terceirizados entre aqueles submetidos a condições análogas à de escravos evidenciam isso. A atual conjunta é sombria e são grandes as chances de liberalização geral da terceirização, como indica a aprovação do PL 4330 na Câmara dos Deputados em abril deste ano (2015).
Sumário: 1. Introdução | 2. O consenso conceitual | 3. A terceirização de fato | 4. Consequências | 5. Considerações finais | Referências
1. Introdução
A partir das últimas três décadas do século XX, a terceirização se destacou como um dos temas mais candentes do chamado mundo do trabalho. No Brasil, o fenômeno está fortemente em pauta (no discurso e nas práticas empresariais) ao menos desde a década de 1990, e uma intensificação do debate sobre sua regulação veio à tona no ano passado (2014), quando forças empresariais conseguiram galgar importantes passos para legitimar um novo ciclo generalizante da terceirização no Brasil.
Mas, afinal, o que é terceirização? Quais são as reais consequências desse fenômeno que provoca grande celeuma em todos os campos em que é tratado?
Para essas perguntas, sobre as quais temos trabalhado ao longo dos últimos anos (FILGUEIRAS e CAVALCANTE, 2015; CAVALCANTE e MARCELINO, 2012; FILGUEIRAS, 2011, 2012, 2014A, 2014B), apresentaremos no presente texto uma síntese das conclusões que alcançamos até o momento.
Desde o início da reorganização capitalista da produção, globalmente desencadeada no último quarto do século passado, a terceirização tem sido utilizada, por todos os tipos de empresa, como um dos instrumentos centrais de suas estratégias de acumulação.
Trata-se da forma de contratação laboral que melhor tem se ajustado ao formato neoliberal imposto aos mercados de trabalho, concedendo às empresas uma série de benefícios, como a flexibilidade de manejar força de trabalho a um custo econômico e político reduzido. As consequências podem ser ainda mais amplas: internalizar nas mentes e corpos – e, é claro, positivar no direito – um novo valor e um novo discurso que eliminem o fundamento da regulação social anterior do capitalismo, isto é, que possam dissociar – ideológica, política e juridicamente – a empresa de seus trabalhadores; algo que possa quebrar, portanto, a noção de que há qualquer vínculo entre os lucros auferidos e os trabalhadores necessários à reprodução dessa riqueza.
No Brasil, a terceirização vem sendo crescentemente utilizada e ferrenhamente defendida pelo empresariado e seus representantes há pelo menos três décadas. Em 1993, essas forças obtiveram uma significativa vitória, pois lograram a liberalização dessa forma de contratação por meio da edição da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que permitiu a contratação de trabalhadores por empresa interposta desde que a atividade em questão não atingisse o que se denominou de “atividades-fim” da empresa contratante. Todavia, hoje nos encontramos diante de uma nova ofensiva patronal no Legislativo e no Judiciário, que tem por objetivo superar qualquer obstáculo jurídico às possibilidades de terceirização, permitindo sua utilização em todas as atividades das empresas.
Para entender o ponto a que chegamos e o horizonte que se apresenta, é preciso resgatar uma discussão conceitual. A própria definição de terceirização não é gratuita, o que é, evidentemente, expressão de interesses opostos e em conflito.
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Vitor Araújo Filgueiras é pós-doutorando em Economia (UNICAMP), Pesquisador de Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, Academic Visiting na Universidade de Londres (SOAS), auditor fiscal do Ministério do Trabalho, integrante do grupo de pesquisa “Indicadores de Regulação do Emprego”, sendo o presente texto desenvolvido no curso das atividades do grupo (https://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br). A pesquisa conta com o apoio da FAPESP, processo nº 2015/02096-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.
Sávio Machado Cavalcante é Professor do Departamento de Sociologia (IFCH-Unicamp).